Km-23
 
            - Essa neblina não termina nunca!
            Estavam todos nervosos dentro do pequeno Gol. Eram quatro rapazes agonizando dentro do carro em busca de uma praia que parecia eternamente distante. A aflição da idade, por férias maravilhosas naquele, verão levou-os a reunir as economias e a encherem o tanque do automóvel de um deles em busca da diversão.
            - Maluco, para o carro para a gente ver melhor.
            - Parar o quê? Tá louco? Nessa neblina, na pista sem acostamento, se a gente parar e vier uma carreta... Já era! Não dá. Não dá. Essa p**** de neblina tem que passar. M****!
            Tonico, o motorista e dono do carro estava nervoso e esbravejava. Ninguém tinha ideia melhor, até que Tuco, ao seu lado no banco de passageiros, sugeriu:
            - Cara, vai devagar nas placas para a gente tentar ver onde é que a gente tá.
            Desaceleraram e passaram por uma marca indicando: Mg-XX, Km-23.
            - Puxa, ainda no 23? A gente já não tinha que ter passado por aqui? – Falou o Grota, um dos que viajava no bando de trás.
            - Pior que sim. – Respondeu, Tico, o quarto do grupo.
            - M****, m*****, m******. – Tonico, muito nervoso, não parava de xingar.
            Haviam desligado o som barulhento para não perturbar o motorista.
            - Pessoal, disse o Tico, alguém já notou que faz tempo que a gente não ultrapassa e nem passa por nenhum outro carro?
            - Demais!
            - Falta gente nessa estrada, o que não é comum nessa época, disse o Tuco.
            - Será que a rota tá certa? – Pergunta o Grota.
            - Claro, Mané! Tu não viu a placa de Mg-XX? Estamos na via certa. Não tinha que ter erro. O diabo é essa porcaria de neblina que não passa. Como tá a gasosa? – Perguntou Tico.
            - Estranho, disse Tonico, o ponteiro baixou pouco e a gente já rodou pra caramba.
            - Vai devagar, Maluco, tem outra placa de Km ali na frente.
            O veículo desacelerou e puderam ver, para espanto de todos: Mg-XX, Km-23.
            - Que p***** é essa! – Disse Tonico. – A gente já não passou por aqui?
            - Sinistro, caras, sinistro... Dizia o Grota.
            - Tão de armação e sacanagem com a gente! – Falava o Tico.
            Tonico não sabia o que pensar e falou:
            - Armação quem, Mané? E por quê?
            - Sei lá. Putzgrila. Como vou saber?
            - Não sei, Mano? Qualquer doido por aí!
            Enquanto a discussão seguia acalorada, sentiram uma pancada na traseira do veículo jogando-os para a frente.
            - Quê isso, Maluco? – Perguntou Tico.
            - Sei, lá, falou Tonico. Algum doido bateu na gente.
            - Como é?
            Olharam para trás e viram dois faróis e um veículo aproximando-se e esbarrando, novamente, na traseira do carro. Com dificuldades Tonico segurava o volante.
            - Qualé? Quem é o doido?
            - Sei lá. Ficando assim esse cara vai moer a gente.
            O veículo, que não podiam identificar graças à neblina que ficara cada vez mais densa, emparelhou de lado e começou a bater na lataria tentando lançá-los para fora da via. Em pânico, os rapazes gritavam:
            - Doido! Vai matar a gente!
            - Que faço? – Perguntava o motorista. Se parar a gente se lasca!
            A via, sem acostamento, em região serrana, era um perigo mesmo à luz do sol, ainda mais agora. Tornara-se uma armadilha mortal. O veículo emparelhou de lado empurrando os rapazes contra o meio-fio.
            - Socorro! – Gritavam unidos.
            A porta do lado direito, a do Grota, foi arrancada e esse foi, literalmente, sugado para fora com o cinto e tudo.
            - Grota! – Gritaram. – Deus! Levaram o Grota!
            - Não. Isso não pode estar acontecendo?
            - Acelera, Tonico, acelera!
            O motorista pisou fundo arriscando-se ao máximo. Por mais que corresse o outro veículo emparelhou e, dessa vez, sem que tivessem qualquer aviso, quatro mãos negras surgiram do nada, protegidas pela neblina, e arrastaram o Tico no banco atrás do lado direito para fora.
            - Você viu isso? – Gritou, desesperadamente, o Tuco.
            - Cara, eu vou pirar! – Tonico saía de si e acelerou ao máximo.
            Nisso, sem que pudesse compreender, viu um rasgo monumental na capota à medida que o companheiro Tuco era sugado pelas mãos negras.
            - Devia ter sido um cara bom. Devia ter rezado. Devia ter sido bom. – Desorientado, Tonico acelerava quando viu uma forte luz branca vindo na sua direção colocando as mãos na frente dos olhos diante do impacto inevitável...
 
***
 
            Alguns dias depois, após o alerta do sumiço dos jovens dado pelas famílias, os bombeiros encontraram o carro dos rapazes no fundo de uma ribanceira destroçado após seguidas capotagens. O trabalho foi difícil e retiraram um a um. O primeiro foi o Grota, no banco traseiro atrás do motorista. Puxaram a porta de uma vez, com a ajuda de um guincho. Em seguida, dois bombeiros, com suas luvas negras, retiraram o corpo de Tico, ao seu lado.
            A retirada de Tuco, à frente, teve que ser feita após removerem a capota. Por último, sobrou o corpo do motorista, o Tonico, cujos braços estavam à frente da cabeça em posição de cruz.
            - Dormiu no volante! – Declararam os bombeiros.
            - Dormiram todos. – Falaram para a família.
          – Não devem ter sentido nada. – É o que ficou valendo.

Enquanto isso, quem costuma passar naquela via, pelas cercanias do Km-23, diz ver, muitas vezes, um veículo acelerado, com quatro jovens dentro gritando feito loucos, aparentando ser eternamente perseguidos pelo diabo, em busca de férias que nunca chegam...