Justa vingança?

O céu escuro de nuvens, que tentavam compensar o calor do dia, escaldante verão, loucura de uma sexta-feira agitada, o trânsito lento, a musica tocando no rádio, a solidão doendo no peito. Apenas um mês atrás tinha terminado com aquela que sonhara ter como mãe de seus filhos. Aquilo pesava tanto! Mas nunca perdoaria a traição!

Desceu do carro, pegou a mochila, apertou o botão do elevador, se sentiu observado. Olhou ao redor, silencio total, a garagem com sua pouca luz, e sua alma com uma mínima fagulha que o mantinha de pé. Entrou no elevador, o celular toca:

-Alô...-desanimado, nem olhou que numero era.

-Olá Marcos! –era uma voz feminina que ele não conhecia. - você fica muito elegante com esta blusa social branca...

Quem brincaria assim com ele?

-Obrigada, cara... Com quem falo?

-Você vai descobri, basta subir até seu apartamento.

Subiu calmamente, pois seu prédio era seguro o suficiente. Abriu a porta tranquilamente, ao entrar sentiu um perfume desconhecido, que era inebriante. Acendeu a luz, e vislumbrou, extasiado, uma figura feminina digna de um quadro, cabelos escuros, pele morena, alta, magra, bela como uma escultura. Não saia palavra alguma de sua boca, o coração estava gelado de terror, pois aquela beleza tinha algo de místico, e de muito alem de sua humanidade.

-Aconselho que se sente, os músculos de suas pernas já se esforçaram muito sustentando seu corpo entre tantos corredores desta sexta-feira caótica.

Ele se sentou, em silencio, como uma criança obediente diante de adulto monstruosamente maior que ele.

-Sou Nêmesis, vim vingar a traição sofrida, basta que me peça e eu farei como quiser.

Olhos estáticos, contemplava a beleza da mulher, ou melhor, da deusa que ali se assentava. As pernas torneadas, cruzadas com a suavidade que somente um divindade poderia ter, a lustrosidade do tom moreno contrastava com a noção, sempre pálida, das deusas dos quadros.

-Diga Marcos!

-Não sei...

-Ela te traiu, e você clamou aos céus que fosse vingada sua dor, que fosse pago um preço pela crueldade de destruir teus sonhos, pela perversidade de jogar com seus sentimentos, então digas o que no fundo de tua alma desejas para aquela mulher!

-Eu a amo, só desejo o bem... –os olhos cheios de lágrimas, as mãos trêmulas, o coração apertado dentro do peito- mesmo que eu queira que ela pague, sentindo a mesma dor que eu sinto, eu não saberia que mal pedir que a acometesse.

-Seu desejo será realizado, ela então sentirá a justa medida, que é a exata dor que você sente!

Desapareceu como se nunca tivesse estado ali, e o silêncio pareceu ecoar por cada cômodo, e a razão tentou encontrar resquícios de loucura na mente confusa de um sofredor. Se fora uma alucinação não poderia afirmar, mas que de algum modo, o fato d e pensar que ela estaria sofrendo, na mesma medida que seu tormento, a dor de uma traição já o consolava.

Lembrando, sob os lençóis da última vez que a viu, deslumbrante em um vestido estampado, duas semanas depois do fim, com a pele viçosa, deslumbrante em sua pose realizada, tinha tudo, e o preço foi ele quem pagou, pois o amor de mão única há muito se estendia. Agora, sentia-se de algum modo um tolo, incapaz de notar esfriamento ou qualquer sinal de que ruía aquele amor, ela não rumou para outros braços sem motivos, tinha sua parcela de culpa, mas o que poderia fazer, se o trabalho lhe tomava tempo e vigor. Certamente poderia ter dedicado mais atenção e amor, mas aquela certeza estagnada, dos relacionamentos de longa data, o embriagavam da ilusão que estava tudo certo, e sozinho, sem uma carta na manga, sem amigos, sem esperança, catava os pedaços de seu coração. Se não tivesse buscado fora, mas investido no amor dos dois, talvez tivesse perdurado, mas agora, com o castelo de cartas desmoronado sobre a mesa, era possível contemplar quantas cartas já tinham sido colocadas, mas como era tênue o que as mantinha!

A madrugada foi chuvosa, mas o dia começou com céu limpo, a umidade controlada, e uma brisa suave soprando, pegou o cão de sua mãe, e foi passear, há muito prometia que levaria o animal, pobre condenado a ficar dias em um espaço pequeno, de ter um pouco de liberdade. Foram ao parque. Ouvia o MP3, corria tentando acompanhar o cão, e simplesmente se deixava levar por um mundo que tinha acordado simplesmente melhor do que tinha deixado ao dormir.

Foi puxado para perto de uma arvore pelo cão, ele pretendia fazer alguma necessidade mais elaborada e elegeu o lugar, ficou esperando o pobre terminar. Uma cena lhe chamou a atenção, uma moça sentada, cabeça baixa, cabelos escuros tapando o rosto. Quando levantou o rosto, o susto, era Melissa! Estava abatida e pálida, tentou disfarçar que a olhava, mas foi visto. Ela se aproximou, enquanto vinha em sua direção, parecia tentar se arrumar.

-Olá Marcos... Passeando com Augustinho?

-Sim, ele estava precisando.

Ela me observava de um modo estranho.

-E você o que faz aqui, estava sentada sozinha... E parece um pouco abatida.

-Ando meio angustiada, desde ontem, mal dormi, briguei com... –gaguejou- tive alguns problemas, mas acho que é só um momento.

-Claro, tudo passa, sempre passa...-apesar de tentar, aquelas palavras soaram sombrias.

Ficaram em silêncio, e ele sabia, secretamente, que ardia dentro do peito dela, naquele instante a mesma dor que o atormentava dia após dia naquele ultimo mês, e o que ela não entendia era que aquela dor, era a dele. No fundo o castigo era tolo, já que ele não tinha pleno conhecimento do que acometia. Mas sabia que sua sanidade seria questionada caso contasse. Se despediram depois de mais algumas palavras superficiais, e ele foi embora. Levou ainda sua dor, mas, de algum modo, parecia lhe pesar menos...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 27/11/2009
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