O Medo e o Instinto
A maioria dos turistas ia a Monte Verde atraída pelo seu inverno belíssimo, no entanto, eles estavam ali, de volta, para descobrir os encantos da cidade na estação mais quente do ano.
À tarde pegaram a trilha para a Pedra Partida, a 2050 metros de altura, de onde se podia avistar toda a vila de Monte Verde, e ao longe, a Pedra do Baú e a região de Campos do Jordão.
Na volta, Marco insinuou, cheio de malicia:
─ Que tal a gente curtir algo diferente, correr um pouco de perigo?
─ É o que estou pensando? ─ perguntou Manuela no mesmo tom.
─ Humhum.
─ Parece excitante... mas, entrar no meio desse mato todo, com tanto bicho rastejando por ai, não sei não.
─ Eles não estão nem aí pra gente,
─ Eu é que não confio.
─ Nada vai acontecer, eu prometo.
Manuela tinha consciência de que devia seguir seu instinto. Sabia por experiência própria que ignorar a voz da intuição podia significar a diferença entre se dar bem, ou muito mal.
─ Vem! Só consigo pensar em fazer amor com você. ─ insistiu, diante da relutância dela.
Manuela pensou: como resistir à tentação de experienciar um sexo novo e diferente num lugar inóspito?
Meio quê na duvida, segurou a mão do marido e subiu no barranco. A uma distancia, de onde não podiam ser vistos da trilha, arrancaram as roupas, e deram vazão à adrenalina em seus corpos acelerada pela excitação do perigo.
Ainda dividida entre o senso da excitaçao e o senso do medo, no meio do bem bom, viu pelo canto de um olho, uma enorme aranha se aproximar perigosamente, do seu pé.
─ Marido, uma aranha vem em minha direção ─ gaguejou ofegante.
─ Deixa ela pra lá, e se concentra.
─ Não posso, ela está... ─ e num movimento frenético, gritou, como se houvesse um batalhão delas sobre os seus pés.
A cem metros dali, alguém disse:
─ Ouviram um grito de socorro?
─ É de mulher e veio daquela direção ─ falou uma das pessoas do grupo de cinco.
─ Deve estar em apuros. Vamos até lá.
No ápice da paixão, Marco gaguejou:
─ Ficou maluca? Quer atrair pra cá o mundo inteiro?
─ Eu bem que avisei, mas você nem ligou.
No mesmo instante ouviram vozes.
─ Vista-se ─ falou ele, recolhendo as roupas, apressadamente. ─ Estarão aqui em poucos minutos.
─ Onde vamos nos esconder?
─ Não vamos. Inventaremos uma desculpa qualquer.
─ Ah, não! ─ contestou ela ─ Está escrito na nossa cara o que estávamos fazendo, e não vou pagar esse mico. Dê um jeito de me tirar daqui.
─ Bobagem sua, mas se prefere, vamos seguir por ali e sairemos na trilha lá na frente.
O terreno era instável, mas o lugar lindo. A vegetação das mais variadas cores, no entanto, ela só prestava atenção aos sons de grilos e sapos, o sussurro do vento nas arvores; estremecia a cada roçar das folhas em sua pele.
Depois de andarem por mais de hora, chegar à tal trilha lhe pareceu um sonho distante. Desesperou-se.
─ Ai, meu Deus, estamos perdidos, não estamos? E o pior é que vai escurecer. O que vai ser de mim na escuridão com tanto bicho por ai?
─ Calma, amor, vou achar a saída.
Muitas voltas depois, Marco foi obrigado a admitir que se desviara da linha imaginaria que traçara. Imaginou um jeito de dizer à mulher que não havia como prosseguir. Não encontrou nenhum.
─ Impossível continuar ─ falou. ─ Vou construir um abrigo para passarmos a noite, antes que a luz do sol desapareça completamente.
Os olhos dela se encheram com um pânico repentino. Começou a tremer.
─ Por que não confiei no meu instinto? Mas não! Me deixei seduzir pela sua sedutora proposta e olha só no que deu.
Ele a puxou para si, abraçando-a.
─ Não se preocupe, amor. Trouxe o canivete e temos o isqueiro. Posso improvisar uma fogueira e tudo ficará bem.
─ Pra você que já foi escoteiro e está acostumado a dormir na selva. Eu não! Conhece meu trauma, sabe do meu medo.
Recordou a ocasião em que, aos dez anos de idade, passava férias na fazenda dos avós. A cobra coral bem ali, frente à frente, dividindo espaço com ela debaixo do pé de jabuticaba. Estremeceu. Até hoje não sabia explicar como fora parar do outro lado, antes de disparar numa corrida frenética. A voz a despertou.
─ Eu a protegerei. Acredita em mim?
Manuela se esforçou para acreditar. Era a única coisa que tinha.
Viu o marido acender uma fogueira com galhos e folhas secas. Depois, encostou um monte delas e galhos numa arvore, furou o solo com alguns deles e fez um teto com folhas de bananeira.
Quando tudo ficou pronto, disse:
─ Melhor que hotel cinco estrelas com direito à luz do luar e das estrelas, e de graça.
─ Seu cínico! Você está adorando, não é?
─ Relaxa e aproveita.
Ela ia retrucar, mas ele a impediu com um beijo.
─ Vamos terminar o que começamos?
As caricias ousadas quebraram suas ultimas defesas, e ela soltou a imaginação. E, de repente, a cama de bananeira não poderia ser mais perfeita. Fizeram amor até quase ao amanhecer, sob a benção da lua e o testemunho das estrelas.
Acordaram com o sol alto. Dessa vez, Marco não encontrou dificuldade para encontrar a trilha, e não demorou muito estavam no hotel sãos e salvos, apesar dos arranhões e picadas de borrachudos.
Manuela se pegou pensando se o marido se perdera de verdade, ou se fora apenas um ardil para curtirem uma emoção diferente. Fosse o que fosse, o desfecho foi perfeito. Foi a melhor transa que já experimentara em toda a sua vida.
Riu consigo mesma.
Valeu a pena superar o medo e o instinto e curtir a fantasia. Sem ela a realidade não passa de um pesadelo para a falta de amor e inspiração.