O PREGADOR

Amados irmãos, apascentai-vos!!! Acalmai os vossos ânimos!!! Ainda não é chegada a hora, mas, porém, contudo, todavia, ATENTAAAAI BEM!!! Este poderá ser o último século de nossas vidas. Irmãos, irmãos, irmãos, do alto deste rochedo contemplo-os e a visão de que aqui disponho não é alvissareira. Vejo nuvens negras, e não são poucas, flutuando sobre vossas cabeças e não são, repito, nuvem de muriçocas. A bem da verdade, meu rebanho está entremeado de ovelhas negras camufladas em lãs brancas, mas ATENTAAAI BEM irmãos, não me enganam... (uma peneirada na garganta) Amados irmãos, me debruçarei neste pouco tempo que me resta, sobre a bem-aventurança. Falarei àqueles corações petrificados, encouraçados, que se negam a conflitar consigo mesmo (resmungando pra dentro: que sacada genial). Porém, cá estou, para esmerilhá-los, reduzí-los a sua própria insignificância e fazê-los dignos do transcendental do qual até eu mesmo tenho minhas improrrogáveis dúvidas oblíquas ancestrais. Amados irmãos, silenciai-vos.

Uma pausa se faz sentir e o pregador afasta os pés, finca-os bem no chão, estabiliza-se e:

- Bem-aventurado aquele que pensa que sebo de tripa é gordura; bem-aventurado aquele que pensa que babado é bico; bem-aventurado aquele que pensa que bolsa-família é barriga de mulher prenha; bem-aventurado aquele que pensa que zé é cazuza; bem-aventurado aquele que pensa que carolina de sá leitão é caçarola de assar leitão; bem-aventurado aquele que pensa que cachaça é água; bem-aventurado aquele que pensa que o céu é perto; bem-aventurado aquele que pensa que bosta de cabra é píula do mato; bem-aventurado aquele que pensa que morrer pela boca e coisa de peixe esgalamido, ATENTAAAI BEM, irmãos, estes terão consolo pela sua simplicidade. Terão a felicidade de ver o mundo se acabar, tendo o céu como uma tela panorâmica, onde toda a natureza será exposta em cores, numa degradação lenta, e para gáudio daqueles que tiverem a graça de testemunharem tal prodígio, com certeza não terão o privilégio de ver o THE END, pois... Uma pausa, chamando o assessor, ao pé do ouvido:

- Finaliza com um cântico, preciso ir. Hoje é sexta-feira e ainda tenho que fazer a mega-sena...