O MISTERIOSO MENINO DA FLAUTA

O MISTERIOSO MENINO DA FLAUTA

A pracinha da cidade ficava mais alegre com a presença do Zezinho. Esse era o nome pelo qual era conhecido. Vivia sozinho, lavava sua própria roupa e fazia sua comida... Com um boné e às vezes um chapéu preto de feltro e quase sempre trajando um casaco escuro e botas. Andava limpo. Assim que a barba começou a surgir em sua face, deixou-a crescer, mas sempre bem tratada. Sua companhia diária: uma flauta doce, soprano. Tocava também outros instrumentos musicais, mas a flautinha era sua predileta. Todos paravam um pouco para ouvir. Jogavam algumas moedas ou notas no chapéu ou boné e saíam. No fim do dia, dava um cachê razoável.

Pouca comunicação havia entre ele e as demais pessoas, a não ser através da música. O repertório era amplo: músicas brasileiras, italianas e principalmente hebraicas. Era comum alguém vê-lo em frente à janela com o kippa na cabeça, fazendo suas orações. Numa feita alguém perguntou o porquê dele orar em frente à janela, e não em outro lugar. Ele só respondeu que aquele local seria o lado em que estaria localizada a Cidade Santa, Jerusalém. Levantava os braços naquela direção pra clamar a D’us.

Nos finais de semana que a praça estava deserta, o garoto sumia. Era visto de vez em quando no mato, sentado na sombra de alguma árvore ou na beira de um lago executando lindas canções. Uma das suas preferidas era a canção hebraica “Hevenu shalom aleichem”. Alguns testemunharam que quando tocava canções judaicas, quase sempre chorava. Com certeza lembrava-se do pai, morto na Guerra dos Seis Dias. Num domingo em que se comemorava o dia das mães, dizem que ficou o dia inteiro tocando flauta doce no mato, e sem comer nada. Pouco se lembrava da sua mãe. Esta morreu quando o pequeno misterioso era ainda bebê. Cresceu com o pai até uma certa idade. Quando este se apresentou como voluntário pra combater na guerra, o menino já estava apto a cuidar-se sozinho. Estava preparado. Aprendera desde cedo com o “Abba”, como vencer os obstáculos da vida.

O flautista tinha outros instrumentos musicais em casa. Uma senhora que fazia a faxina pra ele uma vez por semana, o conhecia bem. Tocava pra ela: harpa, piano e cravo. Seus móveis eram rústicos. Não comprava nada fiado. Tudo era pago à vista. O aluguel da casa nunca atrasou. Ajudava o município em algumas obras sociais, no local que se apresentava com seu inseparável instrumento. Às vezes levava algumas coisas pra vender: lenços, meias, ceroulas... Será que o dinheiro para pagar todas as despesas tirava dali? Eis o mistério.

Uma vez os ladrões tentaram assaltar a sua casa, mas não conseguiram. Contaram que havia dois guardas enormes na frente. Estes se aproximaram dos ladrões sem falar nada. Os larápios deram no pé.

Havia uma biblioteca em um dos compartimentos da casa, sortida de livros em português, espanhol e principalmente em hebraico. O que mais se destacava porque ficava sempre aberto: uma Torah.

Franzino e cabelos crescidos com algumas trancinhas, o rapaz foi crescendo. Assim que nasceu barbas deixou crescer e emparelhava-a. Com chapéu e roupa preta... um judeu típico.

Um dia o menino apareceu na casa de José Augusto, proprietário do imóvel e entregou uma chave da casa. Não era a mesma que fora entregue ao seu pai, alguns anos antes. Não existia contrato, a não ser acordo verbal. A fechadura tinha sido trocada. Adiantou cinco meses de aluguel e ainda deu uma certa quantia em dinheiro, e disse que era para pagar algumas despesas necessárias. Pediu ao dono que entrasse na casa só dali a quarenta dias. Depois disso, a cada semana. Seu Guto não entendeu nada, mas concordou.

O moço foi visto sair de casa com duas malas daquelas tipo papelão e uma bolsa a tiracolo. Pegou o ônibus e foi até à cidade mais próxima onde está localizado o aeroporto. Um jornal local fez uma matéria e fotografou um jovem tocando flauta enquanto esperava a hora do vôo. As características eram suas.

Quando completou o prazo que pedira ao dono da casa, este fora até lá. Sobre uma mesa colonial havia um bilhete com letras grandes e sem assinatura. No lugar desta, estava apenas “O Flautista”. Estava escrito: ‘Sr José Augusto e esposa. Desculpem- me por eu partir sem me despedir, mas foi necessário. Qualquer reforma na casa, preserve o jardim que eu fiz. Cuidem bem das flores. Tudo o que tem na casa, é presente para vocês. Com meus pertences, levo a roupa e junto vai minha companheira de todas as horas... a flauta’.

Os instrumentos musicais estavam intactos. Na família ninguém se interessou em aprender. Foram doados para a Secretaria de Cultura do município.

Passaram-se cinco anos que o rapaz foi-se embora. Ninguém sabia para onde, porque era um sonho que nunca revelara a ninguém. O mais provável seria Israel. Alguns pensaram que teria ido para os Estados Unidos, porque lá tinha parentes, ou para a Argentina porque uma vez disse à mulher que trabalhava limpando sua casa.

Numa tarde o carteiro chegou na casa da família. Com um envelope grande destinado ao casal José Augusto e esposa. O remetente era um nome diferente. Ao abrir, uma surpresa: um convite especial em letras garrafais. Escrito em hebraico, e transliterado para o português. No cabeçalho dava pra ver que era de um órgão público. O conteúdo dizia: “Convido o Sr José Augusto e sua esposa Cristina para passar as próximas férias ou quando quiserem, em Israel. Eu mesmo os guiarei para os diversos pontos turístico do nosso país. As despesas de viagens e estadia serão totalmente pagas por mim...”

O maior susto do casal. Dona Valéria Cristina desmaiou ao ver por quem foi assinado o convite. Estava dessa forma: YOSEPH NUN – Prefeito de Tel-Aviv. Logo abaixo da assinatura, escrito em letras de forma: “O MENINO MISTERIOSO DA FLAUTA”.

(Christiano Nunes)

Interação de Adria Comparini, Obrigada cara poetisa

O FLAUTISTA

Menino de alma doce e encantada,

Nem precisava de flauta para tocar...

Porque seu carisma e seu versejar,

Enchiam de beleza todo o lugar..

Sua origem judaica, já conhecida,

Pelo seu belo e forte sobrenome,

Tinham a força que tem o renome..

Dos que nesta terra fizeram guarida.

Seu maior tesouro, era seu coração,

E com ele estava também sua vida,

Mesmo que houvesse uma partida...

E nossas pracinhas, nossas vidas...

Enchiam-se de luz como um clarão,

Ao escutar sua música querida!