O inferno de Kami

O vento vindo do cais naquele outono tinha um gosto amargo para Kami, especialmente naquela manhã, em que completava seus 27 anos.
Flashes atormentaram sua noite e assim estava desde o fatídico dia em que se fez clandestino e abandonou a luz dos dias para viver naquele antigo prédio, de gente miserável que dividiam quartos com ratos e insetos peçonhentos.
A clandestinidade não o privou de seus ternos caros, que o diferenciavam de outras pessoas, mas o dia não via aquela figura que preferia o cinza da noite como companhia, era mais seguro.
Mas hoje seria um dia especial, as ruas depois de tanto tempo, a esperavam para uma breve viagem...
O seu quarto sóbrio não só pela arquitetura pobre do local, mas por ser Kami, um homem pouco apegado,
a bens materiais, apesar do bom gosto com roupas, demais uma cama, um guarda roupa, uma mesa e uma cadeira.
Em cima da mesa um notebook onde escrevia suas poesias que a saudade de seu Hawai lhe oferecia a distância.
Alguns arquivos com icones em forma de avião na Área de Trabalho, nada mais simples em seu Not.
Meia hora de banho, a vestimenta usual, a grande mala aberta em cima da cama, recebeu inumeras maletas negras, roupas e em cima de tudo o notebook.
Caminhou até a janela ao largo da enseada a corrente atlântica descrevia desenhos com a espuma das marolas,
que causou em Kami, uma leve nostalgia e a lembrança de que naquele dia fatídico para repor as idéias, sentou
ali mesmo naquela janela e a maré baixa desenhava as mesmas voltas de agora na enseada.
Era um adeus, sim nada mais o detinha naquele local, o amanhã ja delineou seu destino.
Empunhou a grande mala, fechou a porta, desceu 10 lanços de escada e o burburinho da calçada, repleta
de barraquinhas de vendas, silenciou, no momento em que seu antigo Cupê negro, vomitou uma fumaça branca, como a limpar longos dias de inatividade do motor, e com ronco estridente alongou-se na rua para partir, e partiu.
Que longas avenidas, que céu maravilhoso, mas o que o esperava era o caus, ou talvez não, preparara-se para este dia, e com certeza não seria mais duro e sinistro, como aquele da tragédia.
Ladeando agora a mureta da enseada, à direita ele via em forma de escadas as casas que subiam o serro, mais a frente daquele lado, o contorno do morro da ladeira com sua imagem de Nossa Senhora dos Milagres, a olhou e pensou:
___Não há merecimento para milagre neste momento.
Volveu o olhar para o mar e pensou profundamente em todos os entes queridos que ainda lhe restassem e sobre a sua dor...
Contornou altas e baixas terras daquele pequeno país e parou diante de um ferry boat de passagem até uma ilha que ficava em frente ao continente. 
Enquanto esperava, os seus olhos fitaram a enorme construção de face sinistra, em um canto da ilha, toda de pequenas janelinhas com grades.
O ar imaginativamente lhe trazia para as narinas o cheiro podre que deveria haver dentro daquela pocilga, aquela que abrigava todos os que estavam com ele no fatídico dia da tragédia e que agora eram moradores deste inferno.
Voltou seu pensamento no tempo há 10 anos atrás e lembrou que no calor da sua adolescência, acionou o dispositivo que detonou o explosivo que sacrificou 752 vidas, no transatlântico Sir Paul IV, de bandeira cristã da América.
12  de seus amigos e compatriotas renderam-se cercado por militares, só ele escapou, para viver em silencio e clandestinamente o inferno que causou.
Forte Prisional de San Agostín, este era o nome da monstruosidade feita de arquitetura medíocre, e que com certeza teria em seu interior o formato do inferno.
Imaginou-se jovem ainda nas ondas havaianas, feliz e mais tarde no oriente com todos os amigos, ora presos, imaginou-os libertos nas praias do Taiti, ou nas paradisíacas montanhas da indonésia, onde serviu a guerrilha local.
Pegou do banco de trás, a grande mala, abriu, abriu cada uma das maletas pequenas, verificou cada uma daquelas testemunhas da antiga tragédia, e viu que gatilhos, miras, e toda a munição estavam perfeitas...
___Estarão em boas mãos em pouco tempo...Pensou.
O sinal verde do ferry boat, o fez subir a rampa e estacionar a um lado.
Saiu do carro, e a maresia lhe varria o rosto enquanto lentamente via crescer aos seus olhos o Forte e sua grotesca construção.
Terminada a travessia, entrou no carro e deslocou em um contorno de 2 km em direção ao Fort.
Marcialmente vestidos viu 12 guardas à porta da prisão...
Estacionou o carro entre a guarda, neste momento o gigante portão entre rangidos se abriu, uma guarda bem maior o aguardava em formação de um lado e de outro.
Estacionou... Pegou a grande mala, e de um dispositivo secreto do fundo da mala, retirou uma pequena sacola, também negra...
Saiu do carro, colocou a sacola sobre o carro, ergueu os braços, foi revistado e seguiu com uma grande escolta para figurar junto com os outros amigos da tragédia, no rol dos culpados e por certo na sinistra lista do corredor da morte...
Dentro da sacola, documentos pessoais, e planos de futuros atentados, nas maletas todas as armas que possuía...
Kami, que significa imortal em havaiano, foi executado na primavera de 1977, com os olhos voltados para o mar, no 2º andar do Fort San Agostín...


xxeasxx

Fotos da prisão de alcatraz, google.
Esta é uma obra de ficção sem conotação com a realidade.
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 08/01/2010
Reeditado em 28/07/2010
Código do texto: T2018197
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