Doentios recônditos da alma

Consultando os mortos que sondam as sombras de uma casa vazia, melancólica e atormentada, ouvia passos, sentia-se observada, vigiada, arrepios na nuca. O psiquiatra receitara mil comprimidos, mas enquanto, em analgesia, via sombras e vultos, sentia que não poderiam ser meras alucinações, pois as fortes doses de remédio certamente teriam impedido.

O relógio desperta as 3:30 da madrugada, não marcaria em sã consciência aquele horário de modo algum, olhou para a janela do quarto: escancarada, um vento frio entrava por ali. Olhou ao redor, sombras dos moveis, tinha a sensação de que, se piscasse perderia o instante exato que uma daquelas sombras se moveria, e mais uma piscada, encontraria seu fim sem conseguir ver o rosto de quem a acertou. Tapou o rosto com a coberta, encolheu os pés bem próximo do corpo, em posição fetal, rezou baixinho trêmula: misericórdia, misericórdia...

Adormeceu sem notar, acordou pouco antes do sol nascer, totalmente descoberta, e com uma dor muito forte nos ombros, os músculos tensos, sentindo muito frio. A janela ainda aberta deixava entrar aquela brisa típica do amanhecer, que se despede espalhando toda a umidade antes que o sol aqueça e seque qualquer resquício de orvalho. Os olhos pesaram ainda estando com o desconforto da temperatura, mas ouviu um sussurro, que não poderia distinguir de onde vinha, que parecia dialogar com alguém que respondia apenas com resmungos. Em sua casa a unica outra pessoa que se encontrava era sua irmã, que dormia no quarto ao lado do seu, mas a conversa murmurada não parecia vir de lá, começou a duvidar, pela primeira vez, de sua sanidade, só poderia ser uma alucinação auditiva, e isto de algum modo era mais alentador que descobrir estranhos andando por sua casa. Sentou na cama, já que era algo de sua mente, tentou mudar o foco, pensar em outra coisa, simplesmente desligar daquilo, ignorar sua loucura. Pensou em tomar alguns dos remédios prescritos pelo psiquiatra, ao menos teria um período de analgesia que poderia amenizar sua percepção alterada da realidade. Ao se virar para ir em direção à cômoda, se deslumbrou com um luz disforme, como uma fumaça iluminada por uma lâmpada fluorescente, em choque, com todos os músculos paralisados notou que ao lado desta coisa havia outra semelhante mas um pouco menor, e dali vinham as vozes, tentou de todo modo buscar, no mais profundo de seus pulmões fôlego para gritar, mas não saia som. Aquelas coisas sumiram em segundos e ela permaneceu estática e rígida no mesmo lugar, incapaz de reagir. Sentou na cama, se deixando cair pelo peso do corpo que saiu do estado de tensão para uma moleza súbita, mas ao cair em sua cama sentiu uma consistência inesperada. Olhou em pânico, era uma gosma transparente, ficou olhando para sua mão e seu corpo que ficou cheio daquilo, e saiu correndo, foi para o banheiro, se lavou rápido na pia, por puro hábito olhou no espelho e se viu, mas não poderia afirmar quem era aquela, os cabelos brancos, olhos fundos, e uma aparência doentia, e tinha apenas 22 anos! Ao se olhar fixamente, foi vendo sua figura se tornar mais e mais enrugada, agora era uma velha de idade avançada, olhando para suas mãos viu-as, de fato, envelhecidas e entrou em pânico, colocando as mãos nos olhos em prantos, abaixada em canto do banheiro ficou balançando para frente e para trás dizendo palavras sem sentido... Seria loucura?

T Sophie
Enviado por T Sophie em 29/10/2009
Reeditado em 30/10/2009
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