Temor

O frio incomum que fazia naquele dia, a obrigava a andar encolhida, sua blusa era bem quente, mas o vento frio entrava por entre o tecido e tocava sua pele sem piedade, parecia um amante sádico, pois causava certo prazer aquele toque ousado.

Estava escuro, eram 3 da manhã, a rua era considerada perigosa, mas desde que entrou para a aula de tiro, sabia que poderia andar armada sem grandes problemas e não hesitaria em se utilizar caso fosse necessário.

Apesar de estar inteiramente só naquela rua escura se sentiu observada. Estava cercada de prédios, talvez alguém olhasse da janela com o desdém típico dos observadores que ao se acostumarem à vista panorâmica, passassem a zombar dos transeuntes. Seria a ilusão de onisciência ver sem ser visto, um voyeurismo estimulante...

Sabia que se deixava levar por aqueles pensamentos idiotas pois se sentia sozinha, latejava de vontade de ser desejada, de desejar alguém, de esperar uma ligação, de fazer planos pro próximo fim de semana. A vida tinha lhe ensinado que não se podia contar mais com os outros, de amigos a amantes, e o sentido de ter, conquistar e até mesmo ser parecia vão. De nada importava se não tinha com quem dividir para multiplicar...

-Cuidado moça, fica andando sozinha assim nestas ruas escuras...

Teve um sobressalto, estaria tão imersa em pensamentos que sequer notou a aproximação daquele homem, e isso era imperdoável! Olhou para ele em riste, pronta para atacá-lo já que estava próximo demais, invadindo seu espaço sendo reles desconhecido. Ele não estava apenas perto, ele tinha aparência etérea, como se a solidez de sua roupa pudesse se desfazer em bruma a qualquer momento. Esfregou os olhos, e ele ainda estava lá...

-Não adianta- ele tinha um olhar tenro- vim apenas te dar um recado.

Ótimo, tudo o que precisava era de um mensageiro do alem em plena rua deserta as 3 da madrugada, agora estava certa da decadência de sua sanidade, procuraria um psiquiatra no dia seguinte!

-Você está apenas aprendendo... –nossa, que profundo! Pensou- Alcançar algo e não saber o que fazer com isso, se ver diante de algo que não saberia como utilizar é inútil. O seu momento vai chegar...

Desvaneceu no ar, como fumaça, e ficou atônica se sentindo uma doente mental grave, era uma alucinação das bravas! Ficou parada, com cara de idiota, depois resolveu encarar como se sua consciência tivesse de algum modo criado aquilo para passar uma lição importante.

Quando chegou em casa, na mais completa bruma, ouviu o telefone tocar, sentiu pavor de imaginar quem ligaria quase 4 da manhã para ela. Com grande temor atendeu:

-Alô...

Somente um chiado, o coração na boca, teria acontecido a algo a seus pais? Ou seu irmão? Gritava alô em desespero. A ligação caiu.

Sentou no sofá, pegou o controle remoto, mas a TV não ligava, tentou acender a luz, e nada, pegou algumas velas e acendeu na mesa da cozinha, foi comer um sanduíche. Teve a nítida sensação de não estar sozinha. Foi surpreendida com um vulto passando pelo corredor, pegou a arma na bolsa e sorrateiramente foi caminhando pela casa, foi em cada cômodo, armário, debaixo da cama, olhou tudo, conferiu todas as janelas, e nada. Ficou com arma no colo, olhando para algum ponto cego, sabia eu não dormiria até o dia clarear. Até que não demoraria muito para o dia raiar, mas a sensação opressora de ter alguém ali permanecia. Começou a se sentir dormente, parecia estar sendo envolvida por um peso nocivo, respirar se tornou difícil, como se o ar estivesse mais denso. Fechou os olhos por alguns instantes, mas se arrependeu, pois quando os abriu novamente estava em trevas totais, a luz que antes entrava pela janela já não existia, sabia que estava de olhos abertos apenas por tocar em si, pensava se a loucura a tomara nos braços naquela hora daquele modo absurdo. Mas foi surpreendida com a presença luminosa de algo que não poderia dar nome. Uma forma humana desbotada, mas muito luminosa ficou a seu lado, emanava um bondade inominável. Que a acalmou, tentou tocar a entidade, mas suas mãos passaram por dentro da imagem, começou a chorar em desespero. Logo se viu cercada por vários vultos acinzentados, que clareavam ao mesmo tempo em que escureciam, eram maldade pura, e aquilo a encheu de pavor, puro e genuíno. Já se perguntava se aquilo vivenciava em seu corpo físico ou fora.

Quando a entidade luminosa a envolveu, teve a sensação de ter uma face quente tocando a sua, e foi envolvida por um alento materno, sentia inclusive um perfume suave. Se apegou naquilo, e acreditou que a luz sempre vencia as trevas, e que mesmo que aqueles seres trevosos fossem em maior número, a luz em qualquer situação obrigava as trevas a se desfazerem. Fechou os olhos com força, e quando abriu estava novamente em sua cama, o sol em seus primeiros raios entrando pela janela, e devolvendo a esperança de poder realmente ver tudo o que a cercava.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 03/06/2010
Reeditado em 03/06/2010
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