O arrombador de túmulos

Sorrateiro, esgueirando-se pela escuridão, fugindo da luz. Não queria ser visto, mas precisava estar ali, espreitando. E lá estava ele novamente, escavando outro túmulo. O suspeito também estava apreensivo, olhava para todos os lados, a cada enxadada olhava, não queria ser surpreendido.

De um dia para ou outro começou a aparecer túmulos revirados, ossadas retiradas dos caixões. Nenhum respeito com os mortos. Amanhecia, podia ir ver, haveria mais uma cova desrespeitada. E, pior, por mais que se tentasse pegar o vilão em flagrante, não se conseguia, parecia incrível, alguém fazer tudo aquilo e não ser pego com a mão na botija.

Rita tinha seus pais enterrados ali, naquele cemitério. Vinha de quando em vez aos domingos fazer a limpeza e chorar de saudade, dia de finados era sagrado. Mesmo tendo passado anos, ainda trazia coroa de flores naturais, velas e por ali ficava por horas a fio, a rezar e chorar. Depois mais calma, ia-se embora, de alma lavada. Só que depois que soubera desse tremendo vandalismo, passou a ir visitar, todos os dias, ao jazigo de seus entes queridos. Egoisticamente, ficava aliviada quando tinha notícias que dessa vez não tinha sido a dos genitores.

Agora tanto o vigilante, o coveiro, quanto a administração do cemitério estavam alerta, já tinham comunicado à polícia que investigava o caso, mas não trouxera nenhuma solução, alegavam falta de um pista mais efetiva.

Toda manhã, além dos já citados, agora vinha também Rita, parecia que amanhecia lá dentro. A invasão aos túmulos tinha uma característica bem peculiar: sumia as peças íntimas dos cadáveres. Isso mesmo, cuecas e calcinhas. Foi-se notar isso lá pelo sétimo morto remexido. E, também, os deixavam de bruços. Muito estranho.

Márcio tinha um irmão enterrado ali, seu jazigo tinha sido aberto, o corpo deixado de bruços e, sem cueca. Não dava para acreditar. O cadáver enterrado há mais de cinco anos, e roubarem a cueca dele, inacreditável.

Quem tinha descoberto que roubavam as roupas íntimas, tinha sido Rita, que, não se sabe o porquê, foi revirar o esqueleto de uma morta e notou que a mesma tinha sido enterrada sem calcinha. Intrigada, investigou quem era e descobriu que se tratava de pessoa de posses, abastada, que deixara grande herança aos seus, não podia ter sido levada para o caixão, tão descomposta.

No outro dia, fez questão de verificar se o morto, agora era homem, estava de cueca. – Meu Deus! Exclamou, outro sem compostura! Agora obstinada, foi cedo tomar de conta da próxima vítima, era um rapazote, enterrado há dois anos. Batata, também estava sem cueca.

Apesar de constrangida, procurou os familiares dos três e estupefatos afirmaram que no dia do velório tinham sido colocadas as peças de roupas que agora faltavam. Rita e os parentes comunicaram aos responsáveis pela investigação e também aos administradores do cemitério. Rita não sossegou, agora estava ficando psíquica, nem dormia direito.

Márcio estava indignado com o aviltamento do túmulo de seu irmão. Era preciso fazer algo. Também com insônia, pensativo, numa noite bem fria, deu-se conta que todos os jazidos arrombados, eram de defuntos que tinha a primeira letra de seu nome começada pela letra ‘C’, todos.

Não esperou nem amanhecer direito, sabendo que encontraria Rita por lá bem antes que todos, também ele foi esperá-la, chegando ao portão, ainda estava escuro, sentiu arrepios, pois nunca tinha ido a um cemitério sem ser dia claro.

Observou que lá dentro havia um vulto, ficou em estado vigilante, adrenalina a mil, sem pensar pulou o portão. Por precaução começou a andar esgueirando-se pela escuridão, fugindo da luz. Não queria ser visto, mas precisava estar ali, espreitando. E lá estava ele novamente, escavando outro túmulo. O criminoso, também estava apreensivo, olhava apreensivo para todos os lados, a cada enxadada olhava, parecia não queria ser surpreendido.

Márcio pensou em ligar para a polícia, mas lembrou-se que Rita estava tão empenhada, decidiu ligar para ela, com certeza estaria ali bem próxima do cemitério para conferir o túmulo de seus pais. Já perto do fraudador de túmulos, pegou o celular e ligou, qual não foi o seu espanto, o tinido do aparelho soou do bolso da capa que o bandido usava. Márcio ficou sem ação.

Depois de presa Rita confessou que quando era criança um antigo coveiro daquele mesmo cemitério a fazia morrer de medo correndo atrás das crianças dizendo que todas as que tinham a letra ‘C’ primeira do nome, seriam enterradas sem Calça ou Cueca. Perguntada por que deixava os mortos de bruços – respondeu que nas noites de medo era assim que ela fazia para poder dormir, sem ter que ficar olhando a escuridão. Os investigadores abriram os túmulos dos pais de Rita, estavam virados de barriga para baixo e vestidos com todas as peças roubadas.