Venezianas Verdes, Cap. 15

Bernadete marcara com Eulália às seis. Não via outra pessoa com quem pudesse se abrir sobre aquele momento especial em sua vida. E decidira falar com alguém antes de ligar para o marido. Achava-se meio confusa e bastante insegura. Nada sabia a respeito da costureira, além de achá-la firme nas suas atitudes e sempre demonstrando muita autoconfiança.

Bernadete não teve que esperar muito após o toque da campainha. Eulália surgia sorridente na varanda lateral, descendo apressadamente os degraus até chegar ao portão. Usava um vestido justo de malha que lhe acentuava o busto e era de cor igual às venezianas verdes da fachada, posicionada no alinhamento da rua. Abriu o portão e os braços para acolher Bernadete num afetuoso abraço. Esta não lhe pode retribuir o largo sorriso.

Bernadete sentou-se no sofá de dois lugares, sem quaisquer revistas de moda sobre ele, ainda retendo nas narinas a fragrância do perfume da costureira. Observou que a sala estava arrumada. Nada de carretéis de linha, agulhas, tubinhos de alfinetes sobre a mesa de jantar. Experimentou mais intensamente a conhecida sensação de se sentir bem naquele ambiente.

Quando Eulália veio da cozinha com as duas xícaras de café, como da última vez, Bernadete, inexplicavelmente para as duas, derramou-se em prantos. Assustada, Eulália largou a bandeja sobre a mesa e foi acudir a vizinha, sentando-se ao seu lado.

- Mas o que houve, Bernadete. O que houve?

As perguntas pareciam fazê-la chorar mais ainda. Eulália acomodou-lhe a cabeça ao nível dos seus seios e permitiu que Bernadete ali vertesse suas lágrimas. Decidiu não lhe fazer perguntas. Seria melhor o silêncio. Com a intenção de lhe trazer mais conforto, começou a acariciar-lhe timidamente os cabelos. Agia meio sem jeito porque afinal não eram tão íntimas. Mas entendia que certos momentos podem trazer uma intimidade que antes não existia. Notou a maciez dos cabelos de Bernadete, bem mais negros que os seus, e admirou-se com o contraste entre a cor deles e a pele branca da vizinha, revelada por seus torneados joelhos que a saia de jeans não conseguia encobrir.

Quando Bernadete a olhou por alguns segundos, com aqueles olhos vermelhos ainda molhados de lágrimas, antes de se levantar e ir ao banheiro, Eulália viu que estava diante de uma linda mulher. E não deixou de apreciar o corpo bem proporcionado que se afastava da sala.

Bernadete voltou do banheiro aparentemente refeita. Os cabelos ajeitados, os lábios com novo colorido, os olhos menos vermelhos – um rosto cuja aparência anterior de tristeza cedera lugar à de resignação.

- Eulália, desculpe o mico. Devo uma explicação a você, disse Bernadete, sentando-se no sofá de dois lugares que agora estava vazio. Eulália ocupava o sofá ao lado e enchia com licor duas tacinhas sobre a mesinha de centro.

- Nada disso, querida. Alguma coisa a afetou bastante. Devo confessar que fiquei preocupada.

- Bem, vou direto ao assunto, se me permite. Meu marido me confessou hoje que foi a um motel com uma pessoa que, segundo ele, conheceu há pouco tempo.

Eulália teve vontade de rir, mas, preferindo manter-se sóbria, fez o oferecimento do licor.

- Aceita? É de anis. Sempre me acalma quando bebo.

- Obrigada. Não tive a quem recorrer, continuou Bernadete. Minha irmã mora longe. Não sou de muitas amizades. Além do mais, me deu vontade de falar logo com alguém. E você mora perto...

- Não esquenta. E aí? Ele vai sair de casa?

- Não, não! Eu é que o pedi pra que ele ficasse um pouco lá com a mãe dele.

- Bernadete, isso é mais ou menos previsível nos homens. Ainda mais hoje em dia. E, às vezes, nem tão habitual como imaginamos.

- Sei disso. O problema é que a mulher morreu quando os dois, segundo Juliano, se preparavam pra fazer amor. O cretino ainda me disse que eles não tinham feito nada!

- A mulher morreu? Nossa, que coisa!

- Foi o que você ouviu. E o pior é que, depois que ele foi trabalhar, recebi uns quatro telefonemas ameaçadores, tipo “manda o teu marido abrir o olho, não vai ficar barato pra ele”.

Sem olhar para Bernadete, Eulália colocou a taça de que estava bebendo sobre a mesinha e mexeu levemente os lábios, na configuração de um sorriso que a outra não viu.

- Por isso é que me descontrolei, continuou Bernadete. Chorei primeiro porque fiquei decepcionada com ele, depois porque fiquei preocupada e com pena dele e, se chorar agora, é porque estou com medo.

- Fique calma. Você já chorou bastante.

- Você acha que devo avisá-lo?

- Acho que sim. Peça-o também para se demorar um pouco mais na casa da mãe. E você também deve tomar alguns cuidados. Talvez não devesse voltar hoje pra casa. Com ameaças desse tipo não se brinca.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 07/02/2010
Código do texto: T2074454
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