O Mistério do Guarda Chuva.


Era um mês de novembro quente, o pai enrolava uma das pernas de cadeira em jornal , de forma que coubesse em uma capa de guarda-chuva, eu nada entendia principalmente o fato de papai andar sempre com um guarda-chuva em sua pasta 007 e outro na mão.


Naquela noite já passava das nove horas quando papai chegou, jogou seu guarda-chuva em cima do armário e com seu comjunto safári marrom completamente amassado e suado, virou-se para mamãe e disse gaguejando, (mas valente) que se acalmasse que em pouco tempo estaria de volta. Mamãe começou a chorar assim que ouviu a sirene da baratinha em nossa porta e logo dois PMs saíram e meu pai foi ao encontro deles, apertaram as mãos, meu pai disse algo quando foram algemá-lo, não podia ouvir, mas vi que sorriam. Papai entrou e seguiram para a delegacia.


Mamãe correu e acendeu uma vela para o anjo da guarda dele e outra para o de minha irmã que até aquela hora não havia chegado. Minha irmã era branquinha, sardenta, de longos cabelos lisos e por onde andava chamava atenção, ao contrário de nós duas menores, duas molecas desengonçadas e morenas de cabelos encaracolados, realmente desenxabidas.



Eu já estava deitada quando meu pai chegou com minha irmã, não houve brigas, mas ouvia meu pai chorar, minha mãe e minha irmã choravam e consequentemente eu chorei enquanto meu pai contava que havia dado uma tremenda surra no namorado de minha irmã , por isso os policiais vieram buscá-lo. Naquela noite não dormi, ficava pensando sobre os dois guarda-chuvas que papai sempre carregava. Todos estavam calados e sisudos .



Não imaginei o que poderia ser pior, mas na sexta-feira seguinte mamãe resolveu que deveríamos ir todos à um centro espirita onde todos cantavam e fumavam, parecia ser uma festa, mais eu e meu pai não conseguíamos escapar dos sustos toda vez que baixava um espirito. Mamãe voltou feliz pra casa naquela noite, veio durante todo o caminho que fizemos a pé, falando sobre o suposto encosto que estava em nossa casa, e jurando que tudo iria melhorar. Mas que nada! Assim que abrimos a porta vimos minha irmã deitada no sofá, que ficava no pequeno comodo que era sala e cozinha, tinha também um copo sobre a pia com um liquido branco e alguns frascos de remédio, num deles estava escrito em letras grandes NEOCID, também havia água sanitária e acetona, a boca de minha irmã estava ressecada deste m esmo liquido.


Minha mãe sacudia desesperada minha irmã e meu pai disse que ia buscar leite para ela e saiu desesperado no rua escura, eu não entendia nada, apenas chorava abraçada a minha irmã do meio,

mas de repente minha irmã até então desacordada deu um pulo e ficou de pé e eu a odiei naquele momento, não entendia muito mas sabia que esteve mentindo todo o tempo, fazendo meu pai chorar e minha mãe ficar tão triste. Ela pegou uma mala e e subiu na garupa de uma moto deixando outra vez a tristeza em nossa casa.


Papai voltou e naquele momento pensei que ele fosse beber aquele liquido e corri o mais que eu podia e joguei na privada o liquido branco do copo, mas papai apenas sentou-se e chorou, chorou mais do que o meu irmãozinho, abracei-me ao meu pai e sem saber dizer nada, apenas abraçava .


Eu odiava minha irmã por tudo aquilo, por fazer meu pai chorar, minha mãe chorar e brigar com meu pai.


No dia de Natal papai passou mal enquanto mamãe fritava pastéis. Eram tantos jatos vermelhos que espalhavam pelo pequeno quarto que corri e chamei mamãe que veio correndo e disse que sabia que a maçã do amor tinha feito mal à ele. Essa frase foi um bálsamo para o meu coração , eu jurava que era sangue.


Um ano e meio depois lembro-me de minha irmã chegando em casa, quase sem poder andar, com muitas mordidas pelo corpo,a boca machucada, com seus cabelos muito sujos e sem poder pentear.

Papai continuava chorando e esta foi a última vez que eu vi os policiais na minha casa, mamãe chorava mais do que meu pai agora, todas as vezes que ela fazia curativo na minha irmã nos mandava brincar no quintal, eu me sentava perto da janela e ouvia as duas falarem sobre “estupro”, mas não sabia o que era. Quando descobri quis perguntar porque ela não havia bebido aquele líquido? Era tarde pra perguntas, nem papai e nem mamãe choravam mais. Apenas eu chorava e me perguntava sobre o guarda chuva..até hoje não sei o que aconteceu com o guarda-chuva que desapareceu misteriosamente  e nunca mais meu pai andou com ele.


Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 10/01/2011
Reeditado em 20/02/2011
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