Venezianas Verdes, Cap. 13

O relógio digital na mesinha de cabeceira marcava uma e quinze. Bernadete fora deitar-se depois da conversa com Juliano achando que fosse chorar. Mas dormira quase que em seguida. Podia ser uma fuga. Acordava agora um pouco zonza. Estranhamente, contudo, não estava nervosa. Um pouco abatida ou decepcionada. Mas nada de desesperos. Talvez só desesperança.

Será que tinha sido a falta de filhos? Que teria contribuído para a monotonia? Mas quando não há filhos, os parceiros voltam-se um para o outro. Será que foi o fato de eu não estar trabalhando? Que teria feito Juliano sentir-se mais seguro com relação à minha fidelidade? E pudesse se sentir mais à vontade com relação a dele? Será que foi porque tudo caminhava tão certinho? E aí tinha que haver algo de errado?

Sabia que esses pensamentos contribuiriam para o seu maior abatimento. Mas não poderia evitá-los agora. O silêncio na casa era o pretexto natural para que continuasse com as divagações. Que começavam a se tornar mais intensas na medida em que Bernadete se dava conta de que não teria muito a quem recorrer. Não tinha amigas com quem pudesse compartilhar essa questão pessoal. A única irmã que tinha refugiara-se em outro estado com os filhos, temendo a violência da cidade que ela e Bernadete habitavam.

Acordou de fato com o chamado do telefone fixo na sala:

- Alô..., alô?, atendeu Bernadete, certa de que era Juliano.

Do outro lado ninguém respondeu. Bernadete também nada disse, desligando em seguida. O telefone voltou a chamar. Dessa vez Bernadete atendeu sem nada dizer. Esperou alguns segundos. Quando ia desligar de novo, ouviu uma voz de homem:

- Seu marido está?

- Quem quer falar?

- Ele está?, indagou a voz tanto macia quanto metálica.

- Mas quem vai falar?

- Bem, continuou a voz macia, estou avisando, D. Bernadete, que não vai ficar barato pra ele...

Antes que Bernadete pudesse dizer alguma coisa, o homem do outro lado desligou.

Pronto, olha o que o Juliano veio me arrumar. Agora havia motivo para nervosismo. Se sabem até o meu nome, certamente devem saber tudo sobre ele. Ligar pra polícia? Não, tenho que ligar primeiro pro Juliano. Apesar de tudo. Mas deixá-lo assustado? Ele já não deve estar muito tranqüilo. O ideal seria falar com algum advogado. Alguém que pudesse melhor orientá-la. Mas quem?

No espelho da porta do armário viu o reflexo do seu rosto. Ainda com as marcas de quem acabara de acordar. E dentro do armário, cuidadosamente pendurado no cabide, estava o vestido que a costureira havia consertado...

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 05/02/2010
Reeditado em 05/02/2010
Código do texto: T2070292
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