O PEQUENO MARCELO (Terceira e última parte)

O PEQUENO MARCELO

Continuação...

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Devido à sua vocação, avisou com alguns dias de antecedência, que iria deixar aquela fábrica que lhe proporcionou tantos benefícios. Elaborou uma carta explicando o porquê da sua decisão. Além de cansado, precisava trabalhar mais na área humana. A Medicina ou a Psicologia eram a sua meta para o próximo ano na Universidade de São Paulo. Convocou uma reunião com todos os funcionários. Falou sobre o que eles lhe representaram aqueles anos de trabalho. Anunciou seu desejo. Agradeceu e abraçou Nicanor. Este não conteve as lágrimas. Por algum tempo, choraram um no ombro do outro. Os funcionários também choraram. Para estes... parecia que iria ficar faltando um pedaço de suas vidas. Uma festa foi improvisado. O dia foi desaparecendo dando lugar a noite enluarada. Como toda a despedida é triste, aquela não foi diferente. Mais uma vez agradeceu a todos, com a voz embargada. Fazendo tudo para terminar o discurso, foi surpreendido pelos repórteres de vários jornais da capital paulista e alguns das cidades vizinhas.

O trabalho no hospital era de muita responsabilidade. O salário que recebia, no início era menos da metade do que ganhava na fábrica. Mas, o estudante jovem dinâmico e inteligente, havia economizado o suficiente para comprar um apartamento médio num bairro nobre de São Paulo, ou uma casa. Com o acerto que fez, comprou as duas coisas. Foi morar na casa, preferência do velho Marcelino, pois este gostava de cultivar uma pequena horta. A única coisa que deixava triste, era a corcunda, defeito de nascença. Fora a isso, a saúde estava quase perfeita. O novo emprego do rapaz era uma oportunidade em ajudar as pessoas, direta ou indiretamente.

A decisão foi firme. No ano seguinte entraria na faculdade, para o curso de Medicina. Ficou tão empolgado que brotou uma prece em seu coração. Levantou os olhos e agradeceu a Deus pela inteligência e as oportunidades que foram surgindo. “Quem diria?” – pensou. “Eu, aquele menino paupérrimo, estudando pra ser médico? Nem acredito!”

A comemoração foi no domingo seguinte. Um almoço em família. Ângela Maria, sua futura colega de faculdade também participou. O pai dela, médico conhecido na cidade, veio no almoço, como convidado da filha. Descendente de italiano, não escondeu a Marcelo o desejo de visitar seus parentes na Sicília. Não via a hora de tirar umas férias. Mas, como sempre pensou nos outros, não pararia sem que tivesse alguém para atender no seu lugar. Enquanto conversavam, os dois jovens trocavam olhares. Em alguns momentos, o rapaz ficava admirando tanto a jovem, que se esquecia de prestar atenção na conversa do Dr. Giovani Piaretti. A tarde foi curta. A única coisa que faltou naquela simples comemoração, foi sua mãe Rosilda. O velho, antes conhecido pelo apelido de Camelo Velho, estava muito feliz. Repetiu várias vezes: “Depois da tempestade, sempre vem a bonança.”

O trabalho noturno não foi fácil para o futuro Dr. Marcelo se acostumar. O curso de medicina era durante o dia. À noite sobrava para trabalhar e ganhar o pão de cada dia. O bondoso Dr. Piaretti, a pedido da filha Ângela, fez-lhe um empréstimo. Naquele tempo ninguém conhecia inflação. Marcelinho poderia pagar depois que se formasse. Com esses recursos, ele poderia custear seus estudos e ajudar o sustento da casa. Suas horas de trabalho diminuíram. Ele precisaria de repouso. Sobravam algumas horas para dormir. Durante o expediente noturno, poderia fazer aquilo que gostava, ou seja, ajudar as pessoas a diminuir o sofrimento. No silêncio do seu leito, pensava em sua finada mamãe. Se estivesse viva, ele teria condições de ajudá-la e talvez teria salvado-a. Lembrou o que a amiga Ângela Maria falou numa das conversas que tiveram: “Muitas vezes é necessário que alguém morra, para despertar o espírito de luta.”

Dia 28 de março estava se aproximando. A futura médica, sua amiga e colega de sala, o havia convidado para o seu aniversário, com dois meses de antecedência. Para ele o que interessava, era o trabalho, os estudos e... logicamente, linda estudante morena de cabelos longos. “Que presente daria?” – Questionou-se. Ela não tinha necessidade de nada, pois tinha tudo. O papai rico, sempre lhe deu todo o conforto. Filha única do Dr. Giovani Pieretti e Dona Maria. Finalmente, teve uma idéia. Presenteá-la com um buquê de flores. Junto ao cartão, um bilhete. “Feliz aniversário. Você é a pessoa mais linda e maravilhosa que conheci. Quero falar sério com você. Beijos, Marcelo.”

