CHANTAGEM
CARLA E DALTON
         Carla colocou seu vestido de noiva que estava no chão no armário, aquela noite tinha sido muito louca.
Dalton dormia na cama, ainda nu, sentiu um frio na espinha, será que tinha feito a coisa certa, ele era um cara misterioso, forte e bonito, nunca falava muito, sempre lendo demais.
         A as coisas estavam bagunçadas na casa, mas ela sentia um incrível bem estar, tudo saiu como queria, um casamento perfeito, com um amor perfeito, ela não confiava em homem nenhum, mas Dalton era diferente, sentiu que ele poderia ser uma exceção quando olhou nos olhos negros e enigmáticos do futuro marido.
         Colocou o café, sentou-se à mesa, estava só de calcinha, sentia o frio que vinha da varanda refrescar o seu corpo, uma noite perfeita de prazer intenso, amor.
Carla, uma professora de filosofia, que não acreditava que sentimentos fossem reais, para ela era tudo fruto de um imaginário, de uma vontade, o que o ser humano queria era o prazer, sentimentos nunca são reais, nunca.
         A sensação que tomava o seu corpo era, ao mesmo tempo prazerosa e cheia de uma “coisa” que em outras horas, poderia chamar de felicidade.
A sua luta para se livrar da influencia de ler Platão, de adorar esse filósofo, foi intensa, leu a sua biografia, diferente de suas palavras, Platão era um antidemocrático, um homem que gostava apenas das ideias, reacionário. Por muito tempo pensou que o mito da caverna fosse uma alegoria para o mundo real e o espiritual, besteira, hoje o pensamento é outro, real é real, intangível tanto quanto o espiritual.
Lembra-se da natureza do real de Hegel, diferença de real e realidade, ou do filme Matrix, ‘bem vindo ao deserto do real’, o ser humano só conhece o real através da dor.
         Queria ligar a música, música dos anos setenta acalmava Carla, não sabia o motivo, mas estava inquieta.
         Um barulho do quintal, um frio passou pela sua espinha, seria um ladrão, uma hora dessas, depois de uma noite regada a amor e vinho, não combinava com ladrão, pegou na gaveta a arma do marido, não queria acordar o policial dormindo, não queria bancar a mulher frágil, havia feito aulas de tiros.
         Fechou o roupão, de arma na mão foi até a porta de entrada, não havia ninguém lá, abriua porta e olhou a garagem, um pouco escura  a luz era fraca. Pensou no seu pai, um ex- policial civil, que no túmulo deveria estar dando gargalhadas vendo Carla casar com um policial, foi seu último pensamento,então tudo ficou escuro.
 
