Apartamento 605

Ele sempre acordava as seis da manhã, da janela entre aberta de cortinas baratas e tecido bege, acompanhava todos os passos dela. A calcinha branca de algodão era o único vestuário que ela usava para dormir, alguns detalhes coloridos na parte de trás era pouco significante para aquele binóculo que já dormia ao lado dele. Os seios fartos eram massageados com um creme após seu banho de aproximadamente dez minutos. As sete e meia ela estava descendo com seus óculos escuros e os cabelos sempre molhados cheirando a perfume. Ele de cabeça baixa regando as plantas apenas balançava a cabeça para o bom dia. Sua pele branca de pêlos amarelados tingia-se de vermelho e seu coração batia apressado, imaginando aquele corpo nu que andava pelo quarto desprotegido como se oferecesse a ele todos os ângulos para ser visto. Pouco depois descia o marido resmungando com os filhos que andavam sonolentos resistindo para não ir as aulas. Ele de cabeça baixa não respondia o cumprimento daquele homem que tossia sempre ao passar por ali, talvez na ânsia de limpar a garganta de um catarro de nicotina. As horas não passavam com a fugacidade que sua sede pedia, aquela mulher tornara sua obsessão doentia, o elemento de condução do oxigênio que lhe forçava a respirar fantasia, sua pulseira de prata sua meia-calça, seu pêlo pubiano de negro intenso. De todas as novelas assistidas uma atriz era nomeada com a graça dela, as cenas de nudez dos filmes que via, o corpo daquela mulher era sempre confrontado e colocado acima de qualquer comparação, era a sua magia solitária.Até que em certo dia no horário de almoço ela desceu do carro do marido dado a mão uma das filhas, com o celular no ouvido tentando resolver algum problema que sua voz de conflito delatava. O jardineiro tacanho submisso a aquela admiração paranóica novamente baixou a cabeça, trêmulo com a voz perdida não se sabe onde, apenas deixou a vontade imensurável lhe consumir no ardor de brasa que queimava-lhe o âmago. Ao marido desejou que um surto lhe viesse com coragem para que aquela tesoura que cortava a grama, fosse usada para decapitar aquele pescoço roliço, onde ela provavelmente encostava o rosto meigo de menina crescida para sussurrar na hora do coito. E assim se passou mais um instante de loucura, com seu peito dilacerado respirando o ar que captou o perfume dela. Seus passos frenéticos subiram a escada e a porta do 605 se abriu, o espaço obumbrado de mobília tosca se encheu de um suspiro enfadonho que se prendeu a aquela fresta.Um estrondo ecoou no infinito do seu cérebro e a rota que seguia desvencilhou-se da razão. Seus lábios albinos de cascas aparentes contraíram como se o sangue lhe fugisse inteiro, as mandíbulas iniciaram um movimento desordenado forçando os dentes a chocarem-se uns com os outros numa simultaneamente patologica. Os olhos embaçados pela passagem do claro para o escuro se molharam de um lágrima ácida e agressiva, cólera e decepção. Aquela janela de prazeres insólitos, onde o espírito da luxuria passeava nas manhãs e ao meio-dia estava literalmente fechada. Uma cortina vermelha ainda escudava o vidro com certa ira, como se dissesse a luz, que sua passagem ali só poderia ser possível depois de uma luta brutal. No outro dia um cartaz de letras mal-feitas e erros gramaticais informava que o apartamento 605 estava sendo alugado.