Venezianas Verdes, Cap. 29

Às oito horas em ponto Ostinato chegou com seus dois ajudantes. Foram recebidos por Magno e Rafael. Sentaram-se no conjunto de sofás existente na ante-sala, local da reunião. Todos os homens elegantemente trajados, sendo Ostinato o único que não vestia terno. Seu esporte fino tornava-o aparentemente mais simples que seus auxiliares. Cinco homens e seus olhares frios.

Em seu quarto, com Bernadete, Eulália já sabia da presença dos visitantes. Autorizara a subida deles pelo viva-voz em sua escrivaninha.

- Bem querida, vou ter que deixar você agora.

- Não se preocupe, Eulália. Estarei bem.

- O que vai ficar fazendo?

- Tem jornais do Brasil e do mundo todo por aqui. Meu inglês não é muito bom, mas acho que posso ver “o que deu no NY Times”, brincou Bernadete. Quando cansar, ligo essa TV imensa aí. Nossa, mas é muito luxo!

- A gente se acostuma logo.

- Se não tiver nada de bom na TV, desço pelo elevador interno.

- Isso mesmo. Tem uma série de lojas de modas aí embaixo. Queria mesmo te dar um presente. Você podia ir pensando em alguma coisa. Depois descemos pra comprar.

- Vou pensar num presente, sim. Mas pra você!

Bernadete tornava-se cada vez mais presa daquelas demonstrações de carinho. Que se acentuavam quando Eulália achava-se mais descontraída. No avião, até à hora de dormirem, tinha sido um encanto – puro delírio de momentos felizes. Aliás, desde que entraram no carro no Rio em direção ao aeroporto, era flagrante o carinho com que vinha sendo tratada por Eulália. Havia ali muito de carência. A costureira viva sozinha em sua casa há meses. Seria certamente a explicação para aquele olhar afetuoso, quente e penetrante em que agora Bernadete parecia encontrar, junto com a proteção materna, a lascívia do amor físico.

A distância de onde se vive muitas vezes nos faz esquecer daquilo que habitualmente nos cerca – nisso incluindo-se Juliano, em se tratando de Bernadete. Quando se vive momentos que acreditamos amorosos, em meio a ambientes de luxo e riqueza, é preciso que tenhamos uma personalidade forte para que não nos esqueçamos do que ficou pra trás. A latente noção do espaço físico pode favorecer o esquecimento. O que pode ter contribuído para que Bernadete não se desse conta do aumento da proporção do seu envolvimento com Eulália.

Lembrava-se de como era bom ir à casa dela, no Rio. Via agora como era bom estar com ela em lugares bem mais distantes. Sentia-se mais livre. Tudo em tão pouco tempo. Reconhecia agora a atração entre elas. Na verdade, ainda que subliminarmente, eu já a desejava. Só não podia admitir que tal relacionamento, já não mais tão estranho para alguns, tivesse a chance de acontecer comigo. Era como se a vida estivesse pregando-lhe uma peça. Tinha certeza de que aquela aproximação anterior, dos vestidos que fizera com Eulália, do mistério envolvendo a sua figura, tudo acabara por conduzi-la para aqueles momentos. Portanto, não seriam eles assim tão estranhos. Quanto ao plano sexual, seria uma decorrência natural de tudo aquilo também. E do atual momento porque passa a sociedade, quando tais situações já não são consideradas tão abusivas ou chocantes. Os pensamentos corriam como correra o avião – a jato. Os acontecimentos também. Tudo querendo caber quase que numa semana.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 23/02/2010
Código do texto: T2102564
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