Dalton e o Homem molhado de chuva
         A chuva caia torrencial, o policial bebia uísque na viatura, isso não era permitido, mas Danton havia sofrido uma tragédia, precisava de ajuda.
Nove meses se passaram, Dalton sofria o desaparecimento da mulher, procurou em todos os lugares, no primeiro momento o delegado suspeitava dele.
         A dor da perda piorava com a desconfiança dos outros, andava tomando remédio para dormir.
Dalton procurava o seu amor em todos os lugares, ninguém sabia, muitos davam como morta.
         Bebeu outro gole.
         -Dalton – o policial teve um susto e sacou a arma – posso falar com o senhor um minuto.
         -Isso não é uma forma inteligente de abordar um policial – disse Dalton guardando a arma no coldre.
         -Não tenho muita experiência nisso, sou um advogado, muito medroso por sinal, que está todo encharcado – Dalton olhou para o homem e teve pena, gordo, com um terno surrado, óculos de aros pretos, fora de moda e uma careca reluzente que no momento estava toda molhada.
         -Podemos entrar na cafeteria – disse Dalton apontando para o velho café na praça sete de setembro. – parece que o seu guarda-chuva não está ajudando muito.
         -Claro, estou ensopado – disse olhando para a própria roupa.
         Dalton sentou-se à mesa que costumava sentar, a garçonete, uma imigrante chinesa era esposa do dono, mas flertava com todos os homens, o chinês dono do café parecia não perceber.
         O homem estava desarrumado, não se podia culpar a chuva por isso, era um homem gordo, com alguns botões faltando no paletó ele falava depressa.
         -Espero que não fique violento com que vou lhe falar – disse com cara de choro – saiba que sou dispensável, se quiser me matar agora, eles não ligam.
         -Você está começando a me preocupar com essa lenga-lenga – disse Dalton.
         -É sobre a sua esposa.
         Dalton puxou a arma e engatilhou.
         -O que você sabe sobre o desaparecimento dela – disse apontando a arma, quando todos olharam para ele no café tirou o distintivo e mostrou – é a polícia, esse gordinho é um bandido da pior espécie.
         -Pode tirar essa arma da minha frente – disse o homem tirando o computador da pasta – posso mostrar que ela esta bem.
         No vídeo que ele passou, dois homens com capuz ficava do lado de Carla, que estava nua, um deles apontava uma arma para cabeça dela e falou.
         -Tem que entrar em contato com seu irmão, ele tem que liberar Jorge Figueiredo, tem dois dias para fazer o que mandamos, sabemos do segredo dele, porém não podemos provar, mas sabemos que você sabe, você pode provar, você é um policial condecorado.
         O vídeo foi desligado.
         Dalton botou a arma no coldre e olhou para o homem ensopado a sua frente, estava confuso, como o crime tinha alcançado essa profundidade na sua família.
 Seu irmão, um aclamado e festejado juiz de direito, tinha cometido uma grande falha aos dezenove anos, ele matou o próprio pai quando espancava a mãe na periferia de BH.
 O caso foi considerado latrocínio, tanto Dalton quanto a mãe testemunharam a favor de Rafael, dizendo que um homem havia invadido a casa para roubar, depois que a mãe morreu Rafael cuidou do irmão que tinha apenas12 anos.
         Agora isso.
 O irmão ara o seu melhor amigo. Tinha uma vida se solteirão alguns diziam que era homossexual, mas Dalton sabia que aquela solidão era uma imensa tristeza.
         -Quem é Jorge Figueiredo?
         -Um de nossos associados – disse o indivíduo e pegou uma pasta com fotos – normalmente temos os juízes no bolso, e evitamos o seu irmão, que de uma certa forma tem caráter, mas esse caso foi parar na mesa dele, e Figueiredo sabe muito sobre a nossa organização, poderíamos simplesmente matá-lo, mas como disse é um de nossos associados, o pai dele é um empresário rico.
         -O que ele deve?
         -Homicídio, matou um idiota no trânsito – ele deu uma risadinha – rico temperamental.
         -Não posso chantagear o meu irmão.
         O homem levantou, fez uma reverencia, pegou o guarda chuva e saiu. Antes disse:
         -Dois dias.
 
JORGE FIGUEIREDO.
         -Quem é Jorge Figueiredo – perguntou Dalton ao irmão.
         -O que é? Está bisbilhotando, sabe que não posso falar disso, nem mesmo com meu único irmão – disse o juiz que vestia um terno elegante, estavam na sala do seu apartamento de cobertura onde o juiz vivia sozinho com duas funcionárias, a visão para o mar, o luxo, coisas que Dalton nunca teria trabalhando na policial civil.
         -Se eu contar a verdade fica entre a gente?
         -Claro – disse colocando uma dose de uísque.
         -Os homens que sequestraram Carla, eles estão associados ao tal Jorge Figueiredo.
         -Não me conte mais nada – disse o Juiz colocando o copo na mesa – você tem que sair, vá ao ministério público e conte o que sabe e não me procure mais até resolvermos isso, se Carla está associada a Jorge Figueiredo, pode considerar sua mulher morta.
 
