Anita a menina que cozinhava esperanças

ANITA, A MENINA QUE COZINHAVA ESPERANÇAS

Num pequeno sítio, com muito verde e tranqüilidade, onde muitas árvores tentavam proteger o rigor do sol sobre os canteiros de vicejantes hortaliças, situados ao fundo de uma pequena morada, onde vivia a menina que cozinhava esperanças, ocorreu esse caso.

Era uma simples menina, como outra qualquer, com aproximadamente onze anos, sentimentos femininos e as ilusões próprias de qualquer ser humano. Sem maldades e com muitos sonhos que contrastava com seus procedimentos, ela se transformaria na figura principal dessa estória, até certo ponto engraçada.

Em quase todas as manhãs, Anita saia para o quintal, aonde pegava alguns tijolos e cautelosamente ia arrumando-os uns sobre os outros até que montava o seu pequeno fogão. Com um velho pedaço de folha de zinco, cobria a parte superior. Em seguida catava alguns ramos secos, que não eram poucos, debaixo de tantas árvores, para fazer o braseiro. Depois de tudo pronto e devidamente arrumado no seu pequenino fogão, algumas sobras de papéis de jornais eram colocadas sob os galhos secos. A seguir dirigia-se até a cozinha, para pegar a caixa de fósforos que invariavelmente esquecia e a colocava ao lado do improvisado fogão.

Na segunda parte de suas atividades, por vezes a mais demorada, buscava pequenas panelas de alumínio entre seus brinquedos, a inseparável boneca com a qual sempre dormia, alguns condimentos e um pouco óleo que buscava na cozinha de sua mãe, para começar a fazer a sua famosa e cotidiana “comidinha”.

Começava aí a parte mais interessante dessa estória.

Anita ia até os canteiros de hortaliças, levando um vidro vazio. Colhia algumas folhas de verduras e depois, saía à procura de gafanhotos verdes, aos quais aprisionava no vidro. Voltava até seu fogão improvisado e dava início à sua tradicional arte culinária.

Com uma pequenina faca, também pega entre seus numerosos brinquedos, cortava cuidadosamente as folhas, em partes muito pequenas. Colocava-as em suas panelinhas e refogava-as com óleo e condimentos.

Enquanto fazia sua “comidinha”, Anita cantarolava canções. Era fácil observar em seus brilhantes olhos azuis, todo esplendor de sua alegria. Entre as canções, deixava escapar em tons mais altos de sua pré-adolescente voz, as inevitáveis ilusões, no rumo do palácio do “Príncipe Encantado”.

Dizia ela: “Querido Príncipe, vou preparar-lhe uma saborosa refeição e tenho certeza de que Vossa Majestade jamais esquecerá”.

Outra canção e novos trechos eram mencionados em voz alta: “Estarei sempre bonita, muito bem maquiada e vestida, à espera de Vossa Alteza”.

Durante esses cantos e falácias, Anita pegava o vidro com os gafanhotos verdes, tirava-os e com sua pequenina faca, um a um, ia fatiando e colocando em suas panelinhas, junto com as folhas refogadas.

Sempre mexendo, com auxílio de uma colherinha a sua “comidinha”, recitava:

Menina quer ser Princesa,

Não vá a baile nem dança,

Cozinhe a sua esperança,

Sirva ao Príncipe, na mesa.

Certo dia, Dona Jacira, mãe de Anita, casualmente flagrou a menina cozinhando os grandes gafanhotos verdes. Meio extasiada e também reticente, questionou-a: Minha filha! Que maldade é esta! Cozinhando os coitados dos gafanhotos verdes?

– Não mãe! Estou cozinhando “esperanças” para ser feliz quando crescer.

– Olha minha filha, disse-lhe Dona Jacira ainda surpresa com a tamanha inocência. Os gafanhotos verdes são chamados de “esperança” por causa da sua cor, tida como símbolo da esperança. Outrossim, a crendice popular de que toda a vez em que casualmente, um deles entrasse em sua casa lhe traria muita sorte, acabou por mistifica-los.

Salvos os gafanhotos verdes, Dona Jacira, com a maestria peculiar às mães, conversou demoradamente com Anita, extremamente preocupada com aquela situação.

Explicou-lhe a realidade dos fatos e, depois de reconhecer o quanto havia demorado em atender a necessidade de amadurecimento da menina, passou a tratar-lhe como adolescente.

Diariamente levava Anita para a cozinha e fazia com que lhe acompanhasse em todas as atividades do lar, tempo em que contava as verdadeiras estórias de Príncipes Encantados, enquanto cantarolava algumas músicas de sucesso da época. A partir desse dia e da longa conversa com sua mãe, a menina que cozinhava as esperanças, passou apenas a alimentá-las. Não que oferecesse folhas verdes e tenras aos bichinhos, mas sim por sentir-se liberta e realmente dona dos seus sentimentos que, ao extravasarem de seu peito não mais ficavam perdidos naquele emaranhado de dúvidas e incertezas, pois invariavelmente acabavam por desaguar no campo real de sua paixão por Antonio, morador da mesma rua, além de ser seu verdadeiro príncipe e por quem Anita alimentava suas esperanças.