Venezianas Verdes, Cap. 8

Bernadete foi pra casa andando ainda com a sensação de ter tido a bunda beliscada. Depois disso Eulália praticamente nada mais falou. Será que fiz alguma cara feia? Não seria nada demais. Muito atrevimento dela. Mas sabia que não havia uma carga forte naquela palavra atrevimento. Teria gostado? Não reconheço espaço comigo pra isso. Ela devia estar brincando. O que interessa é que o vestido ficou bom e pronto. Tão cedo não experimento outro.

Chegou por volta de quatro e meia em casa. Ligaria ainda pra clínica para confirmar a entrevista que teria na quarta-feira com o diretor. Acertaria os últimos detalhes para que começasse a trabalhar ainda nessa semana. Talvez fosse melhor começar na segunda-feira seguinte, pois poderia com calma acertar os novos horários dos pacientes. E também verificar se foi atendida na solicitação que fez quanto aos materiais e equipamentos fisioterápicos. Não os tinha encontrado na primeira vez que entrou na sala que deveria usar. Teriam providenciado o aparelho de pressão; uma maca adequada, com extensões laterais para a colocação dos braços do paciente; o “telhadinho” para os exercícios de alongamento; as barras paralelas; os três tipos de bolas para exercícios com os pés e as mãos; os dois tipos de rolo em espuma grande; etc., etc.?

Bernadete estava disposta a exercer a sua profissão com o maior grau de competência possível. Desejava justificar o salário acima da média que o seu currículo lhe ajudara a conseguir. Mas não conseguia desvencilhar-se de Eulália. A respiração ofegante na altura de sua orelha. Talvez coisas do tipo, como o roçar de seus corpos de que agora se lembrava, justificassem o comportamento estranho da costureira. Não se lembrava de ter visto uma só vez um homem entrar e ficar por algum tempo naquela casa. O carteiro, o eletricista, o marceneiro e os dois do Audi A6 não contavam. Mas por que isso a intrigava? Curiosidades que vão deixar de existir logo que eu começar na clínica.

- O senhor chamou uma ambulância?

- Sim, Sr. Juliano, a ambulância virá para constatar o que nós já sabemos: a moça está morta, respondeu o gerente do Le Androgynie, fazendo questão de se manter calmo. O que é mais importante, contudo, é a presença da polícia e da perícia, para que saibamos em que condições se deu o falecimento. Infelizmente, o senhor como acompanhante da falecida terá que prestar esclarecimentos.

- Deve ter sido um AVC... ou um ataque cardíaco... fulminante..., coisas que... que acontecem com todo mundo, pronunciou-se Juliano sem conseguir esconder o nervosismo.

- Sim, sem dúvida. Mas tudo terá que ser esclarecido para que não haja maiores complicações para a empresa e mesmo para o senhor.

- Sim, sim... Mas ela era casada. O marido foi avisado? Será... será muito constrangedor..., muito mesmo..., conhecer o marido dela... ele... numa situação dessas.

- Tentaremos poupá-lo desse encontro, colocando o senhor em um dos nossos apartamentos. Poderemos dizer ao marido, se por acaso ele comparecer, que o senhor foi encaminhado à Delegacia.

- Mas... mas e a imprensa?, disse Juliano baixinho. Será que eles... virão?

- Pode ser que não venham. Nós não avisaremos. Mas eles têm meios de descobrir. No entanto, fique tranqüilo. Tudo faremos para preservá-lo. Também não desejamos filmagens ou entrevistas na porta ou na recepção do hotel, concluiu o gerente.

Já eram quase nove da noite e ele ainda não tinha ligado pra casa. Bernadete não costumava incomodá-lo pelo celular quando estava trabalhando. Mas como sempre chegava por volta de 8:30, era possível que daqui a pouco recebesse algum chamado dela. A essa hora acho que não vai dar mais imprensa. Isso também não interessa a eles. Ah, meu Deus, logo essa agora!

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 30/01/2010
Código do texto: T2060472
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