A emoção da futura médica foi tanta, que não agüentou e falou à sua mãe. Esta por sua vez, “buzinou” nos ouvidos do seu marido, o que não se surpreendeu nem um pouquinho. Disse que já esperava isso há muito tempo.

No quinto dia de encontro em sala de aula, os dois saíram mais cedo. Foram numa pizzaria, que era a predileta da família Piaretti. Ali conversaram o tempo todo. Muitas coisas que haviam acontecidos na vida de cada um, veio à tona. Afinal de contas, naquele dia iniciava-se uma longa caminhada pela estrada da vida. Os dois jovens, apaixonadamente se beijaram. Nascia um romance firme. Até parecia que um fora feito para o outro. Tinham muitas coisas em comum: curso, vocação, beleza, filhos únicos, sentimentos... Havia uma única diferença, que ele veio de uma família muito pobre, e ela nascera num berço de ouro. Mas aí para eles, não importava mais. O que interessava era o presente e o futuro.

Os anos se passaram. Tudo pronto para a colação de grau. A USP estava em festa. O médico e professor Dr. Gioviani Piaretti, devido à consideração dos seus alunos, fora escolhido como paraninfo daquela turma. Sua viagem à Itália se aproximava. Faltavam apenas noventa dias. O já considerado e conhecido Dr. Marcelo Mendes, juntamente com a Dra. Ângela Maria, casavam-se no próximo sábado. O velho médico e sua esposa em breve tirariam suas tão sonhadas férias. A esposa desejava conhecer a Italia. Ele iria pela segunda vez a esperada viagem. A clínica ficaria por conta dos dois pombinhos apaixonados. Mal esperavam a hora do matrimônio. O noivo fez questão de ir a Esmeralda, sua terra natal, para convidar o padre João Maia para celebrar o casamento. O vigário, já com quase noventa anos de idade, fez pela última vez em sua vida, a união de duas vidas.

Marcelo, médico competente, tornou-se famoso em todo Brasil. Fez cursos de especialização no exterior. Trabalhava na clínica e no hospital com tanto entusiasmo, que às vezes esquecia de ir pra casa. Se a esposa não fosse também médica, com certeza não o entenderia e não aceitaria tais condições.

A clínica do Dr Piaretti ficou por conta dos dois. Outros médicos e funcionários que atendiam, mas a administração era incumbência da Dra. Ângela Maria. Dr. Giovani quase não trabalhava mais. Ele e a mulher começaram a viajar por todo o Brasil e Itália. Para o Marcelinho e Ângela, só faltava uma pequena coisa para completar a felicidade dos dois: um filho.

Dra. Ângela Maria começou a sentir enjôos. Sua menstruação não descia... o marido muito emocionado começou a pular, esquecendo que a sala estava cheia de pacientes esperando. Pulava, gritava, batia palmas e beijava a mulher na frente de todo mundo, deixando as pessoas assustadas.

- Eu não acredito! Eu não acredito! Vou ser... papai...

Dizia ele com lágrimas de alegria.

Em dois anos, o casal, o filho Giovani Marcelino e o pai do médico, viviam a vida que pediram a Deus. O velho Marcelino já com a idade avançada, mas a saúde boa, falava do filho com muito orgulho. Para o casal de médicos, a sua realização era ajudar as pessoas. Continuaram consultando gratuitamente aos menos favorecidos. Os medicamentos para as pessoas que necessitavam, eram distribuídos grátis. O pequeno e franzino Marcelinho... tornou-se médico de renome internacional.

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O cemitério de Esmeralda foi o local desejado pelo próprio Dr. Marcelo. Ao lado onde descansam seus pais, num recanto do pequeno povoado, encontra-se um túmulo com uma placa de bronze. Uma homenagem ao homem que tanto sofreu, mas venceu. Um exemplo de dedicação e solidariedade. Alguns que acreditam estar ele vivo, formulam pedidos através de bilhetes, que variam desde saúde, paz de espírito e outros mais. Há uma inscrição junto a uma pedra, com os seguintes dizeres: “Descansa em paz, Dr. Marcelo Mendes. Você foi um exemplo de trabalho e dedicação. Seu nome consta no rol da história dos médicos.”

(Christiano Nunes)

El fin