A rua

“Vem, me abraça, me beija...” essas palavras ainda não saiam da minha cabaça ainda me lembro de seu rosto assustado, seu corpo perfeito encostado na parede. Meu coração pulsava como nunca. Uma mulher linda na minha frente, a vestido azul rasgado em baixo de seu sutiã estavam ao seu lado, e ela só de calcinha naquele beco escuro comigo.

Já passara três anos daquele caso, mas me lembro como se estivesse acontecendo agora. No dia seguinte daquele momento maravilhoso os jornais noticiavam: “Jornalista é estuprada próximo de sua casa”. Aquela rua, desde então, passou a ser evitada por quase todos, mesmo durante o dia, os poucos que ainda freqüentavam eram os moradores que depois de três anos se resumem a apenas dois. Todos saíram daquele quarteirão, era muito escuro e perigoso.

Cheguei por volta de nove horas da noite, mas o relógio insistia em assinalar seis e meia. Não sei como eu ainda tinha esse relógio? Ele vivia parando. Fui de carro, mas o estacionei um quarteirão antes, para não levantar suspeitas. Entrei na rua silenciosamente, andava com passos lentos e procurei as sombras, fiz tudo exatamente como aquela noite. Quando me tornei invisível pelas sombras, calei-me, um silêncio tão profundo como as profundezas da solidão. Talvez até meu coração tivesse parado, mais uma vez. Esperava ansiosamente por alguém, talvez a parte mais difícil de fazer.

Aquele momento, o silêncios, as trevas, etc, fariam qualquer um perder o juízo, mas eu tinha que esperar. Estava extremamente ansioso, só pensava no momento que se aproximava, no grito, no espanto daquele que viria. Todos têm um assassino dentro de si, embora nem todos tenham coragem de libertá-lo. Eu o fiz. Na minha mão ainda se encontrava um dos materiais que usara naquela noite, um punhal de prata.

“Não, por favor... não...” os suplícios da mulher de três anos atrás me vinham a cabeça, seu ondulado cabelo castanho, sua pela clara. Mas eu não teria feito o que fiz se ela não tivesse negado que pedi. Estava de frente para onde tudo tinha ocorrido e toda a cena me vinha a cabeça.

As horas iam passando e a noite ia ficando cada vez mais fria. Não tardou para que uma fina chuva começasse a cair. E foi neste momento que um corpulento homem dobrou a esquina. Seus passos apressados logo puderam ser ouvidos. A figura daquele homem solitário atravessando aquele lugar me deixou realmente espantado, já que depois do que aconteceu a três anos muitas histórias eram contadas sobre aquele quarteirão.

O silêncio era tão intenso que podia até ouvir o coração pulsante do homem, e a respiração ofegante, ele olhava para trás desesperado, como se estivesse fugindo de algo. Ele parou por um momento e se encostou na parede para tomar fôlego. Porém daquele lugar naquela noite ele não sairia. Não há para onde fugir quando se foge de si mesmo, isso eu tinha aprendido há muito tempo. Era essa a minha dor e o motivo de eu estar ali novamente, queria vencer o assassino que estava dentro de mim.

Saltei, então, finalmente de meu esconderijo. Era o momento que eu esperava. A palidez de seu rosto ao me ver destacou-o da escuridão. Aparentava ter uns trinta anos. Era corpulento, com já tinha deduzido, vestia uma camisa azul (quase da mesma cor que a mulher estava usando naquele dia) rasgada e manchada de sangue? Era sangue mesmo, manchas escuras que quando iluminada dava para observar bem o vermelho vivo de sangue. Olhei então para a parede onde ele havia descansado segundos antes e ela também estava manchada de sangue, como se seu sangue ainda estava escorrendo. O que me fez lembrar como o sangue combinava perfeitamente com aquela rua. Suas calças que aparentavam muito velhas estavam imundas.

