Amaldiçoada: fenda do tempo

-Prostituta!

As lágrimas escorriam pelo rosto da moça.

-Maldita cadela dos infernos, eu deveria te matar!

Ele não viu, mas ela deu um pequeno sorriso, pois já estava morta. Quando ele foi bater nela mais uma vez viu seus olhos ficarem em chamas, e se assustou. Ela, então, saiu com um salto pela janela da estalagem, precisava estar longe, pois se matasse movida por tal raiva sua alma estaria condenada para sempre, buscava o perdão, que era o único meio de se salvar.

A transformação já começara, os cabelos estavam ficando negros como penas de corvo, sabia que seus olhos já deviam estar com as chamas ardentes do abismo, corria com todas as suas forças, torcendo para não cruzar seu caminho ser vivo algum, pois seria partido ao meio por suas garras.

Sua desgraça era ter nascido numa época conturbada, num futuro muito distante, onde a tecnologia estava desenvolvida, desejou com tanta ânsia estar fora que vendeu a um preço muito baixo sua alma a um disforme ser, não poderia dar nome a aquilo, mas sabia que era o responsável por aquele castigo. Quando foi assassinada aos 16 anos em sua era foi para um mundo de completa escuridão, sendo uma alma vendida não poderia ter perdão, e nem o inferno era suficiente, então foi amaldiçoada a cair por uma fenda no tempo, renascendo em épocas remotas, tendo como peso ser a personificação do mito local. Nesta época em que estava era uma Nixan, filha das trevas, que trazia nos olhos as chamas do próprio inferno, sugava a vida de homens que seduzia, pois tinha um essência lasciva e assassina, nutrindo seu corpo físico com a carne das vitimas que sugava a força vital.

Maldita mito, como poderia se conter se sua existência se mantinha a partir de carne?! Ao chega à caverna em que costumava se esconder, se viu diante de um ser pálido que a esperava, poderia teme-lo se já não estivesse totalmente transformada em uma criatura das trevas:

-Quem é você?

-Um curioso...

Ele era tão pálido que doía os olhos, o fogo parecia refletir em sua carne branca, os cabelos eram avermelhados, os lábios de um tom carmim, e o olhar sedutor até mesmo para ela. Quando ele se levantou e tocou sua pele, ela sentiu um arrepio, ele não estava vivo, pois sua mão era fria e não sentia cheiro de sangue naquele corpo, era um morto-vivo.

-Não sei o que você é, e também não me importa, sou uma amaldiçoada, não estou interessada em me associar a alguém que não tenha vida pulsando dentro de si...

-Cale-se Nixan! Sei quem você é, sei tudo sobre você, e é por isso que vim te procurar...

Ela o olhou interrogativamente, ele olhava em seus olhos cheios de chamas sem se incomodar, ele acariciava sua pele de veludo sem sentir o corpo ser inundado pelos desejos mais insólitos que a luxuria pode causar, ele era de alguma forma superior a ela, resolveu ouvi-lo.

-Sou um Incubbus, antes que ache que sou o lascivo sugador de energias sexuais, e outras coisas, vou te contar a verdade, talvez me encaixe mais na definição de vampiro ou similar, ainda não me defini, pois, assim como você, sou um amaldiçoado caído na fenda do tempo, meu nascimento é ao acaso em épocas diversas com características diversas, por isso te procurei minha cara, é cansativo demais estar sozinho...

Atônita ela ficou observando-o.

-Você é linda, sempre linda, desde o dia que te vi pela primeira vez há mais de 50 anos eu me apaixonei, segui seus passos, por isso sei tanto sobre você.

Depois de alguns instantes de silêncio ele continuou.

-Somos imortais por sermos mitos, vivemos enquanto acreditam em nós, se não for assim desaparecemos, e no nosso caso simplesmente nascemos em outra era com outra forma e novas características. Não sei quanto tempo ainda acreditarão em mim, se apesar destes 80 anos ainda não sei exatamente em qual lenda me encaixo, só sei de uma coisa quero que você esteja comigo.

-Dois malditos vagando juntos? Se alimentando de pessoas? Assim eu jamais terei o perdão que tanto quero!

-Não há perdão... Quantas vezes já nasceu desde sua morte?

-Sete vezes...

-Eu já nasci treze vezes e nunca recebi instrução, nem nada, vaguei solitário, tentando nem sei se posso dizer viver, mas me deixando existir... Não aguento, quero apenas que esta caminhada seja melhor, fique comigo, por favor!

Olhou para o lado de fora, vendo que o sol estava prestes a nascer o procurou, ele já tinha sumido, teria que pensar muito para aceitar, mas antes de qualquer coisa só sabia que iria matar o maldito que a chamara de prostituta e a agredira, ele seria a prova viva de que o mito de Nixan era real...

Sibila Dyan
Enviado por Sibila Dyan em 26/01/2007
Reeditado em 02/02/2014
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