Andrezza Iriri (Romance, Cap. V)

No trecho de rua não muito movimentado, Juvenal começava a procurar o colégio em frente ao qual o encontro fora marcado. Duas e meia da tarde. Apenas um porteiro e talvez dois zeladores conversavam em frente ao portão da escola. Aparentemente não deram muita atenção ao carro prata que estacionara com duas rodas sobre a calçada, sob uma árvore fina e nada frondosa. Não fazia muito calor. Juvenal decidiu esperar dentro do carro. Quando saía da escola, ia correndo pegar o bonde. Agora as crianças vão pro ponto do ônibus. Mas parece que a maioria entra mesmo é nos carros de seus pais. Hoje todo mundo tem carro. Ainda não era a hora da saída. O que significaria um tumulto no trânsito naquele trecho de rua, apesar de não muito movimentada, com o grande número de carros chegando para pegar os alunos. Ainda bem que tinham marcado mais cedo.

Do ponto em que estava, Juvenal pôde notar que o mesmo tipo de árvore se estendia ao longo da estreita calçada, por uns 50 metros até a esquina onde viu surgir Andrezza. Achou engraçado lembrar-se do nome dela no mesmo instante em que a viu. O que ficara na sua lembrança tinham sido aquelas grossas coxas que se impunham inapelavelmente aos olhares de homens e até mulheres que passassem por ela, face à cumplicidade da saia, mantida, como agora, bem acima dos joelhos. Juvenal podia adivinhar a bela visão, apesar da distância que ainda os separavam, o que lhe dera tempo de se lembrar do nome dela. Era possível que ela tivesse guardado o dele.

-Oi, como vai? Demorei muito?

-Não, não. Cheguei há uns cinco minutos. Tudo bem com você, Andrezza?, perguntou Juvenal, fechando a porta do carro após ela ter entrado.

-Tudo. Como vão as coisas? Muito trabalho?

Juvenal se comprazia em observar que a graciosidade do sorriso tornava o rosto mais belo. Para o que também concorria o efeito das sobrancelhas espessas, certamente mantidas afastadas pela ação eventual de uma lâmina ou de um tipo de depilação qualquer. Detalhes a que não se pudera deter no primeiro dia em que a vira, diante da exposição daquelas pernas bonitas e grossas. Como acontecia agora, que ela se achava sentada em seu carro.

-Não muito. Tenho tido alguma disponibilidade. Acho que não querem muita coisa comigo.

-Que bom. Eu ralo à bessa. Todo dia tenho que vir ao escritório de meu irmão. A duas quadras de onde nos encontramos. Nem sempre posso sair mais cedo, como hoje. Você trabalha aqui por perto?

-Não, trabalho na cidade.

-Então levou um tempo até aqui.

-Não, hoje não trabalhei, disse Juvenal, notando algo de familiar no tom de voz de Andrezza. Não tinha nada a ver com a voz de Izamara, ou de sua irmã Iara, praticamente de mesmo timbre. As únicas vozes femininas que tinha lembrança de ter escutado ultimamente.

-Puxa, maneiro, héin! Isso não é pra qualquer um, não, disse Andrezza, abusando do sorriso, talvez por saber que ele a tornava mais bela. Tenho que ralar todo dia. Ajudar meu irmão a vender uns uniformes especiais. Trabalha com vendas também?

-Trabalho na Prefeitura. Fiscalização de posturas municipais, respondeu Juvenal, deixando de lado a natureza da voz que ouvia para se preocupar com uma alternativa para o trajeto utilizado no primeiro dia para levá-la até em casa. Sabia que havia um caminho onde encontraria um ou dois motéis.

-O que é isso, posturas municipais?

-De um modo geral são normas que dizem como as pessoas devem proceder quando em vias públicas ou em situações em que ações e participações de outras pessoas possam estar envolvidas.

-Desculpe-me, mas acho que fiquei mais ou menos na mesma.

O tom de voz meio gutural. Era isso. Mas não se lembrava de onde pudesse tê-lo ouvido. O que não faria a menor diferença, agora que tinha a certeza de que se encontravam a uns dez minutos do Some Fun Motel.

-Fiscalização do funcionamento de bancas de jornais, de ruídos, de mesas e cadeiras em calçadas, de feiras livres, de vendedores ambulantes, e por aí vai...

-É um trabalho que pode trazer alguns problemas de vez em quando. Olho vivo, héin!

