A testemunha

“Existem dois demônios internos, um está em seu próprio impulso, o segundo em seu medo, o primeiro só se manifesta se o segundo deixar.”

Um bar de beira de estrada, deserta.

Tarde que caía quente, silenciosa e fatigante. A estrada empoeirada indicava um solitário local no meio do nada.

Na frente do bar estacionava um jipe velho, de dentro saíram um rapaz retraído e um homem mais velho de aparência tenebrosa. Um sereno jovem limpava o balcão.

Ao pedir o que iam consumir o rapaz curioso com o tipo dos fregueses os observava discretamente. O mais velho destratava o colega que lhe fazia companhia. O balconista chamou o faxineiro absorto naquela cena.

- Ei Fausto, veja se eles querem mais alguma coisa.

- Eles foram ao banheiro.

Fausto se dirigiu ao banheiro masculino e ouviu um gemido, se voltando.

Espiou pela fresta da porta, alguma coisa estranha estava sucedendo.

- Fausto. - gritava o bigodudo do balcão.

Interrompendo seu pensamento ele correu ao chamado.

- Vou sair agora, espere os fregueses saírem, limpe tudo e feche o bar ok?

Sentindo uma brisa incômoda; definitivamente uma aura pesada aquele dia Fausto só queria que os dois fossem de uma vez para que ele fechasse o bar e se afastasse daquilo tudo o mais rápido possível.

Foi até os sanitários verificar se estava tudo certo, ao voltar do banheiro porém presenciou uma cena inimaginável.

O sinistro homem agredia brutalmente o rapaz com socos e murros, surpreso mas receoso em interferir ele apenas assistiu a cena estático.

Quanto mais o moço sangrava mas o velho o agredia, sem compaixão. Em determinado momento tirou-lhe o próprio cinto e enforcou o rapaz com ele.

Estupefato Fausto assistiu a tudo mudo de pavor.

Ao se virar o corpulento homem o surpreendeu espiando detrás do balcão.

- Você não viu nada. - ameaçou-lhe enfaticamente.

O empregado empalideceu. O homem subiu em seu jipe e sumiu no meio da poeira amarelada.

Fausto se aproximou do garoto, pálido, o cinto em volta do pescoço.

Ele retirou o cinto, e o deixou na mesa, lá ele ficou.

O que poderia ser feito?

Tentou reanima-lo, fazer as manobras de socorro, tudo em vão.

Em choque limpou todo o bar, e não sabia o que fazer em relação ao cadáver estirado no chão.

O medo em sua alma era dominante.

Não conseguia raciocinar limpidamente. Nada fazia sentido, por que afinal aquele homem assassinara seu suposto amigo? O que teria acontecido no banheiro?

O peso de ser a testemunha desse fato era lentamente enlouquecedor.

Mas não conseguia cogitar nenhum outro pensamento.

Olhou de novo para o cadáver e relembrou como uma pancada na mente.

"- Você não viu nada."

Parecia ainda ouvir aquela voz implacável martelando fortemente.

Então o medo o abandonou, dando espaço à paranoia: - E se...

Um cadáver no chão, apenas ele no local, o que pensariam? Ele nunca poderia provar o contrário.

- Pobre cara. Mas vão pensar que fui eu...

Seus pensamentos eram como espadas pontiagudas que o cercavam.

Precisava fazer algo, deixar aquele corpo ali seria se entregar a desgraça, ele, um pobre diabo nada poderia fazer contra uma acusação.

Num ímpeto de desorientação pegou o corpo, e o arrastou, levando-o para o seu carro.

Chegou em seu domicílio numa cidade interiorana vizinha.

Sem cogitar mínima lógica arrastou-o para o seu quarto escondendo-o embaixo da cama. Trancou a porta.

- Filho, você já chegou? - gritou sua mãe à porta.

- Agora to ocupado, vou ter que voltar pro bar.

- Abre pra mim te dar um oi filho.

- Agora não mãe, - respondeu paralisado.

Fausto já estava agindo como se fora ele o autor do crime, arrastando o corpo para fora, correu até seu carro, errante. Olhou ao redor, bairro vazio.

Sua monótona vida se transformara da noite para o dia num pesadelo surreal.

Movido de impulso, apenas agia, sem refletir no resto.

- Por que comigo?

Colocando o estorvo no porta-malas, rumou de volta para o bar.

Chegou, parou, desceu. Se dirigiu com o morto para fora, até que ouviu um ruído, pessoas se aproximavam, aflito se escondeu até o perigo passar.

Com o coração batendo a mil, corria com o garoto nos braços, pra lá e pra cá fugindo dos riscos de ser apanhado. Cada ruído que apontava era um sobressalto.

Bar detalhadamente limpo, ele se encarregara de tudo.

Queria se livrar de imediato daquele incomodo. Uma ideia lhe acendeu.

Num súbito de loucura, voltou com o corpo para seu carro e percorreu a rodovia a fim de achar um bom lugar. Nada a vista, só verde e deserto.

Fausto já não se reconhecia, estranhamente tranquilo, um meio sorriso nos lábios, quando avistou um rio. Tudo pronto, jamais saberiam.

Tirou o corpo do porta-malas e o atirou na água barrenta. Mais nada haveria para provar coisa alguma. Estava ocultado.

No dia seguinte, bar aberto e seu chefe chegava.

Minutos depois ele o chamava insistente.

- Ei Fausto, o que esse cinto sujo de sangue faz nessa mesa?

Algo calara sua boca, não havia resposta.

Petrificado; a fala ficou presa na garganta.

“Se vai ocultar a verdade, certifique-se de que destruiu todos os detalhes."

Helena Dalillah
Enviado por Helena Dalillah em 04/07/2011
Reeditado em 05/12/2019
Código do texto: T3075436
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