O MELHOR AMIGO
         Pedro, um senhor de setenta anos, advogado aposentado, foi chefe da policia civil quando Dalton entrou na policia, era o seu segundo pai, ele estava cego e vivia em um asilo para idosos, a diabetes tinha “comido” o seu olho e sua perna esquerda.
         -O que foi policial – era assim que Pedro chamava o amigo.
         -Velho Pedro, eu vim pedir um conselho.
         -Isso não é bom, significa que o problema é grave. O quê houve?
         Dalton contou a história.
         -Parece coisa de cinema – disse olhando para parede sem ver, ficava procurando algo no horizonte, Pedro sempre dizia que via a sua morte, ele morreria sozinho do jeito que sempre viveu.
         -Só que é sério. – Disse levantando – a única pessoa que poderia me ajudar é meu irmão, ele disse que tenho que ir ao ministério público, que devo entregar minha arma e distintivo e deixar outro policial assumir as investigações, como ele pode ser tão frio?
         -Não se engane com as pessoas, elas são assim – ele virou e tirou do bolso um celular, sem se embaraçar discou o número. – Alberto, você conhece um puto chamado Jorge Figueiredo?
         Dalton ficou escutando o amigo falar ao telefone.
         -Um milionário, matou atropelado um motoqueiro no transito, as câmeras pegaram tudo, um horror, forçou o carro e arrastou o cara uns quinhentos metros e agora o seu irmão quer fazer dele um exemplo, isso foi há dez meses – disse balançando a cabeça. – Parece que seu irmão tem vontade de chegar a desembargador. Um homem acima de qualquer suspeita, mas com muita ambição política.
         -Ele sempre teve ambição de crescer até onde o céu é o limite, ministro do supremo, afinal tem apenas trinta e três anos – disse Dalton – meu irmão preferia morrer a ver a sua honra maculada.
         -Nem depois da morte ele gostaria de ver a sua honra maculada, talvez aceite a sua chantagem – disse o amigo.
         Ele tinha razão, se ameaçasse o irmão com chantagem ele cederia, mas o que sobraria dos dois, Dalton tinha dúvidas, também não saberia se os bandidos cumpririam a promessa, pensou na frase em inglês.
         - I have no choice.
COMO CONHECEU CARLA
         A vida toda sonhou com uma pessoa que o amasse sem interesse e que pudesse deitar do seu lado e confiar a sua vida, em um dia de frio em BH, caia uma chuvinha, Dalton descia a Afonso Pena quando esbarrou em uma ruiva cheia de livros nas mãos.
         Dalton sorriu para Carla, pois ela viu a sua arma, nesta época desenvolvia uma investigação, em conjunto com a polícia mineira de um sequestro e estava passando uma temporada em BH.
         -Hegel, Kant – disse Dalton – você lê pesado.
         -Sem trocadilhos – disse Carla, que logo gostou do jeito inteligente do policial – não deveria esconder o seu brinquedinho?
         O resto foi uma consequência, a beleza de Carla às vezes sufocava Dalton, passou a amar a mulher mais que qualquer coisa, seus domingos tristes acabaram quando ela aceitou o pedido de casamento.
         Carla passou em um concurso na universidade federal em Vitória, começaria a sua vida depois do grande dia, o dia que sonhou.
         Foi também o dia que tiveram a maior noite de amor que Carla desapareceu, como poderia viver sem ela? Faria tudo para ter seu amor de volta.
 
