Relato de uma suicida

Me sinto morrer aos poucos, como se de meus pulsos recém cortados todos os meus pensamentos se esvaissem, minha mente conturbada de ideias silenciando aos poucos como em uma meditação forçada.

Horário: 6:00 hrs A.M.;

Dia: 30 de março

Ano: 2009

Profissão: Estudante desocupada, desinteressada, escritora frustrada.

Nível: Graduação

O dia amanheceu cinzento nas cidades gêmeas, separadas por uma linha de trem em lado A, o lado paranaense e lado B, lado catarinense, eu como todo bom catarina sou lado B, mas isso não é parte relevante da história.

Acordei assustada, o mesmo pesadelo volta a me assombrar, o mesmo corredor, eu a caminhar, portas e mais portas dos lados direito e esquerdo, uma escada com o assoalho gasto, o primeiro, o segundo, o terceiro degrau e de repente você acorda, coração saltando pela boca, respiração difícil, testa molhada, cabelos grudando...

O CORREDOR DA MORTE...

(Não, caro leitor, não antecipe os fatos, eu quem estou a contar a história.)

O corredor da minha faculdade, o corredor mais temido dentre todas as monstruosidades registradas dentro da minha mente, isso era o que o sexto sentido me dizia, mas eu, de fato, não entendia qual era o temor que tal sonho me causava.

Como todos os dias, acordei antes do despertador me dizer seu sonoro 'BOM DIA!' com aquele som matinal irritante, som de 'acorde seu pivete ou entrarei em sua mente e a dominarei'. Levantei apressada, coloquei roupa qualquer em cima do pijama mesmo já que estava frio, calcei meu all star caprichosamente sujo, dominei os fios espetados do meu cabelo, escovei os dentes e saí correndo, esquecendo do molho de chaves no balcão, na pressa de não perder o transporte.

Cheguei no terminal ofegante e as pessoas estavam me olhando como se eu fosse um serial killer saído diretamente de um filme de terror famoso, não me importei, na verdade me recordei de não ter passado uma água no rosto, talvez humanos com seus olhos biônicos conseguissem reconhecer pessoas que não lavam o rosto de manhã.

O ônibus chegou e logo eu estava a percorrer o mesmo trajeto de todos os dias, exceto dos que eu fingia uma dor de estômago crônica para a minha mãe para que pudesse dormir um pouco mais em minha cama aconchegante. Chegando na faculdade, cumprimentei meus amigos e amigas com nossa saudação particular, dois leves toques de mãos com a palma e as costas da mão, entrei na sala de aula.

Um dia perfeito, até aquele momento. Até meu celular começar a dar sinais de vida e eu perceber, como era de flip, eu abri e olhei quem estava ligando, era da minha casa, o som parecia tão desesperado e urgente que meu coração começou a vibrar descompassadamente. Levantei apressada e andei rumo à porta, no caminho atendi o celular.

Engraçado como a nossa mente recorda com riqueza de detalhes os momentos de dor e alegria vividos. É engraçado como o buraco feito sem anestesia jamais se fecha, jamais silencia sua dor, jamais te permite ser feliz.

Você acorda com o seu mundo seguindo em sintonia e vai dormir com ele todo destruido, restando apenas fumaça e caos de um incêndio criminoso.

Horas mais tarde eu estava a enterrar meu professor, meu amigo, meu alicerce, meu carrasco, meu protetor, meu pai. Palavras já não há, não sei o devo descrever neste trecho, se as lágrimas silenciosas que caíam dos olhos da minha mãe, escorrendo por suas faces e indo de encontro com o seu jeans azul gasto; não sei se devo descrever meus irmãos chorando abraçados, tentando assim diminuir o tamanho de sua dor e indignação ou se o meu silencio resultante do embotamento de emoções que o choque me causou. Aqueles minutos olhando para o rosto frio e imóvel do meu pai foram os mais dolorosos e penantes de toda a minha vida. Depois daquele telefonema minha vida não seria mais a mesma, nunca mais.

Algum tempo depois a ferida continuou a aumentar, a dor continuou a sufocar, porém a intensidade e força destas ganharam proporções inatingíveis, meus olhos passaram a estar sempre turvos de lágrimas, eu não mais comia, eu não mais sorria, eu não mais vivia, eu não mais me importava, eu só pensava na dor, na ausência, na minha incapacidade de caminhar pela vida sem apoio e finalmente na temida e esperada morte.

Um médico esperto diagnosticou depressão e então eu passei a tomar Fluoxetina, o vulgo Prozac, porém seu efeito benéfico demora a surgir, umas 6 semanas presumo eu, e como meu estado piorava eu juntei medicamentos diversos e decidi que de uma maneira ou de outra eu me encontraria uma vez mais com o meu pai.

Suicídio, é como termina uma certa parcela da população que sofre de depressão, não foi o meu caso, ainda não consegui decidir se fico feliz ou triste por isso, minha mãe me encontrou e eu fiquei internada por alguns dias até estar totalmente desintoxicada.

Os dias, meses, anos passaram e o buraco no meu peito não cicatrizou, não tentei mais o suicídio, tive momentos felizes, mas os tristes se sobressaem e meus olhos voltam a turvar e eu volto a soluçar, espero pela morte, mas não com tanta pressa, apenas espero e confio que algum dia, ela realmente vai me tomar como parte dela e ambas partiremos e ambas sumiremos no meio da turbidez de sua aparição.

E o corredor de meus pesadelos? Foi apenas o palco da pior notícia da minha vida, a morte de meu progenitor.