Renascer

Era inverno. As primeiras gotas de água do orvalho matinal já começavam a se condensar. John levantou sonolentamente, e observou o céu pela janela. As últimas manchas vermelho-rosadas do que deveria ter sido um espetáculo de cor intenso ainda borravam o céu. A imagem era tão surreal que ele não pode conter o pensamento "será que ainda estou sonhando?", e riu-se. Não, não estava, na verdade, ele sabia que nunca teria um sonho tão perfeito.

Aquele dia, em especial parecia dar margem à toda uma nova realidade. O azul do céu que ia vencendo as manchas do pôr-do-sol reluzia. O frio eriçava os pêlos, mas John não se importava com ele. Não se importava com nada desde que. Desde que aquilo aconteceu.

Entretando, para entender do que estamos falando é necessário que façamos uma viajem. Uma viajem além do espaço e do tempo, algo que só se torna possível nas páginas de um livro

Pois em algum dia de um verão um homem andava não muito distante dali. E esse homem era o próprio John. Meses atrás ele havia ganhado a carta que mudaria sua vida para sempre. Ou não.

“Caro John,

Me encontre no Saturn Park às 9:00,

Cordialmente, Rian”

Só isso. Simplesmente isso. Menos de quinze palavras que podem parecer banais para quem está fora de contexto, mas que, para John, possuíam um significado muito além da compreensão do homem comum.

“O Chefe que me ver”. Pensava John, relendo pela milésima vez aquela carta enquanto atravessava a rua, atordoado demais para distinguir realidade de fantasia, se é que realmente há essa distinção. A buzina de um carro passando perigosamente perto o acordou de seus devaneios. John guardou o papel no bolso e continuou a caminhar. Caminhou até que o Sol se refugiasse atrás da colina, caminhou até surgir a primeira estrela no céu, caminhou até a escuridão ser plena e só a luz do luar e das estrelas a iluminar seu caminho. E caminhou, e caminhou... e caminhou.

"Que droga! Deveria estar aqui!" Berrou quando, cansado de andar o dia inteiro, viu suas esperanças serem frustradas.

“Não se desespere” – disse uma voz rouca atrás dele, que ele rapidamente reconheceu.

“Chefe.” – Disso John sem olhar para trás. Não era uma pergunta.

“Sim” – O dono da voz rouca aquiesceu. Era um homem alto, de sobretudo e cara de poucos amigos.

“Deveria estar aqui...” John tentou continuar, quando foi cortado.

“Deveria estar aonde deve estar!” Disse o chefe, visivelmente angustiado.

“E o que vai ser de mim agora?” Ainda perguntou John, num tom que se mantinha firme, tentando esconder o seu desespero. Mas apenas tentando.

“Acho que não haverá mais um você a partir de agora” As palavras eram duras. Duras para serem ditas, e ainda mais para serem ouvidas. O homem intitulado “Chefe” sacou uma pequena pistola. John sabia que ele havia sacado e ainda assim não olhou para trás.

“Chefe.” Ele disse um última vez. Como se aceitando a morte, e aceitando a autoridade do outro homem sobre sua própria vida.

“Você foi de muita utilidade” O Chefe disse, como um agradecimento. John aquiesceu, achando que havia sorrido. De fato, só achou.

“Alguma última palavra?”. Insistiu O Chefe.

“Muitas, mas de todas, creio que o silêncio diga muito mais...” John rebateu, e pela primeira vez ousou olhar para trás, mirando não o revolver que se mantinha apontado em sua direção, mas os olhos do Chefe.

“...Não foi o que o senhor sempre nos ensinou?” continuou John, dessa vez sim, sorrindo um tímido sorriso. O sorriso do homem que nasceu e viveu para a morte e que agora, a encarava como uma velha amiga.

“Sinto muito que tenha que terminar assim” Disse O Chefe enquanto um estrondo cortou o ar e uma bala cortou o peito de John, fazendo-o tombar estrebuchando no chão de terra que aos poucos virava lama quando as primeiras gotas de chuva caiam naquele cenário horripilante.

Agora, John agradecia por estar vivo. Por algum milagre, fora encontrado por alguma pessoa que o havia imediatamente levado ao hospital mais próximo, onde havia-se retirado a bala e onde seu coração parou na mesa de cirurgia. Pensaram que tinha morrido. Talvez tivesse, de fato. Mas ele voltou, reanimado pelos choques do desfibrilador. Permaneceu em coma por algum tempo, pouco tempo. O hospital não manteria os aparelhos ligados por um moribundo qualquer que não tinha família, nem amigos. Nem mesmo um nome, nem uma identificação.

Foi então que o segundo milagre ocorreu, e John voltou do coma, minutos antes de o médico desligar o aparelho, fazendo o cardiologista quase ter um ataque cardíaco, por mais irônico que isso possa parecer.

Aos poucos John se lembrou de sua antiga vida. E então percebeu que talvez fosse melhor mesmo ter morrido. Talvez. Ou talvez houvesse mesmo algum Deus que o tivesse dado outra chance. De recomeçar. De fazer as coisas direito.

Ali naquelas terras, ninguém sabia quem ele era, ninguém sabia sobre seu nome ou seu passado sombrio.

Gabriel Valeriolete
Enviado por Gabriel Valeriolete em 06/10/2011
Reeditado em 19/02/2012
Código do texto: T3261880
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