Satisfação

Primeiro foram os mosquitos. Seres abjetos que infestavam sua casa a cada refeição e a cada fornada de bolo. Descobriu então um veneno maravilhoso que misturado ao açúcar acabava com a praga. Eles eram atraídos pelo açúcar e tinham uma doce morte. Ela assistia pelas tardes os vôos rasantes e os espasmos das perninhas intoxicadas agonizando lentamente.

Depois vieram as formigas, ligeiras operárias do asco que percorriam em silêncio, furtando e saqueando as migalhas do chão. Para elas a mesma solução. Doce morte. Porém não havia o prazer de ver seu sofrimento, elas levavam o açúcar até o recôndito de seu império e envenenavam sua rainha.

Vencidos os inimigos que aplacavam seu tédio, a viúva começou a procurar outros até que encontrou um bom desafio. A árvore do vizinho ao lado. Ela jamais gostara daquela árvore que atrapalhava a passagem e tinha um galho baixo que acertava a cabeça dos desavisados. Fora suas folhas que caíam o ano inteiro se amontoando em sua calçada.

Pensou cuidadosamente e decidiu como um relógio, todos os dias, de manhã e de tarde, regar a bela árvore. Era bonito de ver, todos acham que ela estava a cuidar da última árvore da rua. Entretanto ela estava mesmo era a regar uma morte líquida nas raízes da planta. Inclusive, quando ninguém a via, ela fazia cortes no tronco para a madeira absorver através das feridas o veneno em seu interior.

Demorou meses, quase um ano. Mas ao fim, em uma chuva forte, a árvore foi derrubada destruindo o carro do vizinho no processo. Sua alegria fora imensa e ela já não sabia como parar. Sua necessidade aumentava. Ninguém jamais desconfiou ou descobriu seus atos.

Pôs a mesma água da árvore para os passarinhos beberem e os assistia como as moscas de antes, eles se debaterem em seu quintal e ria como uma criança queimando insetos com uma lupa. Tudo isso contudo, não a satisfazia de todo, faltava algo mais.

Em uma bela tarde de domingo no parque ela estava a jogar pipoca com a morte doce para os pombos, observando como os jovens se assemelhavam às pestes que ela exterminava. Como a vida deixara através dos anos de fazer sentido e como o mundo havia se tornado alienígena e imbecil.

Perdida em seus próprios pensamentos não notou umas criancinhas vindo ao seu encontro, atraídas pela pipoca tão displicentemente doada aos pássaros. Eles, com o brilho nos olhos que só os inocentes possuem, claro, pediram um pouco.

Com um sorriso diabólico a senhora entregou para cada um, um bocado de pipoca. Eles festejaram e engoliram rapidamente aquele primeiro bocado, a velha bruxa, ardilosa, cedeu mais e eles saíram de perto.

De longe ela assistiu os meninos comerem e brincarem. Aos poucos eles foram parando, cansados, com dificuldade para respirar. Depois, desesperados pela asfixia, tremiam. As pessoas começaram a se aproximar para ver o que acontecia enquanto os meninos espumavam pela boca.

Todavia o melhor foram os gritos de terror dos curiosos ao ver que eles haviam parado de respirar. Nunca a viúva tinha se sentido tão feliz em sua vida, nem mesmo nos braços do seu saudoso amor.

Pela primeira vez em anos ela voltou para casa cantarolando como fazia quando moça. Passou o resto da noite ouvindo os velhos discos de bolero dos bailes de antigamente. Feliz, satisfeita.

José Rodolfo Klimek Depetris Machado
Enviado por José Rodolfo Klimek Depetris Machado em 19/04/2012
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