Venezianas Verdes, Cap. 30

- Marjorie, você parece muito bem. Como tem passado será uma pergunta inócua, manifestou-se Ostinato, ainda de pé, após beijar Eulália numa das faces.

- Obrigada, Ostinato, agradeceu Eulália, convidando todos a sentarem-se.

- Bem os documentos estão aí, as remessas para o setor bancário no Rio de Janeiro, como conversamos, já tinham sido feitas. É só mesmo o prazer de ver que você está bem. Ver você de novo.

- O material já está separado, informou Eulália. Quando terminarmos, peço a Magno e Rafael que desçam com vocês e levem as caixas. Está bom assim?

- Claro, Marjorie.

- E a família? Ainda naquele lindo hotel nas Maldivas?

- É, adoram aquilo lá. Os meninos gostam de pegar onda.

- E tudo o mais, Ostinato? Como vai indo?

- Acho que não podia ser melhor. O mercado europeu, que pensamos estar saturado, parece ser muito promissor. E o asiático também, sobretudo se considerarmos que estará sob a batuta do Altamirando.

- Com o Miro, tudo bem. Mas esse tal de Manicera..., não sei, não.

- Mas como, Marjorie? Você não me disse nada.

- Não estive na última reunião. Permaneci quietinha no Brasil.

- Mas lhe encaminhamos toda a papelada a respeito dele.

- Só que a papelada não é nada diante do que se esconde atrás de um olhar, replicou Eulália num tom profético. Pode não ser muito freqüente, mas tem vezes que a gente percebe.

- Puxa, logo agora que estamos nos finalmentes. Mas vamos dar um jeito. Você sabe que a última palavra é a sua.

- Não gostaria de lavar as mãos. Não é o meu feitio. Mas posso deixar tudo com você.

- E eu vou me colocar contra a sua premonição? Negativo. Já é!, como dizem os brasileiros. Altamirando assume tudo até acharmos outro nome. Só que dessa vez não usaremos mais fotografias. Você terá que conhecê-lo.

- Demorô!, ironizou Eulália, lembrando-se do que já ouvira em Bento Ribeiro.

Os dois homens de Eulália e os dois de Ostinato mantinham-se sentados sem dizer palavra. Estavam afastados da pequena mesa na ante-sala em que se encontravam Eulália e Ostinato, um de frente para o outro.

- Karl, fale alguma coisa agora para a Srª Marjorie, rapaz, ordenou Ostinato para um de seus acompanhantes, alto e louro de aparência eslava.

- Srª Marjorrie, eu pedirr licensse.

- Pois não, Karl. Pode falar.

- Temos information de que Interpol se acharr sorraterramenti no Bresil. Mais precisamenti no Rio, na busca de costurreirra conecida como Eulália, residenti na districto Bento Ribeirro, pronunciou-se Karl, no que poderia lembrar o sotaque alemão.

Rafael franziu o cenho enquanto Magno Louro arregalou os olhos. Eulália manteve-se calma.

- E aí, Ostinato. Mais alguns detalhes?, indagou Eulália.

- Bem, o Karl sabe de tudo. Mas essa língua dele é um pôrroblems..., brincou Ostinato. No rosto de todos, exceto no de Eulália, aquele risinho sem graça.

- Apurou-se que uma mulher casada, prosseguiu Ostinato, mãe de dois filhos menores, morreu enquanto estava com o amante num quarto de hotel. O marido traído resolveu vingar a morte da esposa, ou vingar-se da derrota, contratando dois assassinos profissionais para a eliminação do amante.

- Que vem a ser o marido de uma das minhas “freguesas”, interveio Eulália, preferindo não dizer que a “freguesa” encontrava-se com ela ali em sua suíte.

Contudo, Eulália sabia que isso era do conhecimento do grupo. Só que não questionariam qualquer ação sua, como de hábito, como nada teriam a dizer de sua vida pessoal. Simplesmente porque Eulália também não questionava as decisões do grupo. Resolvia-se tudo na base da confiança mútua. Quando não havia acordo, o que era raro, aí, sim, ela ficava com a palavra final.

- Soube da morte da mulher, continuou Eulália, por nossos amigos aqui Magno e Rafael. Depois a minha “freguesa”, que é também minha vizinha lá em Bento Ribeiro, no Rio, veio me procurar muito preocupada com as ameaças que o marido vinha sofrendo por telefone. Como se trata de pessoal pacato e amigo, decidi ajudá-la, pedindo a Magno e Rafael que procurassem neutralizar as ações do marido enganado.

- E eles foram procurar o Comichão, não é isso? Fomos informados. Esse Comichão é o que há de pior em matéria de corrupção. Vende a alma a Deus e ao diabo com a maior naturalidade do mundo, resumiu Ostinato.

- Aliás, no Brasil os efeitos da corrupção são mais nocivos que os da droga. A corrupção é a droga maior naquele país.

- O Comichão recebeu dinheiro do marido da falecida para contratar os dois assassinos profissionais, doublés de policiais, e dinheiro da gente para entregar o marido da falecida nas mãos do nosso pessoal.

- Sim, mas neutralizamos as ações sem haver maiores conseqüências físicas para quaisquer dos lados, observou Eulália.

- Correto. Só que um dos policiais não se conformou. Resolveu investigar por conta própria as razões que levaram o marido da falecida a desistir do projeto. É possível que tenha imaginado que a Interpol fosse oferecer uma recompensa pela captura da Baronesa, que é como você ficou conhecida em setores restritos do meio policial brasileiro.

- Que babaca, hein!, desabafou Eulália.

- Vamos cuidar dele direitinho, garantiu Ostinato. Não tem idéia de com quem se meteu. De qualquer forma, precisamos investir mais nos nossos serviços de documentação e disfarces, para que alcancemos melhores resultados. O cara deve ter visto na Internet fotos suas com Rafael e Magno e fez as devidas comparações com as descrições fornecidas pelo marido da falecida. E aí, na esperança de faturar mais alguma coisa, passou por e-mail para a Europa tudo o que apurou.

- E o outro policial?, perguntou Eulália.

- Esse se contentou com o que ganhou. Foi mais esperto.

- O marido da falecida também está por fora de tudo agora, não é isso?

- Correto. O cara fugiu todo assustado para o interior do país. Só que D. Marjorie, ou D. Eulália, ou Srª Baronesa – a senhora não vai mais poder voltar ao Brasil. Pelo menos por enquanto, advertiu Ostinato.

- É, eu já desconfiava, concordou Eulália, sem se preocupar com o ar de desconsolo que sua voz pudesse estar transmitindo.

- O melhor caminho é a Grécia, de novo. Nada como voltar pra casa. Acabaram-se as férias, brincou Ostinato. Seu vôo já está marcado para domingo. As passagens serão entregues amanhã. As remessas encaminhadas aos bancos do Rio de Janeiro serão devidamente redirecionadas para Atenas.

- Tudo bem, Ostinato, novamente anuiu Eulália. A partir desses últimos instantes só conseguia pensar em Bernadete, se ela tinha mesmo descido para ver as lojas de moda naquela rua importante do centro da Cidade do Panamá.

Preferiu que ela não aparecesse e ficasse conhecendo Ostinato e seus dois auxiliares. Se fosse o caso, haveria chance depois para isso. Agora o que importava era saber como Bernadete reagiria ao saber que teria que voltar sozinha ao Brasil. Ela mesma não saberia como transmitir essa notícia. Fez sinal para que Magno e Rafael acompanhassem os visitantes até ao hall do hotel e depois subissem.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 24/02/2010
Código do texto: T2104301
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