CONVERSA COM O IRMÃO, FALTANDO DUAS HORAS PARA O PRAZO ACABAR.
         Dalton viu o irmão entrar no carro, seguindo ele dois seguranças, policiais civis que Dalton conhecia.
 O terceiro segurança era um policial militar, os três seguranças estavam armados e dispostos a tudo, então ele levaria aquilo até o final.
         O primeiro segurança que acertou foi o militar, não queria atirar, mas ele reagiu e sacou a arma, a bala entrou pelo osso temporal e atingiu o vidro do carro. Com o silenciador quase não fez barulho, então Dalton entrou no carro de apoio.
         Os dois seguranças que iam um dirigindo e outro no carona, enquanto o juiz lia uma revista no banco de trás.
         Quando chegara na esquina, foram surpreendidos por Dalton, que nem esperou que reagissem, atirou em um no osso temporal direito, no outro a bala entrou na boca, saindo pelo occipital.
 Só então ouviu o irmão falar.
         -Que é isso?
O TELEFONEMA
         -Dalton aqui é o Dimas, estou aqui com um recado, pode falar – Dalton disse sim - seu amigo, aquele velho policial ligou – Dalton ficou ouvindo no viva-voz.
         -O que ele falou? – disse Dalton.
         -Que o alvo dos bandidos é outro.
         -Como assim?
         -Não sei, só disse isso – disse Dimas, com certo tremor na voz e completou – ele apareceu morto.
 
IRMÃO CONTRA IRMÃO.
         -Você matou três pessoas – disse Rafael.
         -Faz parte da minha profissão – disse Dalton – você não deu a mínima para o desaparecimento de Carla, só quero que liberte o Figueiredo, depois estamos quites.
         -Nunca estaremos quites – disse o irmão.
         -Se não liberta-lo contarei tudo, viverá em desonra, será preso e aposentado compulsoriamente.
         -Você enlouqueceu, sabe o que eles querem? Esse Figueiredo não é nada, eles querem que eu pegue uma arma e atire na minha cabeça, o julgamento grande deles ainda estar por vir, o chefe dessa organização é um industrial de nome Lucas Da cunha, a policia federal está perto de prende-lo, se fizer, sou o único que pode conduzir as investigações.
         -Tudo que eu quero é que libere o Figueiredo – disse Dalton – estamos falando da vida da mulher que amo.
         -Estamos falando de um conceito abandonado, ética, você acabou de tirar a vida de três pessoas para poupar uma, apenas por que se interessa por essa pessoa, não pode fazer isso, a vida humana vale mais.
-Sabe que não me interesso por isso, moral e ética? Isso não passa de sonhos de filósofos.
-Eu procuro pautar minha vida pela moral.
         -Você matou nosso pai – disse Dalton.
         -Você sabe que foi um acidente, ele espancava nossa mãe, tive uma visão que ele ia mata-la – disse Rafael, seus olhos estavam vermelhos e ele estava exausto.
         Dalton olhou no relógio, faltava meia hora para o prazo, se o irmão não cedesse a sua amada, a última esperança de ter uma vida normal, estaria morta, nunca pensou que o irmão fosse capaz de tomar a ética a um ponto tal que provocasse a morte da cunhada.
         -Minha mulher vai morrer em quinze minutos, tudo que você tem que fazer e dá um telefonema.
         -Sabe que não farei esse telefonema – disse Rafael.
         -Não fará por que não sabe o que é amar ninguém, apenas gosta de poder de mandar e estar à margem da lei por ser juiz – Dalton engatilhou a arma.
         -Vai me matar? – perguntou Rafael.
         -Não, não sou esse monstro que pensa que eu sou – deu um tiro no joelho direito do irmão – aqui vai embora o seu miserável jogo de tênis – depois deu outro tiro no joelho que ainda sustentava o corpo – agora a sua elegância.
         -Será preso por isso.
         -Não ligo, já perdi tudo.
Desceu a rua, dois homens de capuz param seu carro. Empurram o corpo de Carla nu e sem vida, Dalton abraçou a mulher e chorou.
 
A mídia
         Juiz mata pai por espancar mãe, era a manchete no jornal. Rafael olhou para a outra manchete de rodapé, mulher de policial é encontrada morta.
         Tinha outra manchete: “mulher de policial é encontrada morta”.
         Rafael colocou a arma na cabeça e atirou.
         O homem encapuzado que observava Rafael ligou para alguém e disse:
         -Está feito, ele se matou.
        
 
        
         3
 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 08/12/2012
Reeditado em 23/04/2013
Código do texto: T4026150
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