Redenção, Caminho para o Paraíso (capítulo 3)

Erakel estava ainda muito confuso quando deixou a compania de Magnus. As notícias que o amigo haviam lhe dado mexeram muito com ele. Amanda foi morta por alguém que buscava vingança, mas essa vingança não se resumia apenas a ele. Mas contra quem deveria ser essa vingança, e por que? E por que ele estava envolvido nela?

Já estava andando fazia um certo tempo, até que percebeu que estava próximo ao Largo do Tamandaré, uma bela praça da cidade que sempre era deserta a essas horas da noite. Estava se sentindo preso, sufocado. Não conseguia pensar com liberdade dessa forma, precisa arrumar uma maneira de sentir livre, solto. Certificou-se de que não havia ninguém nas proximidades e abriu seu par de asas. Se havia um lugar onde podia se sentir livre era lá em cima, bem alto no céu. As asas de Erakel permaneciam perfeitas, mas já não tinham a majestade de outrora. Antes elas eram de um branco brilhante, quase ofuscante, de penas perfeitas. Agora, suas penas não tinham brilho, era como se estivessem encardidas. Havia enormes manchas de sangue, que condenavam seu pecado como assassino, como violador dos mandamentos da lei de Deus.

Voava livre no céu, como um pássaro, como o anjo que costumava ser. Dava giros, rodopios, manobras. Mantinha-se oculto graças a uma habilidade que havia aprendido tempos atrás. Permitiu-se voar sem preocupações, deixando sua mente livre para pensar em seus problemas, procurar respostas.

Em certas ocasiões, não conseguia manter o equilíbrio de seus pensamentos, deixando-os conflitantes, que o deixavam à beira da loucura, no entanto, isso não acontecia quando estava voando. Sentia-se livre novamente, e este ra um dos poucos prazeres que não lhe foram tirados desde a sua queda na terra. Teve momentos em que se arrependia profundamente do dia em que havia pecado, mas, sempre que olhava nos olhos de Amanda, via esse arrependimento desaparecer, como se nunca tivesse existido. Ela era, após a sua queda, o seu motivo de viver, de continuar. Agora, tinha uma eternidade sem ela. Não tinha esperanças de alcançar a redenção, nem mesmo sabia se era possível. Em seus anos na Cidade de Prata, jamais havia visto um anjo que tivesse sido perdoado, que tivesse retornado após a queda.

Mas a lenda existia, e havia feito uma promessa.

Podia falar a língua dos homens e a língua dos anjos, mas mesmo assim, sentia-se incompleto. Até que conheceu o amor. Não o amor por Deus, mas o amor carnal, sufocante, que era capaz de romper a barreira que separa um anjo de uma mortal. Havia amado da forma mais pura e bonita que podia, mas isso havia lhe custado o paraíso. Por que seu criador o havia punido de forma tão severa? Aquele mortal era um demonologista, um escravo dos demônios, estava condenado ao inferno de qualquer forma. Não conseguia acreditar que tirar-lhe a vida fosse um crime tão grave.

Mas talvez não fosse apenas isso. Depois que caiu, se deixou levar pela luxúria, pela ira, pela gula, pela vaidade. Havia pecado, e não havia como negar isso. Estaria feliz com seus pecados, se pelo menos ainda tivesse sua amada, ou que pelo menos soubesse que sua alma estava em paz no céu. Mas até mesmo isso lhe foi tirado. Até mesmo o sagrado direito de saber que sua amada estava feliz no céu. Ela era agora escrava de um demônio da qual nem mesmo fazia idéia de quem era.

Quando deu conta de si novamente, Erakel já não estava mais voando. Estava de pé em uma enorme torre, que servia para transmitir sinal de telefonia celular. Já era mais de quatro da manhã, e sentia um enorme vazio no coração.

Olhou para a cidade lá em baixo, onde moravam os humanos. Eles foram criados a imagem e semelhança de Deus, e nem se davam conta do tamanho do amor que seu Pai tinha com eles. Nem mesmo os anjos, que Lhe eram fiéis em toda e qualquer ocasião, tinham os mesmos privilégios que eles tinham, privilégios que ele passara a experimentar após ter caído.

