A Filha e o Saltimbanco
Sobre um soberbo salão de um tribunal solene, um auditório imenso amotinado jaz. Cuspindo mil baldões aquela turba em frenesi, contra o indefeso réu, um tímido rapaz.
Sentado no seu banco quase indiferente à sombra dessa plebe indómita e cruel. Mais o réu parece um justo inocente, um mártir que abeçoa seu cálice de fel. Começa a acusação.
O réu não nega o crime, só pede para falar e fala assim:
... Senhores, eu tinha uma filha formosa como uma flor, encantos, maravilhas, obras do Criador. Companheira destemida dos dias da minha vida, relíquia santa e querida de uma aliança de amor.
Um dia, fatal lembrança, dia de eterno pesar, faltou-me em casa a criança, a alegria de meu lar.
Corri a Inglaterra e a França, corri a Itália também, à procura da criança por este mundo além. E a todos que eu encontrava por ela lhes perguntava mas ninguém notícia dava, de minha filha, niguém.
Um dia no mês de agosto, estando eu ao sol posto num teatro de pé, não sei que expressão senti dentro de meu coração, não sei se força ou extinto me impeliu para a multidão. Entro pairo, meio suspenso ao ver-me num circo imenso repleto de um povo imerso numa estupenda invasão. Era uma linda menina dos cabelos aos anéis, vestida de malha fina de deslumbrante enroupeis, que um imperioso malvado exibia num tablado, sortes difíceis e cruéis.
Era tão linda e na testa tinha um sinal carmesim, sinal igual a este tinha minha filha, Ó Sim! Corri entre aquele enxame de feras e canibais para vingar-me daquele infame, meus instintos paternais. Louco, cego, desvairado, o saltimbanco estreitei e de arremessa ao tablado, o crânio lhe esmigalhei...
O resto senhores jurados, o resto sabeis vós, fui levado entre os soldados como autor de um crime atroz. Minha defesa é esta. Senhores, sentenciai. Mais uma coisa me resta, lembrai-vos de que sou pai e se vós sois como penso, se sentis dentro do peito amor de pai, não temo o vosso juízo. Calou-se o réu.
Desfez-se em pranto a multidão.
Caso novo! Juiz, jurados todos a chorar. Ergue-se e exclama o magistrado: Eu interpreto as leis do tribunal e também sou pai. Enfim, estás perdoado, porque eu em seu lugar assim o faria ou mais...
(Autor desconhecido)