A Bailarina, Romance, Cap. II

No domingo Marluce estava por trás do alambrado torcendo por suas amigas. Identificava no futebol muitos movimentos que tinham algo a ver com os que reproduzia no palco ou treinava nas aulas de balé. Será que eu poderia me aventurar na criação de coreografias? Achou graça de sua idéia. Como também da subida meio desengonçada de Arminda para cabecear a bola que se chocou com violência contra a trave do adversário, depois de tocada pelos dedos da garota que defendia o gol, indo sair candidamente pela linha de fundo. Seria o primeiro gol do time da escola. O escanteio ainda não tinha sido cobrado quando ouviu o celular:

-Oi, mãe. Tudo bem?

-Tudo, querida. Seu time tá ganhando?

-Zero a zero ainda.

-A Professora Ingrid ligou. Pediu que você ligasse pra ela.

-A Ingrid? Estranho. Nunca recebi ligação dela!

-Também achei. Deve ser alguma coisa importante.

-Não faço a mínima idéia. Não esquenta, mãe. Quando chegar em casa, depois do almoço, eu ligo.

-Tá bem, Lu. Meu dever era avisar. Vê se não demora. Isso aqui não é hotel.

-Até parece. Quem lava a louça sou eu!

Qual seria o motivo da ligação de Ingrid? Será que tinham resolvido convidar todo o grupo além de Eleonora para a apresentação no Municipal? Na verdade Marluce não tinha a confirmação de que haveria apresentação no próximo fim-de-semana. É melhor deixar pra lá. Quando ligar mais tarde, ficarei sabendo.

Depois de três ou quatro copos de chope no barzinho do clube, ao sabor de comentários exaltados sobre a bela exibição do time da escola, apesar da derrota apertada por 1 x 0, Marluce retirou-se com outra colega, que também não tinha jogado, em direção ao Metrô.

O jogo tinha terminado por volta de 11h, mas Marluce só conseguiu chegar às 14h30. Seus pais já tinham almoçado, mas a mãe continuava à mesa, como se a estivesse aguardando, embora se achasse pronta para sair. Um rápido banho frio, um shortinho curto e uma camisa de malha, e estava Marluce diante de sua mãe, criticando-a pelo fato de lhe ter esperado.

-Pô, mãe, se vocês vão sair, não era preciso ter me esperado.

-Fica cada dia mais difícil almoçarmos juntos. Apesar de sermos apenas nós três.

-Almoçamos ontem, mãe.

-Mas ontem foi sábado. Praticamente um dia de semana.

-Mas ninguém faz nada aos sábados. Como no domingo.

-Como não se faz nada! Trabalhei paca ontem. Fiz almoço, dei um jeito na casa, limpei os banheiros.

-Tá bem, mãe. Quero dizer que aos sábados não se estuda, e não se realizam, em geral, tarefas que não sejam domésticas.

-Bem, vamos deixar dessa conversa mole. Seu pai e eu vamos ao shopping e de lá ao teatro. Acredito que estejamos em casa por volta de oito e meia. Você vai sair?

-Em princípio, não. Vou lavar a louça e continuar com a leitura daquele tijolo do Dostoievski. Deverei acabar dormindo.

-Não esqueça de ligar pra Professora Ingrid. Ela deixou o número.

-Até logo, filha. Aproveite para ver se não me pareço com o marido que dá nome ao livro que você está lendo, brincou Ezequiel, o pai de Marluce.

-Não deu ainda, pai, para fazer as devidas comparações.

-Até logo, filha.

-Um beijo, mãe.

Ao final de cinco toques, quando Marluce já estava pensando que não havia ninguém em casa, Ingrid atendeu. A voz parecia cansada. Talvez estivesse dormindo.

-Professora Ingrid? Sou eu, Marluce.

-Oi, Marluce. Tudo bem?

-Desculpe se a acordei. Mamãe me deu o recado.

-Sim, eu liguei mais cedo. É que houve um problema com a Eleonora. Nosso grupo foi convidado para uma apresentação no próximo fim-de-semana. E ela não poderá participar. Não tinha ainda falado com você.

-Vilma e Érica irão?

-Também não falei com as duas, mas estou certa que sim.

-Tudo bem, professora. Pode contar comigo.

-Sei disso, obrigado. O problema é que Eleonora seria uma das solistas. Como Vilma e Érica ainda estão meio verdinhas, acho que sobrou pra você. Foi essa a razão da ligação.

-Agradeço, professora, a oportunidade. Mas iremos apenas nós três?

-Chamei também a Camila, a melhor aluna depois de vocês quatro. Precisamos ter alguém sempre de stand-by. Agora, Marluce, estou ligando também para dizer que precisaremos intensificar os treinamentos. Vamos ter aulas todos os dias da semana, isto é, terça e quinta também. Espero que você possa cancelar eventuais compromissos que tenha para esses dias.

-Não me lembro de compromissos para esses dias. Acho que não haverá problemas. Mas o que houve com a Eleonora?

-Ela e a mãe sofreram um seqüestro-relâmpago. Como Eleonora ficou nervosa e chorou muito durante a ação, acabou sendo agredida. Levou umas coronhadas. Está em estado de choque.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 07/10/2011
Código do texto: T3262729
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.