-É verdade. Mas a gente acaba se habituando, respondeu Juvenal, diminuindo a marcha ao se aproximarem do motel. Posso entrar?, perguntou em seguida, procurando mostrar-se desinibido.

-Você já está aqui, não é?, respondeu Andrezza com um leve sorriso.

O carro na garagem. Juvenal acionando a alavanca para fechar a porta metálica. Andrezza, que ficara com a chave do quarto, abrindo com desenvoltura a porta que dava para a garagem, apesar da pouca luminosidade, depois de fechada a porta metálica.

-Você toma alguma coisa?, perguntou Juvenal, observando que ela deitara-se vestida na cama, tendo-se livrado apenas das sandálias.

-Bebo o que você pedir.

Depois que voltou da saleta onde estava o frigobar, com uma lata de cerveja e dois copos, Juvenal deteve-se um pouco no vão da porta para observar a mulher deitada sobre a cama. A saia curta revelando com mais pormenores as coxas grossas e carnudas. A ereção custando ainda a vir. Mas havia toda a ambiência para ela acontecer. E ela aconteceria. Não fosse aquele momento marcado por uma animação invulgar. Evidentemente que teria sido muito diferente se ele tivesse 35 anos. Mas ainda assim seria maravilhoso. Ainda dava tempo.

Beberam um pouco da cerveja. Ele deitou-se ao lado dela. Ficaram se olhando sem dizer palavra. O beijo aconteceu naturalmente. Dessa vez sem surpresas para ela. E, claro, as grossas coxas foram logo o objeto da mão esquerda dele. Que ora as apertava, ora as acariciava. Sem o menor açodamento. A ereção chegando também devagar. A boca macia que no primeiro dia pronunciara Andrezza naquele som diferente. As sobrancelhas espessas e o sorriso quase infantil. A mão esquerda ameaçando puxar a calcinha. Esquecendo logo da calcinha para acariciar o que ela continha: a vulva gorda e macia, tal como as coxas entre as quais se encontrava.

Ao longo dos beijos cada vez mais molhados e do movimento dos dedos, que se alternavam entre a vagina de Andrezza e suas coxas, veio finalmente a ereção. O que levou Juvenal a se livrar das roupas, jogando-as no chão, permitindo que ela fizesse o mesmo com a saia curta que vestia. Teve tempo de notar na calcinha, o que achou engraçado, o escudo do clube pelo qual torcia muito mais quando criança. Andrezza deitara-se, mantendo, além da calcinha, a blusa branca de alças.

-Torce por ele também?, perguntou Juvenal, procurando conter-se para não retirar logo de cena o escudo amigo.

-Torço... e muito.

Juvenal afastou-se então devagar e, levando mais um minuto na contemplação daquele corpo farto e bem proporcionado, retirou a calcinha de Andrezza, detendo-se obviamente na região da sua vagina. O leve sombreamento interno na área próxima ao ponto de encontro das coxas, certamente decorrente da fricção entre aquelas roliças massas de carne, não o impediria de levar a boca ao órgão genital de Andrezza. Para chupá-la, antes de comê-la. Pelo contrário, só fazia com que lhe aumentasse o interesse por aquele mundo cujo mistério sugerido pela tonalidade meio escurecida só podia ser glorificante. Não levou muito tempo a tentativa dela de se proteger, contraindo as pernas, talvez porque na verdade quisesse sugerir que a língua dele viesse logo percorrer-lhe com avidez os lábios vaginais já umedecidos. Era o que Juvenal pensava, enquanto esmerava-se em lhe chupar a buceta com a maior maestria que jamais tivesse tido em toda a sua vida. Para, um bom tempo depois, acomodar-se entre as pernas dela e lhe penetrar vagarosamente, aproveitando-se do espaço que aos poucos ela lhe oferecia, ao abrir-se comedidamente, para que ele tivesse mais conforto. Demoraria o tempo que fosse possível para gozar. Não só porque soubesse que provavelmente não o conseguiria novamente depois, mas também porque era muito mais delicioso demorar-se indefinidamente. Dane-se a camisinha. O rosto diante dele só lhe inspirava confiança. E mesmo que isso não lhe ocorresse, a cabeça do pau era a que realmente (ainda) pensava, como refletiu depois.

