Mais que amor...

A cama ainda estava desarrumada, não entendeu o motivo, pretendia perguntar a sua esposa assim que a encontrasse, pois sabia que uma de suas manias era deixar aquele quarto impecável, ou melhor, o “Antro dos desejos” como dizia encarnando suas personagens eróticas. Era uma mulher sedenta, com olhos sedutores de um castanho escuro e formato amendoado que o levava à loucura, que o tempo de casamento parecia só aumentar. Tinha um corpo normal, sem grandes excessos, mas sabia usa-lo tão bem que questionava às vezes se tinha a mesma mulher todas as noite.

Colocou sua pasta sobre a mesa e foi tomar banho, estava cansado, vendo o relógio do corredor calculava que ela logo chegaria. Saindo do demorado banho, vestiu seu roupão azul, foi procurar algo confortável para vestir, acidentalmente encontrou uma das calcinhas dela, não era nenhum minúsculo fio dental, mas era uma calcinha rendada do tipo romântica, lembrou como ela ficava linda vestindo aquilo. Sentiu o perfume que tinha, assim como todas as roupas dela, mas sentiu uma estranha pontada no coração, como se não fosse mais vê-la. Tentou afastar aquele pensamento ruim.

Sentado assistindo TV, começou a cochilar, em seu sonho sempre a via com um rosto aterrorizado presa em algum lugar escuro gemendo. Acordou em um salto, tinha que procurar sua esposa!

Entrou no carro sem saber direito para onde ir, tentou ser razoável e foi à empresa onde ela trabalhava. Subindo ruidosamente pelas escadas da portaria, chamou o elevador. Quando a porta abriu, encontrou com a secretaria do andar dela, perguntou então sobre sua amada. A secretaria disse que ela já tinha saído há cerca de duas horas. Ele ficou em pânico!

Voltando para o carro, saiu cantando pneu, o que teria acontecido a ela? Em alta velocidade tomou o caminho de volta para a casa. Passando na frente da casa de um vizinho próximo sentiu uma pontada, ela estava lá! Parou o carro e desceu, não sabia que força o dizia que ela estava ali, mas quase podia sentir o cheiro dela e até o sofrimento dela! Caminhando pelo caminho de tijolos pensou em uma desculpa para estar ali. Lembrou então de algo, ele era um antigo conhecido dos tempos de escola, ele era apaixonado por Selene, mesmo sem ela jamais ter dado sequer esperanças ao pobre. Ele sempre fora um garoto magro, quase raquítico, olhos esbugalhados, cabelos oleosos e sorriso apático.

As pernas formigavam enquanto se mantinha parado na frente da porta, respirou fundo e bateu. O homem quase caiu de susto ao vê-lo:

-Desculpa, me assustei, não costumo receber visitas, o que você quer?

As respostas entre-cortadas, o suor que começava a escorrer pela testa do outro era sinal de sua culpa, o coração estourando no peito, o fazia ter vontade de voar no pescoço daquele maldito que lhe roubara sua querida mulher!

Ele não convidaria para entrar, estava certo disto, começou a puxar algum papo sobre algum evento local, mas vendo o desinteresse do desgraçado, começou a cogitar se simplesmente invadia ou não a casa. Achou melhor esperar um momento melhor. Quando a porta foi fechada atrás dele, ele tentou voltar com passos firmes para o carro, sentia a nuca queimando, aqueles olhos o comiam por alguma janela.

Deu uma volta pelo quarteirão, podia ouvir um gemido dentro de sua cabeça, pedia ajuda, uma fria gota de suor começava a escorrer por seu pescoço, o tempo dela era curto, pois estava fraca. Só agora podia ver o quanto suas almas estavam em um mesmo compasso, só agora entendia porque aquele amor não se apagava, era mais do que físico, era transcendental.

Desceu do carro correndo, andando ao redor da casa, procurava algum lugar para entrar. Em um quarto nos fundos, onde a luz estava acesa, ele viu uma pequena janela, calculando se passaria por ali subiu em algo para olhar dentro, a viu então amarrada, nua, sangrando, em lágrimas, enquanto aquele homem, dentro do circulo de velas, dizia palavras ininteligíveis enquanto a encarava. Olhou ao redor dela, viu vários animais mortos, o chão estava cheio de poças de sangue, sua mulher parecia em transe, uma musica orquestrada saia de um antigo radio, ele ficou muito chocado para fazer algo, ou estaria sendo hipnotizado por aquela melodia? Não poderia dizer...