Agora, sentia-se como alguns deles se sentiam, como um cordeiro que se perdera de seu pastor. Como uma criança longe dos pais. Abandonado à própria sorte. Sentiu as lágrimas descerem pelo seu rosto. Pensava que já não fosse mais capaz de tal feito, mas estava errado. Estava chorando novamente.

Fechou suas asas em torno de si, como se estivesse se abraçando com elas, e permaneceu assim por alguns minutos. Repentinamente, as abriu de forma violenta, como se quisesse alcançar os céus com ela.

_Pai, por que me condenaste a tal martírio? Por que me baniu da Sua compania? Será que não tem compaixão de mim? _ gritou, com toda a força de seus pulmões, como se quisesse que o grito atravessasse tempo e espaço e chegasse até os ouvidos de seu criador.

Escutou o eco de grito, e depois nada além de um silêncio enlouquecedor.

Estava abandonado, deixado à própria sorte, com mais dúvidas do que respostas.

***

Magnus viu seu amigo partir. Sabia que havia falhado com seu companheiro que tantas vezes antes o havia ajudado. Sabia que não suportaria a dor de ser banido do céu se não fosse por Erakel, e, agora que via que seu amigo, talvez seu único amigo na terra, precisava de ajuda, sentia que tinha falhado com ele.

Olhou ao seu redor, certificou-se que não havia ninguém. Sentou-se em um dos bancos da cidade, pegou seu terço e começou a rezar. Apenas de segurar o terço, sentia seus dedos se queimarem levemente. Quando começou a rezar, sentia como se as palavras queimassem ao sair de sua boca. Cada palavra era como uma bomba em seus ouvidos. Mas não podia fracassar, pois sabia que seu amigo precisava de toda a ajuda possível. Erakel o havia ajudado a suportar a dor de ser banido da Cidade de Prata e de perder Isabela. Agora, precisava ajudar o amigo a tomar uma decisão, uma decisão certa. Não podia falhar.

Permaneceu ali, sentado, rezando, por horas. Suas mão tinham enormes marcas de queimaduras, e o cheiro de enxofre, que até então era leve, estava começando a ficar forte. Levantou-se, guardou seu terço no bolso, olhou para as mão feridas, e depois para o céu.

_Pai, não abandona seu filho agora. Ele é um cordeiro perdido que está buscando o caminho de volta para casa. Ajuda a encontrar o caminho que ele merece seguir, seja ele qual for _ disse, olhando para o céu, com plena certeza de que suas preces foram ouvidas.

Começou a caminhar. Já eram mais de quatro da manhã. Sentiu uma brisa quente passar, e, nesse momento, teve a prova que tanto desejava de que suas preces foram ouvidas. Não havia falhado com o amigo, ele não estava mais sozinho. Agora podia cumprir sua missão em paz.

***

Erakel começou a entrar em desespero. Dizer aquelas palavras lhe haviam marcado, machucado. Desde que havia caído, já não era mais uma criatura divina, era considerado um demônio. Falar em seu criador, pensar nele, era algo que causava incômodo, dores. Agora sabia como os seres do inferno se sentiam.

Quando já estava pronto para ir embora, acreditando que Deus o abandonara para sempre, sentiu uma brisa suave, quente, passar por ele. Havia se lembrado que Deus se comunicava de várias formas, e muitas delas apenas por sinais. Mas ele havia aprendido a identificar os sinais divinos. Sabia que seu criador não o havia abandonado. Teve suas esperanças recuperadas, e já estava pronto para a batalha. Não mais lutaria por vingança, nem por si mesmo. Lutaria para salvar a alma de Amanda, pelo seu Pai, e pela cidade que jurou proteger.

Alçou vôo novamente. Agora, precisava se preparar para a caçada ao demônio, mas não envolveria Magnus. Sabia como era difícil para o amigo. Mas precisava de informações, e só havia uma pessoa na cidade que poderia ajuda-lo agora. Em nome de Amanda e de seu criador, se aliaria até mesmo a um demônio. Se precisava de informações, não podia pensar em ninguém melhor a quem recorrer. Iria atrás de Marcos. Já haviam lutado juntos. Mesmo que não o considerasse como amigo, sabia que o vampiro jamais perderia a chance de ter favores a cobrar de um anjo.

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 19/09/2006
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