"O TEMPORAL"

Ai está o link para você ouvir o conto  com a narração do locutor Guto Russel

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A noite acabava de chegar anunciando o inverno que ocupava o seu espaço. Chovia torrencialmente. O céu agora estava coberto por um manto triste e cinzento, o silêncio era quase que total se não fossem os pingos da chuva, que batiam na vidraça feito pedras, ou pelas confusões geradas no trânsito por causa do temporal. Buzinas, gritarias e de vez em quando, ouviam-se lamentações e palavrões de seres indignados por colidirem em seus carros luxuosos.
Em seu quarto, Raquel em completo devaneio, abraçava três crianças que choravam com medo das assustadoras trovoadas, bem como dos relâmpagos que iluminavam insistentemente todos os compartimentos da casa.
O choro das crianças misturava-se aos trovões que agora eram mais imponentes e Raquel com sua voz aparentemente calma, explicava a todo o momento. – Não precisam ter medo dos relâmpagos e nem dos trovões, esses barulhos são porque o papai do céu, certamente deve esta reclamando como alguma criança que fez teimosia aos seus pais, porém, de uma coisa tenham certeza, Deus, ama a todos os seus filhos sem distinção, pois ele é misericordioso.
Cadê esse homem que não chega. Raquel deixa escapar furiosa entre dentes, mas logo se acalma por admitir que com essa chuva o trânsito transformava as metrópoles, num verdadeiro inferno. Mas, no fundo, toda aquela insegurança que as crianças estavam sentindo naquele momento, também fazia parte da sua angústia, pois, o medo dos trovões e relâmpagos, Raquel também sentia desde que se compreendia como gente.
As horas passavam e depois de tanto explicar, as crianças dormiram mas Raquel depois de sentir-se sozinha, quase consegue acordar o pavor que estava há anos adormecida dentro dela. De repente, numa verdadeira perturbação mental, Raquel pula da cama num ímpeto ao ouvir um barulho que certamente vinha da cozinha, com o corpo trêmulo, coração batendo acelerado, suor frio escorrendo do rosto, Raquel chorava por lembrar-se das cenas macabras a que acostumava assistir nos filmes de terror e temia que aquela cena de ficção que a deixava apavorada fizesse agora parte do seu mundo real, mas para seu completo alívio, percebe que toda aquela confusão foi provocada por seu gato quindim, que possivelmente corria alucinado atrás das suas desejadas presas.
Depois de recuperar-se do susto, Raquel deixou o seu corpo dominado pelo medo cair sobre a cama. Adormece por alguns minutos e logo acorda gritando por que teve um pesadelo que estava sendo perseguida debaixo do temporal por um homem alto, cabelos grisalhos e de capa preta, que corria sem parar atrás dela. Apesar de tudo não ter passado de um pesadelo, ela ainda tremia muito.
A chuva não passava e os relâmpagos de vez em quando exibiam os seus lampejos Raquel levanta-se e vai até a cozinha e toma água com açúcar para tentar acalma-se um pouco, pois, o pesadelo e o temporal a deixaram abalada. Agora um frio percorria todo o seu corpo, era o frio do pavor. Raquel tem a impressão que está sendo observada, por alguém que esta querendo lhe matar. Ouve chamar o seu nome, mas acha que tudo não passa da sua imaginação. Inconformada com sua paranoia abre à gaveta pega uma faca para se defender dos seus inimigos imaginários e quando está voltando para o quarto falta energia. Ela fica paralisada e sente alguém de mão fria segurar o seu braço. Violentamente num gesto desesperado, deflagra no vazio da escuridão diversos golpes na direção daquela mão gelada quem nem mesmo ela tem certeza que a segurou. Pensa no inimigo e rapidamente vários rostos estranhos são projetados por sua mente perturbada, deixando assim, Raquel num profundo solilóquio, balbuciando sem parar palavras indecifráveis. Os trovões agora são realmente assustadores, chove muito ainda, a casa é mais uma vez iluminada pelo relâmpago o que faz ela soltar um grito de pavor. Raquel tem medo de voltar para pegar a vela na cozinha, mas tem que ir, pois tem medo da escuridão. Decidida e como uma guerreira imbatível e de faca em punho ela segue para a cozinha, apavorada sente que esta sendo seguida e um calafrio percorre todo seu corpo. Ela ouve gemidos e tenta ignorar, lembra do vizinho que morreu atropelado e arrepia-se. Acende a vela e não vê nada ameaçador ao seu redor e percebe que tudo isso são frutos da sua imaginação. Será?
Ao chegar no quarto, lembra do marido consulta o relógio e quando vê que já é madrugada, começa a rezar temendo que tenha acontecido algo com ele.
Raquel pega a faca, coloca debaixo do travesseiro, coloca a vela acessa em cima do criado mudo ao lado da cama, beija as crianças e depois de muita dificuldade adormece.
Quando amanhece, percebe que seu marido não chegou, que o lugar que ele dorme continua vazio, as crianças também não estão no quarto, o relógio agora marca 6 horas da manhã. Levanta-se da cama num salto e para aumentar o seu desespero, vê que sua roupa esta toda suja de sangue, começa a gritar, mas ninguém a ouve, nem ela mesma tem certeza que gritou. Levanta o travesseiro e não encontra a faca, consulta todo seu corpo e percebe que não está ferida, lembra dos filhos e assustada sussurra: - Meu Deus! Onde eles se esconderam? Lembra ter guardado a faca debaixo do travesseiro, também lembra da vela que tinha deixado em cima do criado mudo e que também não se encontrava, mas lá. Abre a janela e molha a cabeça com os pingos da chuva por algum tempo, olha vagamente e vê pessoas agasalhadas que saem para o trabalho e lembra do homem de capa preta que a perseguiu no seu aterrorizante pesadelo, fecha a janela, senta impaciente na cama sem nada entender, e de repente, lembra que nunca foi casada que não tem marido e nem filhos e as três crianças que estavam chorando ontem à noite com medo dos trovões e relâmpagos, pareciam tão reais...
Será que estou enlouquecendo? Não pode ser, elas tremiam meu Deus, e eu as tranquilizei, e esse sangue na minha roupa, está impregnado em mim, sinto o cheiro horripilante, não é ilusão. Então, porque não desapareceu juntamente com a faca, com a vela e com as crianças? Imaginando que estava louca, sai do quarto correndo apavorada e quando chega á cozinha depara-se com um corpo estirado de bruços no chão com uma faca cravada nas costas.
Raquel desmaia ao lado do corpo e quando recupera os sentidos, percebe que não são alucinações. Dessa vez é real, está ali, bem na cozinha da sua casa um homem alto, cabelos grisalhos e de capa preta. Raquel grita: - Não pode ser o homem que me perseguiu no meu pesadelo. Agora está ali bem diante dos seus olhos, com a faca cravada nas costas, a mesma faca que ela jurava ter guardado debaixo do travesseiro e a vela. Aquela vela que estava no seu quarto, agora se encontrava ali acessa ao lado do cadáver. Sem nada entender, com dificuldade vira o corpo do homem para ver o rosto do misterioso individuo e para sua surpresa, Raquel depara-se com seu pai que trabalhava como guarda noturno nas agitadíssimas ruas da capital paulista, provavelmente, assassinado, pela confusão mental e sonambulismo da própria filha que tinha medo de trovões e trovoadas.


"O temporal" (Conto narrado pelo locutor Guto Russel/PR)
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