Quando a musica parou e o estranho homem foi trocar, ele saiu de seus estado de semi-inconsciente e começou a ter uma forte sensação de medo percorrendo todo o seu corpo, tremeu, olhou ao redor, pois podia jurar que sentira um hálito quente em seu pescoço. Como convicto ateu, jamais creu nestas bobagens, nem deus nem, nem o diabo o preocupava, vivia sua vida apenas, mas aquilo que estava acontecendo o tirava de sua razão cética.

O maldito começou a circular ao redor enquanto a musica tocava novamente, na primeira volta sua amada soltou um gemido, mas a cada volta os gemidos eram mais fortes, como se ela sentisse uma dor cada vez mais profunda. Seu coração começou a sangrar dentro do peito, uma força imensa tomou conta de seu corpo, ele então deu a volta, arrombou a porta dos fundos, chegou naquele cômodo e olhou bem nos olhos daquele maldito, pulando em seu pescoço começou a enforcá-lo:

-Você quer que ela morra?

-Claro que não, seu maldito! Como você pôde fazer isto! Vou acabar com você agora, e a justiça certamente vai me absorver por livrar a sociedade de um monstro!

- Ela não está neste corpo agora... Ela está possuída, por isso geme, sendo sua doce alma consumida por forças alheias a seu conhecimento. -falava com uma voz agarrada, pois ainda estava sendo enforcado.

A cabeça dele então começou a rodar com toda aquela informação, não era possível, nada daquilo existia!

-Tire esta força ou sei lá o que a possui me devolva minha amada seu desgraçado!

-Tem um preço meu caro, eu vendi minha alma em troca de possuí-la por uma noite, e não foi o suficiente, me exigiram também o sofrimento dela...

-Quem te exigiu? E você esta dizendo que possui minha Selene! Maldito, ele sempre te desprezou você não tem amor próprio não é? Vale qualquer preço por um pouco de prazer!

-Eu sempre a amei... Como era o preço que tinha que pagar para tê-la, eu simplesmente paguei...

-E agora você vai libertá-la, ou então te mato!

-Vai me matar de qualquer jeito... Mas isso também não importa, já tive o que eu queria... Só que você vai ter que se sacrificar por ela, está disposto?

-Morrer?

-Talvez...

Tentou imaginar sua vida sem ela, não era possível, ele a amava com todas as células do seu corpo! Ela era sua vida, se fosse preciso morrer, então o faria... Engoliu seco, tentou, pela primeira vez consultar alguma força maior para que o livrasse daquilo, mas acabou simplesmente dizendo:

-Eu morro por ela se for preciso...

Falou com os olhos marejados de a lagrimas, com a mais profunda sinceridade...

Então, de uma forma sobrenatural, uma corrente de vento circular apagou todas as velas, desligando o radio e fazendo a luz piscar. Ouvindo gemidos, vindos de todos os lados e de lado nenhum podia ser ouvido, mas nada se via, no meio da sala então, surgiu uma figura monstruosa, com o resto semi-coberto por uma túnica negra, que permitia vislumbrar um pouco de uma face em decomposição:

-Vim te buscar Andrés... -o maldito tremia de alto a baixo.

Começou a chorar, implorando misericórdia, perguntando por que motivo ela vinha ceifá-lo.

-Você cometeu o maior dos erros meu caro... Não se brinca com o mais nobre sentimento... É algo que vai alem dos tempos mais remotos, é a força que mantêm o mundo em sua posição no universo, é o que rege o equilíbrio cósmico universal...

Augusto ouvia atônito aquele dialogo, mas ao mesmo tempo observava a face ferida de sua amada, que parecia quase sem vida naquele instante. Desviou daquele ser e foi até Selene, ela estava inconsciente, acariciou o rosto dela e sussurrou no ouvido:

-Não morra meu amor, por favor, eu preciso de você!

A figura macabra sugava um tipo de névoa de dentro de André, ele ficou como se fosse catatônico, logo depois disso ela abriu os olhos e sorriu. Ele a libertou, e a abraçou.

-Eu tive um horrível pesadelo meu amor... Sonhei que você estava indo embora... E não voltaria mais...

-Nem a morte pode nos separar meu amor, nem a morte...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 07/01/2007
Reeditado em 05/02/2014
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