A Besta da Floresta
 

            Adultos costuma contar histórias de medo para intimidar crianças a não fazer o que não devem. Cria-se, então, o louco da rua, para que não saiam a toda hora. Tem-se também a borboleta dentuça, que fica sobre os telhados, para que não se arrisquem por lá. No entanto, o que criaram em nossa cidade do interior, tornou-se real: era a besta da floresta.
            O terror era tamanho, que ninguém acampava por lá arriscando um pernoite que fosse. Pequenos animais, das fazendas próximas, costumavam desaparecer, sendo tragadas para as entranhas da noite. Ouvia-se, por muitas vezes, nas noites de frio mais denso, um uivar estranho, que não era humano, nem de nenhum animal conhecido.
            Um grupo de jovens, da capital, desavisados, resolveu pernoitar por lá. Foram encontrados fugindo apavorados, tendo sido, segundo eles, perseguidos na noite por uma fera incomum, misto de homem e demônio, segundo diziam. Abandonaram, na correria, vários apetrechos e alimentos que, em uma busca no dia seguinte, haviam desaparecido.
            A floresta era recinto proibido, mas um grupo de homens, querendo ocupá-la por fins econômicos, decidiu por fim ao terrível ser. Resolveram acampar e, naquela noite, ouviram seus gritos. Tiveram contra eles pedras e tocos arremessados. Dispararam tiros a esmo contra o breu da noite e o seu manto de paz soturna.
            Viram, no dia seguinte, que a besta fora ferida.
            - Se pode sangrar, pode morrer! – Disseram confiantes.
Seguiram seu rastro de sangue até chegar a uma gruta escondida sob uma densa folhagem. Corajosos por trás dos canos das espingardas, avançaram os três pelo tubo que poderia encerrar-lhes a vida para sempre. Munidos de lanternas, após centenas de metros, sentiram o odor de animais apodrecidos e viram vários ossos e carcaças em estado de decomposição. Sabiam que a fera estava próxima, sentiram sua respiração ofegante e sôfrega.
            Ao se aproximarem, viram iluminado pelas suas luzes, uma criatura deformada, com o olhar humano, apesar dos maus-tratos, coberta por pelos do corpo, hematomas, feridas que criaram crostas sobre crostas adensando em uma camada que lembraria escamas. Cobrindo os olhos em horrível pânico, debilitada pelos ferimentos, acabou desmaiando em seu último esforço em uma pálida tentativa de fuga.
            Trazida à cidade, após muitos exames, os médicos constataram sua deficiência mental, além de deformações que deve ter arrastado desde o nascimento, sendo seu quadro agravado pelos maus tratos de tantos anos de abandono contínuo. Sua origem nunca ficou inteiramente esclarecida. Os pais podem tê-la abandonado ao nascer, ou podem ter morrido quando ainda era pequena e, assim, teve que sobreviver no abandono. Virou-se como pôde, longe do olhar humano e terminou por reforçar a mística de uma lenda.
            Hoje, em um abrigo psiquiátrico, recebe tratamento adequado e aprendeu a falar. Passou por cirurgias reparadoras e recebeu atenção e carinho. A besta morreu ao nascer aquela figura frágil e dócil, mas a lenda persiste e, ainda hoje, os pais de nossa comunidade aconselham os filhos a não avançar pela floresta:
            - A besta ainda mora lá! – O que comprova a tese de que as lendas não morrem jamais...