Já na primeira vez

JÁ, NA PRIMEIRA VEZ

Pela primeira vez, Eduardo de quinze anos, iria sair com alguns colegas para curtir uma discoteca. Sentia-se adulto e senhor de seus atos. A euforia era tanta que duas horas antes do combinado ele estava devidamente vestido e excessivamente perfumado. Por várias vezes parou em frente ao espelho da sala de visitas para alinhar alguns fios de cabelo impertinentes que insistiam em sair do lugar.

Armando e Denise, seus pais, experimentavam a sensação de parte da missão cumprida e, entre olhares, trocavam palavras de conforto e satisfação.

A campainha tocou, Eduardo correu para abrir a porta, Armando e Denise chegaram à sala para cumprimentar os seus amigos Júlio, Bernardo e Mário. Pouco depois, eles saíram para aquela que seria a primeira noitada de Eduardo.

Armando e Denise não conseguiam deixar de pensar a cada minuto, sobre como estaria Eduardo naquele momento. Estaria dançando com alguma menina, conversando com os amigos ou paquerando com aqueles olhares sugestivos como Armando, há muitos anos atrás fizera com ela? Indagava Denise. Armando ia bem mais adiante e dizia: com a facilidade e a liberdade que hoje são dadas aos jovens, nessa altura do campeonato, precisamos torcer é para que a camisinha não se rompa e acabemos vovôs fora de hora. Então dispararam gostosas gargalhadas, as quais serviram para descontrair, pois na verdade estavam bem tensos e preocupados com o filho. Porém, não havia necessidade de tanta preocupação, completou Denise. Afinal de contas, nosso filho está cercado de ótimas companhias como são o Julio, o Bernardo e o Mário, dos quais muito bem conhecemos as famílias, íntegras e honradas.

A madrugada já ultrapassara a metade da noite e acabaram por sucumbir ao cansaço, assim, Eduardo ao chegar, quando o sol se mostrava no horizonte, não foi recebido por seus pais, aliás, exatamente como ele previra, uma chegada gloriosa, independente, única. Acabava de provar a si próprio ser capaz de sobreviver e enfrentar o mundo em que hoje vivemos, repleto de insegurança, criminalidade, drogas e mentiras circunstanciais, totalmente diferente daquele que seus pais imaginavam e para o qual estavam tentando lhe preparar.

Depois de um belo banho e um grande copo de suco, Eduardo entregou-se ao mundo dos sonhos onde se via altaneiro, dominador e o mais emérito dos conquistadores. Afinal, na noite real ele havia “ficado” com uma garota, com quem trocara numerosos beijos. Dormia o sono dos garanhões, ao menos em sua cabeça.

A partir desse dia, tornou-se freqüentador assíduo das baladas noturnas, inicialmente, todos os sábados, depois todas as sextas, sábados e domingos. Seus colegas que já não eram: o Júlio, Bernardo ou Mário, multiplicaram-se e Denise e Armando desconheciam seus parentes ou origens. As gírias e meias palavras tornavam suas conversas difíceis de serem entendidas por seus pais, totalmente avessos à modernidade, as quais o Eduardo fazia questão de explicar.

Alguns anos se passaram, Armando e Denise, já estavam habituados com o comportamento do filho e também com a presença de seus numerosos amigos além do linguajar esquisito que já não lhes causava estranheza, quando tudo lhes parecia natural, a surpresa. A campainha tocou, um senhor de terno e gravata trazia uma ordem judicial para que Eduardo se apresentasse para esclarecimentos na Delegacia do bairro. Embora tentasse que aquele senhor lhe dissesse ou desse uma orientação sobre o que seria, Armando não obteve sucesso.

Quando o filho retornou do cursinho aonde se preparava para o vestibular, agora aos dezenove anos de idade, Armando foi questioná-lo e entregar-lhe a ordem judicial. Eduardo ficou muito nervoso, mas em seguida, procurou acalmar o pai, informando-lhe que, algumas semanas atrás, envolvera-se em uma briga na saída do clube, como dois dos rapazes ficaram feridos e precisaram cuidados médicos, certamente, fizeram um boletim de ocorrência. Armando solicitou que nada contasse a sua mãe porque deveria poupá-la dessas coisas desagradáveis, principalmente, por ela achá-lo um exemplo de filho.

Mas, o caso não era tão simples, Eduardo estava sendo autuado por porte e tráfico de drogas, como também por participar de roubos de caixas eletrônicas.

Com a ordem de prisão preventiva expedida, ele preferiu entregar-se à polícia. Só depois que a notícia foi veiculada no principal jornal da região é que Denise tomou conhecimento do fato. Muito nervosa, saiu do serviço e foi para casa conversar com Armando. Ao saber que ele já estava ciente do fato há algum tempo, sentiu-se duplamente traída, não só por seu marido como pelo próprio filho. Ainda sob o jugo da revolta, tomou uma decisão, arrumou sua mala com algumas peças de vestuário e partiu com rumo ignorado. Alguns anos se passaram, até que Armando não mais suportando as perdas no seu destino, antecipou seu funeral, estrangulando-se com uma corda amarrada no batente da porta em sua própria casa. Saber que já na primeira vez em que seu filho, então, com quinze anos, foi a uma discoteca e vencido pela timidez, aceitou um comprimido oferecido por um rapaz muito alegre, iniciou a triste caminhada para a dependência química, razão porque acabou se afastando dos amigos Júlio, Bernardo e Mário, adquirindo inúmeros outros companheiros aos quais iniciou na mesma trajetória que a sua, por julgar que os libertava da timidez e lhes oferecia uma vida mais intensa, participativa e prazerosa. Porém, outras drogas surgiam e eram testadas por Eduardo, foi assim que ingressou num grupo de aidéticos e veio a falecer aos 22 anos, um ano após o suicídio do pai.

Mais uma vez, Denise tomou conhecimento dos fatos e acontecimentos através da imprensa escrita, quando questionada sobre o porquê da decisão de abandoná-los, foi sucinta e direta: Estávamos convivendo em três pessoas, duas se uniram e deixaram a terceira fora dos acontecimentos da “família”. Depois dos fatos ocorridos e sem ter como escondê-los, vieram à tona. Então, a terceira pessoa achou por bem não interferir na confiança mútua das outras duas e ficou aguardando os novos noticiários.