Ainda sem se retirar inteiramente dela, mas já temendo a diminuição do contacto com aquela boca macia e aveludada que lhe retinha o pênis, Juvenal forçou-a a tirar a blusa de seda que ainda vestia. Queria senti-la completamente nua. Já que para vê-la seria preciso que saísse de cima de seu corpo. O que só faria depois que gozasse. Isto felizmente só aconteceria muito tempo depois. Queria comprovar a maciez de sua pele. Ao longo de todo o corpo, e não apenas em relação às coxas, o que já era de seu conhecimento. As ancas durinhas, embora não tão salientes, revestidas pela pele lisa e macia, como os braços que ele acariciava agora sem parar. Antes de se precipitar na direção de seu seio direito, tão logo a viu sem a blusa de alças. Não viu que ela, talvez na tentativa de se excitar ainda mais, dedilhava o outro seio. O de bico ligeiramente amassado.

Naquela tarde de quinta-feira, Efigênio saiu mais cedo do escritório. Anelice esperava-o no ponto do ônibus para Portobelo, próximo ao bar em que haviam se conhecido. Ela nunca ia ao escritório dele. Poderia trazer-lhe problemas, se encontrasse com algum de seus filhos. Efigênio não insistia. Interpretava o fato como uma indicação de boa índole. Do que vinha tendo confirmação ao longo desses seis meses de relacionamento.

Anelice comportava-se de modo irretocável. Não havia quaisquer cobranças quanto ao fato de ele ser casado, embora tal circunstância não tivesse escapado à percepção dela. Mas fora a única. Não houve depois maiores interesses quanto à vida profissional ou mesmo conjugal do namorado. Não havia perguntas, embora pudesse haver comentários sobre determinados assuntos, desde que o tema fosse provocado por ele. A princípio Efigênio pensou que houvesse outro homem na vida de Anelice. O que ele consideraria normal. Afinal, ele não tinha Iara? Mas depois, a constância com que se encontravam, sempre durante a semana, e a presença cada vez maior dele na vida dela fizeram com que Efigênio fosse se distanciando dessa impressão. A ponto de ter decidido ajudar no aluguel de uma nova casa para Anelice.

Fora idéia dele. “Essa casa tá muito pequena pra você e Angélica. Tem um quarto só. Além do mais, sua mãe vira e mexe tá por aqui. São necessários pelo menos dois bons quartos”. Onde, num deles, eventualmente ele poderia ficar. Mesmo que fosse durante algumas horas num dos dias de semana. Efigênio não temia a montagem de algum tipo de estrutura para o futuro. Na verdade poderia ter adquirido a casa que estava alugando. Fazia parte do conjunto habitacional, de padrão acima do médio, construído pela empresa em que trabalhava. Mas não era aconselhável apostar todas as fichas logo no início do jogo.

Iriam levar a mãe de Anelice à nova casa da filha, também em Portobelo, porém mais próxima de Vila Vazia, onde residia D. Tita, irmã de D. Mocinha.

-Você não se incomoda de dar uma passada pela casa da tia Tita primeiro, não é?

-Claro que não, querida. Pegamos logo sua mãe e depois vamos até lá. Afinal estaremos perto da nova casa.

-Mamãe quer dar um apoio à irmã. Parece que minha prima anda fazendo besteira.

-Mas ela já não é tão novinha, não é isso?

-Um ano mais velha que eu. Mas isso não a impede de fazer merda, desculpe-me, Efigênio.

-Alguma coisa mais séria?

-Tá andando com quem não deve, respondeu Anelice, antes de abrir a porta do carro para sua mãe, que esperava no portão, quando estacionaram na ruazinha de terra.

-Como vai, D. Mocinha? Vamos dar um passeio?

-Vou bem, Efigênio. E você? Muito trabalho?

-Efigênio tem sempre mais tempo livre que a gente, mãe, respondeu Anelice.

-Que você, minha filha, porque eu já não trabalho, ponderou D. Mocinha. Quero agradecer por ter vindo me buscar.

-A senhora precisa saber onde sua filha vai morar, disse Efigênio, tomando a direção da casa de D. Tita.

Vila Vazia era um lugar onde as casas praticamente não tinham mais que um pavimento. Em geral rústicas, apesar de quase todas de alvenaria, as habitações distribuíam-se em espaços ainda não inteiramente ocupados. O verde era portanto a coloração de fundo do cenário, em contraste com o concreto e o aço que marcavam as torres enfileiradas pela orla da zona sul da cidade.

