Bernardo, o menino caçador de borboletas

BERNARDO, O MENINO CAÇADOR DE BORBOLETAS.

Num lindo regato de água muito límpida e que teimosamente insistia em correr para o vale, carregando consigo as esperanças do menino caçador de borboletas, é que aconteceu esse fato inusitado.

Quando o cair da tarde embalado pelo zéfiro, procurava chegar-se da noite e a lua dividia os horizontes com o sol que se despedia; quando as borboletas executavam suas últimas revoadas em busca das folhas mais protegidas nos ramos dos arbustos, por vezes até curvados pelo peso de suas exuberantes floradas e o menino recolhia-se para sua morada, tendo o puçá de filó debaixo de sua axila, a natureza parecia aquietar-se.

Diante dos insistentes coaxares de rãs e sapos à procura dos insetos noturnos que se lançavam sobre as estrelas e a luz do luar, refletidos na superfície das pequeninas lagoas formadas ao longo do regato que, instigado por temporais de verão, deixava-se extravasar como quem procura tirar do seu corpo as impurezas, todas oriundas da irresponsabilidade e falta de sensibilidade do ser humano, também os grilos começavam a participar daquela sinfonia. Enquanto as mariposas iniciavam seus bailados buscando aos focos luminosos e os primeiros morcegos saíam em busca de suas refeições, a noite, ao avançar, enchia de sonhos o menino Bernardo.

Muitas manhãs se sobrepunham a cada noite passada e sob o acariciante calor dos primeiros raios solares, o menino caçador de borboletas jamais faltava àquela paisagem. Claro que para desespero da natureza, sem ter como proteger às revoadas primaveris das inocentes borboletas, inebriadas pelo aroma das floradas e sequiosas pelo néctar indispensável à sua sobrevivência, por ali permanecerem, acabavam por se tornar um alvo muito fácil para o Bernardo. Mas, assim é a lei da natureza. Há de se enfrentar situações adversas para que a vida tenha um significado maior.

Os anos se passaram, tão rápido quanto o puçá do menino caçador em busca de suas fantasias e, numa bela tarde, aquele menino deparou-se com uma enorme borboleta na margem oposta do regato, tão grande quanto ele.

Maravilhado pelo achado, atônito pela beleza daquela borboleta de olhos grandes e azuis, ousou atravessar o regato para caçá-la. Quando se aproximou da borboleta, olhou para o puçá e viu que era muito pequeno para aprisiona-la. Pensou por alguns instantes, correu seu olhar pela borboleta e percebeu que ela não tinha asas e indignado perguntou-lhe: Você não voa?

Não! - Respondeu-lhe a borboleta. - Não preciso de asas para fazer isso e você deveria envergonhar-se de estar aprisionando as pequeninas e impondo-lhes o fim prematuramente! Elas gostam de voar da mesma forma que você gosta de correr à beira do regato.

Bernardo pegou seu puçá e atirou-o nas águas do regato, saindo em desembalada carreira para sua casa.

Naquela noite, antes de ser dominado pelo sono, o menino caçador de borboletas, deixou seu pensamento voar como as borboletas do regato. Durante os seus vôos percebeu que estava arrebatado pela beleza daquela grande borboleta sem asas e de olhos azuis.

Na tarde seguinte, Bernardo caminhou vagarosamente até à beira do regato e ali ficou observando o revoar das borboletas, suas lindas cores e formas. Então pode entender toda a paisagem que a natureza lhe proporcionava e sentir porque as flores exalavam aqueles aromas inebriantes. Pensou também que o ambiente quando sadio é envolvente, não havendo no mundo um coração sequer, forte o bastante para não se curvar diante dessa tela artística cujo autor é também o responsável pelo sentimento que chamamos de amor. Absorto pelas circunstâncias do momento, nem se apercebeu que do outro lado do regato, a grande borboleta sem asas o observava.

Passados alguns minutos a grande borboleta indagou: Olá menino! Não veio caçar borboletas hoje?

Vim, sim. - Respondeu-lhe o menino.

Curiosa a borboleta disse-lhe: Mas cadê o seu puçá? Como vai pegar as borboletas, parado aí?

Bernardo, após instantes de insegurança, respondeu-lhe: Você não viu que ontem eu joguei fora o puçá?

Vi sim e por sinal, fiquei indignada por tê-lo atirado nas águas limpas do regato. - Fiquei até imaginando: Será que ele é mais um poluidor, das nossas águas?

Rapidamente o menino atirou-se no regato e foi buscar o puçá, enroscado em galhos pendentes de árvores da margem. Voltou-se até perto da grande borboleta, quebrou o puçá e disse-lhe: Pronto! Não estou mais poluindo o rio.

Então a borboleta retrucou: Mas! E agora? Como vais caçar suas borboletas amanhã?

Com a voz embargada, o menino caçador de borboletas falou: Não preciso mais de puçá para caçar borboletas!

Porque? Perguntou-lhe a grande borboleta.

Porque a única borboleta que ainda preciso caçar não tem asas, possui lindos olhos azuis e é muito maior que o meu puçá e também acredito que tenha um nome, assim como eu sou o Bernardo.

Encabulada, a grande borboleta baixou seu olhar e, mesmo sem asas, saiu “voando” dali.

Alguns anos se passaram e todas as tardes, o caçador de borboletas e a grande borboleta de olhos azuis encontravam-se à beira do regato e, podem acreditar, alçaram vôos incríveis. Por isso, nos dias de hoje pode-se ver, todas as tardes, correndo às margens do regato, uma linda menininha, com um puçá de filó, caçando borboletas.