Venezianas Verdes, Cap. 11

Desde as 6:30 Bernadete já estava de pé. Fora à cozinha preparar o café. Aparentemente dormira tranqüila. Com muito esforço Juliano tinha conseguido que ela concordasse em saber na manhã seguinte os motivos que o levaram a uma delegacia na noite anterior, fazendo com que ele chegasse bem mais tarde do que de costume. Tomou 35 gotas de dipirona e foi deitar-se. Alegou forte dor de cabeça.

Mas agora não tinha jeito. E era melhor que fosse logo. Às 7:30 deveria ir para o escritório, embora soubesse que o atraso seria inevitável. Certamente teria muito o que conversar com a mulher.

Chegou à cozinha já vestido para ir trabalhar. Alguma coisa deveria lembrar a rotina. E nada como a rotina para sugerir que a vida continuava normal.

- Bom dia. E aí, dormiu bem?, perguntou Bernadete, de costas para Juliano e a mesa de fórmica, junto à parede na cozinha.

- Bom dia, querida. Mais ou menos. Acho que estou acordado desde as 5.

- Dor de cabeça ainda?

- Não..., não. Felizmente não.

- E então? O que houve afinal?, indagou Bernadete, dirigindo-se à mesa com duas xícaras de café com leite.

- Bem, Berna, quero que você fique tranqüila. E que reaja como adulta ao que vai escutar. Suas decisões, quaisquer que sejam, serão inteiramente respeitadas.

- Ihhh..., lá vem m...! Mas tudo bem, disse Bernadete, já sentada, olhando fixamente para o marido. Parecia saber do que se tratava. Mas vamos logo. Deixe os entretantos de lado, homem.

- Conheci uma pessoa há uns dois meses numa festa de aniversário, do Dr. Raul, lá no escritório e..., principiou Juliano, alterando um pouco o enredo, porque não teria a coragem e nem seria necessário ser tão verossímil.

Bernadete logo o interrompeu:

- Ah, sabia que tinha de ser por aí...

- ... e ontem, depois de muita insistência dela, fomos pela primeira vez a um motel. Lá ela veio a falecer, prosseguiu Juliano, achando que começava a se livrar finalmente do peso que carregava. E que o impacto do fato talvez atenuasse a reação da mulher.

- O quê? A mulher morreu? Você teve alguma coisa a ver com isso, Juliano?

- Claro que não. Você me conhece bem. Não sou capaz de atentar contra a vida de ninguém.

- Ninguém conhece uma pessoa inteiramente até o dia em que essa pessoa se revela, disse Bernadete, mostrando os primeiros sinais de aborrecimento. Veja você, por exemplo: jamais pensei que fosse capaz disso! Sempre achei que tínhamos uma vida conjugal, senão boa, pelo menos normal.

- Tínhamos, não. Temos! Não posso me queixar.

- E esse cinismo... de dizer que foi por causa da insistência dela... Quanta palhaçada!

- Sabia que você ficaria magoada.

- E se fosse com você, não?

- Não adianta te dizer que senti e estou sentindo muito tudo isso, falou Juliano, sem conseguir encarar a mulher. Nenhum dos dois tocou nas xícaras de café. De qualquer modo, continuou, preferi contar tudo pessoalmente do que permitir que você soubesse de outra forma.

- Claro, deve ter saído em todos os jornais hoje cedo. Quê vergonha!

- Pode ser, mas não acredito. O gerente se mostrou preocupado com a possibilidade de repercussão do caso. Deve ter procurado dificultar o acesso da imprensa.

- Vai ficar mal pra você. Inclusive no trabalho. Ter o nome no jornal dessa forma..., provocou Bernadete. Mas e aí? O que houve com a moça? Ela era nova?

- 28 anos. Acho que foi vítima de um infarto fulminante. Logo após ter saído do banheiro. Tínhamos acabado de chegar. Aliás, nem chegamos a fazer nada... praticam...

- Quanta imundície, Juliano. Nunca pensei. Prefiro que você não entre em detalhes, interveio bruscamente Bernadete, visivelmente mais irritada.

Ficaram em silêncio por quase dois minutos. O café já deveria ter esfriado, pois não fora ingerido.

Juliano parecia não ter mais o que dizer. E Bernadete achou que já tinha escutado o bastante. Foi ela quem tomou a palavra, após um tempo que parecia bem maior que o cronometrado no relógio na parede, acima da mesa de fórmica:

- E agora? O que vai acontecer com as investigações, polícia, perícia, testemunhas, essas coisas todas?

- A perícia já houve. Teremos que esperar a liberação do laudo. Prestei depoimento na delegacia e tenho que aguardar, eu presumo, o desenvolvimento do inquérito. É possível, ou quase certo, que eu seja chamado de novo, explicou Juliano, notando que Bernadete não tirava os olhos da xícara de café.

- Bem, Juliano. Você disse que minhas decisões seriam respeitadas. Sendo assim, gostaria que você não ficasse em casa essa noite. Você pode ir pra casa de sua mãe. Não estou te expulsando daqui. Mas prefiro ficar um tempo sozinha. Você pode vir pegar aqui em casa algo de que necessite, uma roupa, etc. Mas preferia que a gente nem se encontrasse. Depois de uma semana, na próxima terça, você me liga. E aí a gente vê como fica.

Bernadete não esperou pela resposta do marido. Dirigiu-se pro quarto e trancou a porta. A cama a esperava de braços abertos. Mas não conseguiu chorar. Ficou de olhos abertos procurando entender melhor o que tinha acontecido.

Juliano jogou fora o café das xícaras, guardou o pão, a geléia de goiaba, o queijo e a margarina na geladeira e saiu para o escritório.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 02/02/2010
Código do texto: T2064313
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