Venezianas Verdes, Cap. 22

A quarta-feira tinha rendido. Conseguira adiar para a próxima segunda o início de suas atividades na clínica de fisioterapia; e dar um jeito na casa, que não via faxina desde a semana passada; e ainda, falar de novo com Juliano.

Agora estava na hora de regressar à casa de Eulália. Meio sem jeito, por um lado, face aos incômodos causados à costureira. Imaginava-a ainda distante, apesar dos momentos íntimos que tinham vivido. Por outro lado, certa curiosidade em saber se ela, Bernadete, estaria pronta para a repetição daquela situação inesperada, se houvesse clima para isso.

Eulália era uma incógnita. Não lhe tinha ligado uma única vez. Nem para saber se continuavam os telefonemas ameaçadores. Tinham acontecido dois pela manhã e nenhum após a volta da clínica. Bernadete lembrava-se também que após o café da manhã elas não tinham se despedido de uma forma mais calorosa. Eulália pareceu-lhe menos extremosa. Será que igualmente questionava o que tinham feito?

De qualquer modo, Bernadete não podia ignorar o seu desejo de voltar à casa de Eulália. Sabia que ali se encontraria mais segura. Como também encontraria a determinação e o apoio tão peculiares à figura materna. Por outro lado uma imagem que não conseguia repelir: a possibilidade de se repetirem os momentos de amor que nunca imaginou que ela pudesse ser capaz de viver com uma pessoa do mesmo sexo.

Percival ainda escutava os estampidos secos da arma que imaginava ser do louro que o abordara primeiro. Haviam ajudado-o a se levantar. Foi quando percebeu que não tinha sido atingido. Mas ainda estava de mãos amarradas às costas e de olhos vendados. Não ouvira mais vozes há mais ou menos vinte minutos. Pelo barulho de veículos pesados trafegando em alta velocidade, imaginava encontrar-se numa área que deveria ser próxima à do acostamento de uma rodovia. De início procurou não se movimentar muito, pois poderia aproximar-se da pista e ser atingido. Verificou depois que deveria estar no meio de um matagal, pelo roçar das folhas de capim gordura em seus braços e pernas. Estava de cueca e camisa social rasgada em um dos braços. Não conseguia livrar-se dos ecos dos tiros que tinham cessado de repente. Mas que poderiam se repetir. E dessa vez não seria apenas para assustá-lo. Concluiu depois, pelo tempo que fora deixado ali, que os dois homens tinham resolvido abandoná-lo à própria sorte. Decidiu aproximar-se mais do acostamento onde, por se tratar de área normalmente gramada, seria mais fácil obter ajuda. Mesmo de cueca. A dificuldade de caminhar de olhos vendados e mãos amarradas às costas não o impedia de reviver as cenas em que fora violentamente agredido com bofetadas no rosto pelos dois homens que o haviam seqüestrado. E a repetição das ameaças contra a sua vida e a de seu casal de filhos menores.

Teve vontade de chorar, mas se conteve. Eles tinham conseguido. Estava abatido moralmente e profundamente arrependido por ter contratado os dois policiais para a execução do amante da sua falecida mulher. Logo que chegasse em casa, iria ligar para o Comichão e cancelar a operação. Apesar de que o pagamento seria mantido. Iriam receber sem trabalhar, o que deveriam adorar. Para que não houvesse dúvidas quanto à sua intenção de abandonar o projeto.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 15/02/2010
Código do texto: T2088036
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