Venezianas Verdes, Cap. 27

Do outro lado do Pacífico, a caminho do escritório no centro da cidade, Juliano pensava naquilo que declaradamente vinha tornando-o cada vez mais insatisfeito: a ausência de Bernadete. Nunca imaginou que ela pudesse se manter afastada, não só dele, mas também de casa por tanto tempo. Não fez ameaças. Estava irada, mas falou baixinho quando lhe pediu pra que dessem um tempo. É sempre assim: tudo é o contrário. Vi logo que com Bernadete não podia ser diferente. Zuleika não chegara a ter sido o apoio eventual. Mas Bernadete era sem dúvida a bengala de sempre.

Sua mãe procurava agradá-lo de todas as formas na tentativa de entender o seu momento. Sobretudo depois que ficou explicado, embora em rápidas pinceladas, o motivo da sua repentina transferência para a casa dela. Nós às vezes queremos ser desagradados. Os agrados em demasia também nos incomodam. Precisamos ser contrariados.

Vinha cada vez mais pensando nisso: nas ações recatadas da mulher, na sua voz baixa, na sua sagacidade, de que pouco fazia uso... Tão absorto estava que não viu quando o sinal fechou. Apesar da freada brusca, colidiu com o veículo à sua frente, amassando levemente o seu pára-choque. Esperou pela saída do motorista atingido. Deveria vir furioso tomar satisfações. Como tal não ocorreu, resolveu ele mesmo desculpar-se:

- Meu amigo, desculpe o mau jeito. Foi culpa minha.

- Não tem nada. Pelo impacto não deve ter sido muita coisa. O seu deve ter ficado mais avariado, garantiu o motorista atingido, falando rapidamente, ainda dentro do carro. Duas crianças sorriam no banco de trás.

- Mas o senhor não quer nem ver o que houve?, arriscou Juliano.

- Como disse, o estrago dever ter sido pequeno. Além do mais, estou quase que em cima da hora do meu vôo. Deixo de qualquer maneira meu carro no estacionamento do aeroporto e parto com as crianças.

- Tudo bem, mas quero lhe dizer que faço questão de arcar com o seu prejuízo, insistiu Juliano ao som de algumas buzinas lembrando-os do sinal aberto.

- Se é assim, fique com o meu cartão. Ligue pro meu celular ou me passe um e-mail e combinamos alguma coisa.

- Ok, amigo. Mais uma vez, desculpe-me.

Após colocar o carro em movimento, Juliano olhou o cartão de visitas, fixando-se no nome: Percival de Souza Castanheira, Professor de Botânica. Será o marido da Zuleika? Ela também tinha um casal de filhos menores.

De fato. Percival estava indo passar uma temporada em casa de parentes no Sul do país para se esconder de ameaças que sequer existiam.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 21/02/2010
Código do texto: T2099713
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.