A catedral do corvo

Naila terminou de digitar todos os documentos que sua chefia pediu, tinha conseguido aquele emprego porque aceitou trabalhar por um salário mínimo. Havia feito um curso de Técnicas Administrativas alguns anos atrás. Somente depois conseguiu exercer o aprendizado no escritório de acessoria localizado dentro de um apartamento.

Depois que entrou no elevador, saiu do edifício ás pressas entrando na estação de metrô, era por volta das oito horas. Naila estava se sentindo um pouco triste por dentro estava vevendo uma crise existencial. Naquela noite resolveu ir até a biblioteca da catedral pesquisar sobre os mistérios e enigmas. A catedral se localizava num lugar distante chamado Vila Nova Delcon. Era um bairro pobre na periferia da cidade geralmente deserto até mesmo durante o dia. As casas eram pequenas, algumas tinham um estilo mais antigo com portas de madeira e grades desenhadas, outras tinham sido construídas encostadas uma das outras. A maioria das residências tinham um pouco mais de espaço entre uma e outra.

Nesse bairro não existia comércio, a maioria dos moradores trabalhavam de vender ferro velho e fazer carretas para entrega de material reciclado através da coleta de lixo para outros bairros. Nem farmácia a Nova Delcon possuía, os moradores pediam esmolas no centro da cidade. Eles se alimentavam das sobras dos grandes restaurantes que traziam para alimentar seus familiares.

Era um lugar em que as pessoas estavam tão entretidas em seu próprio mundo de escassez que não conseguiam prestar atenção em nada além de suas dificuldades financeiras. Ninguém se conhecia ou conversava, vizinhos sequer se comprimentavam. Quando uma pessoa passava pela rua era como se nada estivesse passando.

Naila era uma pessoa muito curiosa, gostava de ler bastante e investigar fatos. Descobriu que a catedral foi construída em 1890, através de um incrível mutirão. Os construtores vieram da cidade de Salamanca da Espanha e fundaram uma ordem que estudava Filosofia, Teologia e Literatura. Era uma catedral em estilo gótico, que não se realizava missas e nem qualquer tipo de ritual religioso, sua construção foi elaborada para disfarçar um outro propósito. Esses construtores eram estudantes revolucionários. Resolveram estudar de forma autodidata sobre esses assuntos sem a intervenção da forma dogmática de ensino da universidade em que estudavam.

A noite estava imensa e tenebrosa. Depois de passar pelo beco e atravessar a rua, Naila observou que um corvo acabara de pousar sobre a torre da catedral. A entrada principal estava fechada. Como estava muito ansiosa para entrar deu uma volta atrás da catedral e percebeu que a porta dos fundos estava aberta. Ela não pensou duas vezes para resolver entrar. No interior da catedral se deparou com alguns arcos sustentados por colunas de estatura mediana. Olhava admirada com a cena que presenciava no mais profundo silêncio. Na entrada aonde seria o altar, havia uma mesa de mármore branco e dois castiçais de prata empoeirados. Os vitrais tinham desenhos indefinidos e enigmáticos apenas as flores desenhadas podiam ser vistas.

As cadeiras e os bancos eram de madeira trabalhada com desenho de um leão no apoio e formato de concha no assento.

O corvo entrou dentro da catedral e começou a seguir os passos de Naila. Ao chegar na biblioteca deparou com dois corredores de estantes enormes de livros antigos. Começou a vasculhar os livros da primeira fileira da estante ao lado esquerdo até encontrar um exemplar muito antigo intitulado"O percurso da existência". Procurou um lugar para se sentar e encontraou uma mesa de madeira escura toda cheia de teia de aranha e uma cadeira semi quebrada. Limpou a sujeira com as mãos , colocou o livro sobre a mesa e começou a ler atenciosamente. O texto dizia que havia uma sombra que perseguia a existência humana através de um certo tipo de tédio.

Na verdade essa era a tese que o grupo de estudantes tinham levantado durante suas reuniões de estudos filosóficos. O corvo pousou em cima do livro que Naila lia. Ela se assustou e começou a enxotar o pássaro que nem sequer se movia com suas asas mas ficava mirando em direção aos olhos dela.

Naila começou a ficar trêmula vendo que o corvo ficou voando pela biblioteca.Decidiu então prosseguir a leitura, ao virar ás páginas do primeiro capítulo. Viu a ilustração de um corvo e uma catedral. No quinto parágrafo da leitura estava escrito que dentro da catedral existia um corvo guardião que vigiaria os passos de qualquer pessoa que se aproximasse daquele lugar.

Repentinamente o corvo pousou em cima do ombro de Naila que levou um susto enorme e desmaiou. Ela ficou desmaiada até o dia seguinte despertando sozinha por volta das 17:00hs da tarde . Acordou toda surpresa por estar naquele lugar. Se encontrava um pouco esquecida. Ela sabia que foi passear até ali mas não se lembrava o motivo de ter passado a madrugada naquela catedral.

Saiu andando depressa e se deu conta que perdera um dia de trabalho no escritório.Justamente no dia que seus patrões iriam precisar mais de seus serviços.

O corvo voltava a vigiar a catedral em cima da torre. Se visse a presença de alguém ele também entrava, conforme estava escrito no livro dos estudantes.

Não se sabe se Naila foi a primeira pessoa a visitar aquele lugar.Até hoje a catedral permanece ignorada pelos habitantes do bairro. Eles nem sonham que existe naquela vila um patrimônio histórico que guarda um livro de teses sobre a existência. O lugar permanece recluso e abandonado, nem a prefeitura nem outras pessoas nunca procuraram se interessar.

Naila não visitou mais a catedral. Ficou temendo um certo perigo, de não saber o que se passara. Mas a curiosidade continuava e o corvo continua vigiando a catedral ignorada para zelar pelo livro da tese.

Rúbia Kiarsal
Enviado por Rúbia Kiarsal em 26/12/2006
Reeditado em 03/03/2007
Código do texto: T328227