Efigênio achou curiosa a construção em frente da qual estacionara. Era um retângulo comprido que se iniciava, a partir da fachada, com pouco mais que quatro metros, estendendo-se talvez por sete. Deviam estar dispostos, em seqüência, o quarto, a sala e talvez um corredor interno, comunicando os dois ambientes com o banheiro e a cozinha. Isto se o banheiro não estivesse no quintal, o que seria a “casinha” de antigamente. Estava claro que não tinha havido uma preocupação mais elaborada com a distribuição dos cômodos pelo espaço subtraído à área do terreno. Que, tendo 9m x 15m, conforme verificou depois, se tornava um imóvel com um pequeno percentual de área construída.

Uma velha cerca de madeira, em alguns trechos quebrada ou enegrecida pela ação do sol e da chuva, delimitava os limites do terreno. Tiveram que bater palmas.

-Já vou, já vou, respondeu lá de dentro D.Tita, logo surgindo na diminuta varanda com um lenço na cabeça.

Um vestido estampado de alças, de brilho já esmaecido, e sandálias bem surradas, do tipo havaianas, indicavam que ela não estava esperando visitas. O que poderia não estar de acordo com os cuidados observados por toda mulher, imaginou Efigênio.

-Vamos entrar, gente, vamos entrar. Espero que o moço não repare a casa de pobre, disse a anfitriã.

-Nada disso, tia. Efigênio já está acostumado.

-Como vai, Tita?, perguntou D. Mocinha, sentando-se no sofá de dois lugares, o único da sala, protegido por um lençol meio encardido.

-Deixa eu tirar esse lençol horroroso daí!, Mocinha.

-Deixa disso, irmã. Parece até que a gente não é de casa. Juliana está na escola?, indagou D. Mocinha.

-Está sim. A mãe deve trazê-la quando voltar.

-Tia, este é o Efigênio, de quem mamãe já deve ter falado.

-Muito prazer, seu Efigênio. Sinta-se em casa.

-E aí, tia? Como tá indo a vida? Muito trabalho com minha prima?, perguntou Anelice, sentando-se com Efigênio em duas cadeiras de madeira, de tipos diferentes, afastadas de uma pequena mesa oval com uma junta no meio.

Na frágil estante de aglomerado, encostada à parede contrária à porta, Efigênio notou uma TV de 29 polegadas, ocupando praticamente todo o móvel. E destoando insolitamente do reduzido número de peças do mobiliário restante.

-Como você acha que vai, minha filha? Tua prima não vem aprontando bastante?

-Ela tá namorando de novo agora?

-Isso ela nunca deixou de fazer. Até que Juliana é pouco, se a gente pensar nos romances que a mãe dela já teve, disse D. Tita.

-Mas parece que agora a coisa é mais firme. Não é isso?

-Infelizmente parece que sim. Porque o cara não vale nada.

O inconfundível aspecto de tristeza comunicado pelos olhos de D. Tita compunha com os vincos da pele, mais acentuados entre as sobrancelhas espessas e o canto dos olhos, o aspecto de um rosto cansado. Efigênio imaginou que ela fosse menos idosa do que parecia, embora não soubesse a idade das duas irmãs. D. Mocinha, certamente a mais nova, e não tão envelhecida, devia ter uns 56 anos.

-Mas como foi que tudo começou, tia? Você não pôde combater as atitudes dela, colocar as coisas no lugar?, prosseguiu Anelice.

-E você pensa que é fácil?, interveio D. Mocinha, vindo em defesa da irmã. Deus permita que você não tenha que passar por isso mais tarde. Você tem uma filha.

-Posso até passar, mãe. Mas venho trabalhando desde já para que isso não aconteça. Não uso de extrema severidade. Mas marco direitinho em cima. Angélica que o diga.

-Tita, essa televisão foi ela que trouxe?, perguntou a mãe de Anelice.

-Ela, não. Na verdade ele é que deixou aí. Disse que era um presente. Sabe-se lá de onde veio.

-E você não a obrigou a tirar a TV daí, tia?, cobrou Anelice, elevando um pouco o tom da voz. Eles é que a colocassem em outro lugar. Ou a devolvessem ao lugar de onde tiraram.

