A DAMA DO EDIFÍCIO

Rio de Janeiro, 02 de janeiro de 2000.

É uma manhã de sol aqui na praia de Copacabana, todos caminham lentamente pelas calçadas, conversam sobre coisas que daqui da minha janela não posso ouvir, mas posso tentar adivinhar.

Devem estar ainda comentando sobre a noite de 31 de dezembro de 1999, ou seja, há dois dias atrás. Mas afinal quem não haveria de comentar?

Eu como sou um pouco avesso a comemorações, no dia 31 de dezembro, véspera de ano novo, enquanto todos se reuniam na areia da praia para comemorarem a entrada do novo ano, fiquei da janela do meu apartamento só observando o movimento que naquela noite estava realmente intenso.

Enquanto uns dançavam naquela areia, outros consumiam seus vícios, outros conversavam, sorriam, mas todos estavam com a mesma expectativa; ver a queima de fogos !

Eu não precisava estar naquela areia para ver tudo o que acontecia, da minha janela eu podia ver não só a praia, mas também o mundo, eu tinha uma visão privilegiada.

Era quase meia-noite quando vi uma senhora com vestias totalmente diferente daqueles que estavam ali, ela se destacava entre a multidão. Me parecia uma senhora distinta com um certo ar de nobreza.

O que realmente me chamou a atenção para aquela dama, foi que ela me pareceu nem um pouco entusiasmada com o alvoroço que estava ao seu redor, ao contrário, me pareceu que ela estava distante, andava descalça na fria areia enquanto carregava a sandália nas mãos.

Era estranho, ao mesmo tempo que ela me parecia desconcertada e até mesmo perdida, ela dava a impressão de saber claramente para onde estava seguindo, como se uma linha estivesse traçada a sua frente e era somente preciso que ela seguisse a tal linha.

Toda aquela gente não mais prendia minha atenção, nem mesmo o show que estava acontecendo, minha atenção era toda daquela dama, ela me deixava intrigado.

Por cima eu lhe dava uns 35 anos, mas podia ter menos se ter mais era impossível. De repente não sei como, eu a perdi no meio de tanta gente, em um simples piscar de olhos meu ela sumiu.

Por cerca de alguns minutos não pude acompanhar seus passos, mas foi só eu me virar cerca de 30cm pude vê-la, andava lentamente pela calçada, percebi que seus pés estavam molhados. Certamente no momento em que a perdi ela deve ter ido até a água do mar que devia estar muito fria.

Alguma coisa havia mudado nela, não sei dizer o que, mas ela estava diferente. Subitamente ela suspendeu o olhar e me viu na janela, pensei em lhe acenar, mas me contive, ela por sua vez olhou-me fixamente e deixou uma lágrima cair. Aquela lágrima me gelou o peito como se ela quisesse ter me dito algo.

Sumiu novamente agora por mais tempo, meus olhos a procuravam, mas inutilmente.Comecei a me desesperar de uma tal forma que não entendia. Começaram a soltar os fogos já era dia 1° de janeiro, o céu estava lindamente colorido.

No meio daquele barulho provocado pelas musicas e pelos estouros vi que algo se movia no alto do edifício que ficava a minha frente, parecia ser alguém que estava bem a beira de cair, um fogo tomou conta do meu coração, era a dama que eu acompanhava, mas o que ela fazia ali, o que pretendia?

De repente ela se jogou do 20º andar, como uma pluma ela flutuou no ar por alguns segundos, eu da janela gritava inutilmente, e toda aquela gente nem se quer percebia o que estava acontecendo. Eu queria pular também, mas era para salvá-la. Com lágrimas nos olhos vi aquele lindo vestido branco se transformar no mais puro tecido vermelho.

Pensei em descer para ir ao encontro daquele corpo que estranhamente parecia desfeito no piso, não tive coragem.

Lembrei-me do olhar dela para mim, será que esperava algum gesto da minha parte, será que eu podia ter evitado tudo aquilo?

Passei todo resto da noite olhando para aquela calçada, vi quando a ambulância chegou e cobriu o corpo, levando-o para algum lugar que não me caberia saber.

No dia seguinte saiu uma nota no jornal, “Em noite de comemoração mulher em ato desesperado se joga do alto do 20º andar de um edifício, deixa marido e familiares...mais um suicídio sem explicação”.

Pelas ruas estavam chamando aquela mulher de a Dama do Edifício, sim ela era realmente uma dama.

Agora penso será que ao me olhar ela esperava que eu lhe dissesse algo, talvez um único pedido fosse o suficiente para salvá-la, e eu não disse.

Roberta Krev
Enviado por Roberta Krev em 09/05/2010
Código do texto: T2246823
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