De frente para aquele homem assustado lembrei-me mais uma vez de três anos atrás quando a mulher me perguntou:

“ ― Quem é você? ― Falava uma mulher de vestido azul, me aproximara calmamente, e na medida que me aproximava ela andava para trás, seu rosto coberto pelo favor, pela mão caía aos poucos alguns papeis e por fim sua pasta. Até que ela tropeçou em um pedra, ou foi em uma garrafa? Não me lembro, mas foi neste momento que me aproximei e sussurrei em seu ouvido:

― Não se preocupe, não farei mal algum, só quero você.

Mas ela me deu um tapa, negou-me o meu pedido e não tive outra escolha.”

O susto inicial daquele homem transformou-se em pavor quando comecei a caminhar na direção dele, seus olhos saltavam de suas órbitas, suas mão estavam trêmulas, mas ele olhava fixamente para a minha mão direita onde se encontrava o meu punhal de prata que tanto tempo ficara guardado. Provavelmente ele teria corrido na direção oposta a que eu vinha, mas a lembrança daquilo de que fugia ainda estava recente.

― Não se preocupe... ― Falei, mas a minha voz foi diminuída pelo ruído da chuva que estava ficando cada vez mais forte. Num impulso, o homem saltou de onde estava e me derrubou. Também tinha uma faca, e tentou me esfaquear, mas antes que pudesse conseguir o que queria segurei sua mão e a torci, sem forças ele acabou soltando-a. Mesmo assim atingiu-me diversas vezes no rosto e na cabeça. Por algum tempo ele desviava do meu punhal, até que eu consegui atingi-lo na perna. Ele caiu e gritou, mas ninguém ouviu nessa hora, a chuva estava forte de mais para alguém escutar algo. Mas assim que caiu pegou uma garrafa de vidro no chão e jogou em mim, ela atingiu minha testa.

Sentia meu sangue escorrer pelo meu rosto, não demorou muito para eu sentir o gosto do meu sangue misturado com a água da chuva que caía. Estava ofegante e cansado, meus joelhos estavam dobrados e uma de minhas mão estava no chão. Mesmo sufocado pelo sangue que escorria pela cabeça, e com o punhal na mão, ergui-me na chuva, e caminhei até meu oponente desconhecido. Ele estava sem saída, sem poder se levantar por causa da perna ferida, e preso contra a parede, tateava o chão atrás de alguma coisa para jogar em mim, sua faca estava a pouco metro de sua mão direita, mas não deixei pegá-la. Coloquei a arma branca em sua garganta e me senti vitorioso, era exatamente o momento que mais esperava, o minuto que precede a morte, só quem me entenderia era uma pessoa com a mente igual a minha, este momento é inexplicável.

Exitei por um instante, minha mente fervia de sentimentos, queria matá-lo, queria cortar-lhe a cabeça, mas ao mesmo tempo me sentia na obrigação de vencer esse assassino que estava dentro de mim. O punhal pressionava sua garganta aos poucos, mas eu tinha que vencer, eu tinha que vencer, eu tinha que vencer esse meu assassino, pensava constantemente.

Enfim ele lançou no ar um último gemido que me pareceu um misto de dor e desespero. E eu perdi. Não consegui vencer. Aquele último suspiro antes de degolá-lo, jamais iria sair da minha cabeça assim como o último suspiro da mulher há três anos.

Saí àquela noite convicto de que nunca mais retornaria para minha casa. Entretanto, fui algoz daquele que deveria ter me libertado de minha prisão carnal. Quantos mais teria que matar até conseguir vencer esse assassino que há dentro de mim? Não sei se me redimi ou pequei novamente naquela noite mas a última cena antes de virar-me: o último suspiro, a camisa dele suja de sangue; ficará guardado para sempre em minhas lembranças. Na manhã seguinte, após acordar de uma noite sono tranqüilo como há muito eu não tinha, li uma estranha notícia no jornal: Um homem (e lá estava a foto do homem que havia encontrado na noite anterior) havia sido encontrado morto em uma rua, degolado momentos após estuprar e esquartejar três crianças.

Baseado no conto: A Rua das Três Meninas de Andreas de Oliveira

Bruno Edson
Enviado por Bruno Edson em 28/01/2007
Código do texto: T361530
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