-Tua prima já não tem mais doze ou treze anos, minha filha. E tudo o que temos aqui e o que gastamos é graças a ela. A ela só, não. Agora a ele também. Você sabe que praticamente não tenho pensão. Tua mãe deu mais sorte. O maluco do teu tio foi embora e me deixou com u’a mão na frente e outra atrás, queixou-se D. Tita. Claro que dou minhas broncas nela, digo alguns nãos. Mas ela me diz que eu vejo coisas que não existem. Quando não se altera, sai fora e me deixa falando sozinha.

-Então deixa ela assumir tudo isso aí, tia. As conseqüências e encrencas também. Por que você não vai morar com mamãe? E ficar de arquibancada vendo no que dá?

-Não posso, Anelice. É a minha filha. Se eu não puder conseguir nada estando perto dela, imagina se estiver longe? Qual a assistência que ela vai ter? A desse maluco?

-Mas você sabe, tia, que as complicações podem chegar até Andrezza rapidinho. E até a você também. Sem falar na própria Juliana, que Deus me perdoe, disse Anelice, olhando de repente para Efigênio que vinha mantendo o cenho franzido.

-Por isso mesmo é que não posso sair daqui sem mais nem menos.

De alguma forma tenho que proteger as duas, e muito mais a criança, falava D.Tita já com certo nervosismo. Ela me garantiu que não participa de nada, que não tem envolvimento com nada.

-Não sei quem é mais maluco, se ela ou ele. Já viu manter em casa algo que não é seu não dar em nada?, perguntou Anelice, olhando para Efigênio, de quem esperava a confirmação. Isso se chama receptação. É crime, tia!

-Não há dúvida de que a situação pode ficar muito complicada, D.Tita. Anelice tem razão. O ideal seria que a TV fosse retirada daqui, concordou Efigênio.

-Sei disso. Já tinha falado com ela. No início os negócios dele giravam em torno de cheques, extravio de recibos bancários, coisas mais leves talvez. Era o que eu conseguia ver nas papeladas mantidas nas coisas de minha filha. Mas agora parece que tá ficando mais grave. Cada semana ele aparece com um carro diferente. E sempre novo. Já quis deixar um deles aí no terreno. Mas isso eu não permiti.

-E não permita mesmo, tia! Ele que leve lá pra dentro da favela ou pro lugar onde ele se esconde. Onde já se viu isso!

-Tita, nós vamos ter que ir embora. Ainda vamos ver a casa nova de Anelice. Depois, Efigênio deve ter outros afazeres ou compromissos. Mas fica aí o convite feito pela Anelice. Você sabe que moro sozinha desde a morte do Agnelo. Angélica tem sido a minha companhia, quando não está com a mãe. Seria bom que você viesse morar comigo lá na Aldeia. Principalmente agora que Anelice vai se afastar um pouco, vindo aqui pra Vila Vazia. Você não deixaria de estar próxima de sua filha, porque tudo aqui em Portobelo é muito perto. O que você acha?, perguntou D. Mocinha, em tom que beirava a súplica.

-Obrigada, Mocinha. Mas vou ter que pensar um pouco. Vamos ver como as coisas caminham durante mais algum tempo. Ainda tenho esperanças de que alguma coisa se modifique.

Ao voltar da saleta onde estava o frigobar, onde fora buscar duas latas de cerveja, Juvenal se deparou com o sorriso de Andrezza, que se tornava mais belo na medida da sua maior discrição. Mas seus olhos detiveram-se depois no seu corpo convidativo, que ela mantinha descoberto. Das coxas subiram rapidamente para os seios, lembrando-se ele da última peça que ela retirara, enquanto colocava as cervejas próximas aos dois copos sobre a mesinha de cabeceira do lado onde ela se encontrava. E aí ele viu que o seio esquerdo dela tinha a ponta levemente amassada. O que instintivamente o levou a olhar na direção dos olhos dela para encontrá-los envolvidos por uma tinta grossa branca, assim como os lábios da boca. A voz meio gutural, que comunicara anteriormente alguns de seus gemidos, trazendo-lhe instantaneamente a imagem da líder dos bate-bolas na inusitada ação de que fora vítima há cerca de dois meses. As sobrancelhas espessas e quase unidas de Andrezza disfarçaram a imagem de seu rosto que, no mesmo instante, poderiam dar a impressão de ter reconhecido o homem que fora mantido, não se lembrava bem quando, entre os bate-bolas que ela liderava numa ação ocorrida há algum tempo. Tinha sido num subsolo de um prédio, ela se recordava agora, enquanto Juvenal enchia os copos de cerveja, procurando refazer-se da suspeição que lhe levara a “ver quatro ovos dentro de um prato” (te fanno vedere quatro uovi dentro um piatto), como dizem os italianos, ao constatar que na verdade não havia nenhuma tinta branca envolvendo os olhos ou a boca de Andrezza.

-Mais do que a cor de seus olhos, a textura de suas sobrancelhas é que me encanta.

-Bobo. Parece mesmo uma criança.

-E você uma fruta gostosa, com essas coxas incrivelmente grossas, esse corpo bom e farto.

-Que é todinho seu, inteiramente seu, disse Andrezza baixinho, sem dar a Juvenal a menor chance de ele perceber que ela sabia com quem conversava.

-Você vai poder ficar mais um pouco?, indagou Juvenal, na verdade com a intenção de provocar uma reação contrária ao que sugeriu. Algo o incomodava. Precisava ficar sozinho.

-Mais um pouco sim. Mas depois tenho que ir. Vou buscar minha filha na escola.

-Ela estuda perto de casa?

-Não muito perto. Uns dez minutos a pé.

-É você quem pega a menina na escola todos os dias?

-Quando chego a tempo, sim. Quando não dá, mamãe faz isso.

-Você só tem a Ju?

-E já é muito. Dá trabalho e despesa. E você? Quantos filhos tem?

-Não tenho filhos.

-Não tem mulher também,?, Andrezza não se perturbou em arriscar a pergunta.

-Estou separado. Minha mulher sumiu de repente.

-Ah, é? Sem mais nem menos? Foi bom ou ruim?

-Estou me acostumando. Você apareceu em muito boa hora, disse Juvenal, arrependendo-se logo em seguida, por ter achado que a observação pudesse sugerir alguma fragilidade.

-Sempre morou nos Aliados?

-Morei antes no Vale Verde, próximo ao Engenho Claro. Depois fui mais pra perto do centro da cidade.

-Gente fina é outra coisa. Comércio melhor, mais condução, shoppings, cinemas..., disse Andrezza, parecendo estar gostando do questionário. Que a ele infligia também.

-Mas nem sempre mais animação, como em Portobelo, por exemplo. Mais espaço, mais ar puro. Aliás, o Carnaval onde você mora deve ser mais animado também, não é?

-É verdade. Ainda temos alguns blocos de rua . E muitas pessoas se fantasiam.

Juvenal não levou mais que meia hora para deixá-la na esquina com uma rua em terra, em Vila vazia, localidade de Portobelo. Andrezza não quis que ele a deixasse na porta de casa. Preferiu caminhar por quase 1km até chegar em casa a correr o risco de encontrar Pedro Crivo esperando-a no portão. Embora soubesse que o caráter peculiar das explicações fosse desfazer um possível mal entendido. Ele não é nem bobo de querer me encher o saco. De qualquer maneira, preferiu andar quase a mesma distância até à escola de Juliana. Sua mãe iria gostar de vê-la chegando em casa com a neta.

Juvenal gastou todo o tempo da viagem de volta à sua casa com a imagem de Andrezza, vestida naquele espalhafatoso macacão estampado e se dirigindo a ele, no meio dos bate-bolas, naquele linguajar aparentemente incompreensível. Não é possível. Como uma pessoa como Andrezza poderia ter decorado todas aquelas falas esdrúxulas? Não poderia ter sido uma reprodução original. Talvez eu tenha sonhado. Se bem que Andrezza tem alguma formação. Segundo Grau, talvez. Se resolver falar de um jeito mais informal, será por questão de opção. Mas não se trata de cultura ou de convivência em determinado meio. É muito mais uma questão de destreza labial. Mas por que tem de ser ela? Tava bom demais, meu Deus. Não merecia tudo isso. Mas só pelo bico amassado? É muita coincidência. Será que aquela brincadeira dos bate-bolas não foi pura ilusão minha? Pode ser que aquilo nem tenha acontecido. Não era Carnaval! Como é que os caras teriam a coragem de se fantasiar daquele jeito fora de época? Levantariam suspeitas. Por outro lado, não tinha nenhuma inauguração de loja ou supermercado na área! E, no entanto, Juvenal não conseguia maiores argumentos para se afastar da idéia de que a líder dos bate-bolas fosse Andrezza.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 24/05/2011
Reeditado em 24/05/2011
Código do texto: T2989959
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.