Se você não leu o conto “Dessa Vez Ela Não Veio Jantar”, confira o texto!
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Na sala havia uma quietude anormal misturada com uma tremenda apreensão.
Dona Diana abraçava Seu José e o filho Pedrinho com grande ternura. Talvez um dos dois estivesse partindo para sempre.
 
Dulcinha apoiava a cabeça nos braços do esposo expressando uma aflição contagiante.
 
Tio Macedo havia trocado a calça melada.
 
Maroca e Josefa disfarçavam as lágrimas rolando nos rostos.
 
Quase dezessete horas a campainha do portão tocou.
Um funcionário de Edgar trazia  informações importantes para o empresário.
Edgar despachou o homem bem rápido, pois não conseguia se concentrar em coisa alguma já que temia a chance de realizar a viagem definitiva.
 
Antes do pôr do sol, a Senhora Morte abandonou o quarto de Pedrinho pretendendo partir.
Ela cumprimentou o garoto, depois falou carinhosamente com Tio Macedo, seguiu apertando a mão de Seu José.
Nesse instante Dulcinha deu um grito e agarrou o marido.
A Senhora Morte, sempre perspicaz, falou:
_ Edgar, eu espero que, na próxima ocasião, possamos disputar uma partida de xadrez.
Edgar sorriu pálido e estendeu a mão para a Senhora Morte.
Todos ficaram muito aliviados e confusos.
Afinal de contas quem era o viajante?
 
A Senhora Morte saudou todas as mulheres e foi saindo.
De repente ela parou e disse:
_ Ah! Quase me esqueço...
Dulcinha novamente deu um grito, segurando forte o ombro do esposo. Dona Diana abraçou firme o marido e o filho.
Tio Macedo mais uma vez fez xixi na calça.
 
_ Maroca querida, você poderia me dar a sobra do bacalhau? Seria ótimo poder saborear sua comida tão saborosa durante a viagem de volta.
Vovó Maroca, trocando as palavras, solicitou que Dona Josefa providenciasse o bacalhau.
A empregada trouxe uma vasilha com o bacalhau e algumas fatias do bolo de fubá servido no café matinal.
A Senhora Morte agradeceu, sorriu e foi embora carregando, além da vasilha, a tradicional foice fúnebre.
 
Todos permaneceram silenciosos e imóveis.
Foi possível ouvir o portão sendo aberto e fechado.
Após dez minutos, Edgar interrompeu o silêncio:
_ Parece que a Senhora Morte blefou! Que bom!
 
Quatro horas depois, Vovó Maroca, que realizara o seu habitual passeio conferindo o jardim, reuniu a família e explicou que o viajante foi Rex.
A adorável vovó, ao verificar a comida do cachorrinho, pôde perceber que sua casinha, perto do portão, na parte interna da mansão, estava vazia.
 
Nesse momento certamente vocês perguntam:
“Rex? Ilmar, que história é essa de cãozinho?”
“Você nunca falou que existia um cachorro!”
Alguns leitores, um pouco mais exaltados, talvez digam:
“Que palhaçada é essa, poeta?”
 
Calma!
Muita calma nessa hora!
Rex não existia nos contos anteriores.
Há cerca de cinco semanas, Edgar presenteou Vovó Maroca com um bonito cachorrinho.
Maroca aprovou o presente e fez uma casinha no lado direito do portão a qual se tornou a morada de Rex, nome sugerido por Josefa.
 
Rex possuía uma característica especial, pois ele não latia igual aos outros cachorros.
Qualquer cachorro faz Au!Au!. Pode alterar a entonação ou outros detalhes sonoros, contudo sempre o latido de um cão será Au!Au!.
Rex era diferente, pois o danadinho fazia Au! Au! Au!.
Pedrinho costumava brincar com o alegre animal, estimulando que ele fizesse Au! Au! Au!.
Rex era fofo demais.
 
Sobre o fato de jamais eu comentar a novidade, vocês devem compreender que tiraria toda a graça do suspense.
Além disso, foi desanimador ficar sabendo que Rex partiria.
No texto de ontem, eu revelei que, antes dessa terceira visita ocorrer, a Senhora Morte, numa lanchonete, me contou quem seria o viajante.
Eu argumentei, pedi a ela que deixasse Rex viver um pouquinho mais, que o Au! Au! Au! dele faria bastante falta, que Vovó Maroca sofreria demais, no entanto não adiantou.
A Senhora Morte afirmou que não tinha jeito.
 
Na tarde da amarga informação, quando combinamos que o conto seria dividido em três partes, além da aflição de saber que Rex viajaria, experimentei mais duas frustrações.
Uma garçonete gostosérrima perguntou o que a gente beberia.
A Senhora Morte pediu uma coca-cola geladinha, entretanto a moça surpreendeu esclarecendo que eles só possuíam pepsi.
A Senhora Morte topou.
A gostosa olhou para mim e indagou:
_ Pode ser?
Eu respondi Não (eu não curto pepsi).
Fui obrigado a tomar uma água mineral sem gás.
A Senhora Morte comeu dois quibes, uma coxinha de frango e uma empada. Eu não quis nenhum salgado.
 
No término desse encontro traumatizante demais, depois que a Senhora Morte finalizou a conversa e saiu acompanhada de um cidadão o qual nunca vi gordo ou magro, eu resolvi pedir o telefone da garçonete.
Imaginei assim Rex perde a casinha, a gata eu levo pra caminha!.
Matando a minha ilusão, a gostosa apontou para o canto da lanchonete, me fazendo notar a presença de um brutamonte que parecia estar garantindo a segurança do estabelecimento.
_ Ele é meu namorado - disse a moça sorrindo.
 
Percebam bem!
Primeiro só tinha pepsi!
Depois fiquei sabendo que o cão fofo de Vovó Maroca viajaria!
Terceiro levei um fora da garçonete!
Agora vocês ainda reclamam comigo porque eu não contei nada sobre Rex!
 
Por favor! Tenham pena de mim!
 
Caso não existisse Rex e viajasse um dos marmanjos da casa, o que vocês diriam?
Se o viajante fosse o careca (Seu José), o tarado (Edgar) ou o mijão (Tio Macedo), o que vocês diriam?
E se fosse o garoto Pedrinho?
Admitindo a última hipótese, provavelmente vocês insinuariam que eu sou insensível e desumano.
 
Eu lastimei a escolha da Senhora Morte, galera!
O Au! Au! Au! do Rex é insubstituível e inesquecível.
Apesar do profundo abatimento, a partida dele terminou sendo muito providencial, possibilitando que a família porreta de Vovó Maroca continuasse feliz e unida.
Conforme diz o provérbio “Dos males o menor!”.
 
Convicto de que vocês compreenderão a situação, peço licença para concluir o conto.
 
Depois que Vovó Maroca esclareceu tudo, Dulcinha e Edgar decidiram tirar o atrasado.
Pedrinho finalmente conferiu as minhas novas piadas.
Josefa resolveu assistir Silvio Santos.
Dona Diana e Seu José ficaram conversando com Vovó Maroca na cozinha.
Tio Macedo, após tomar um banho e colocar uma nova calça, bolou alguns causos inéditos inspirado na visita recente.
 
A madrugada foi tranqüila.
Não surgiram lobos, ninguém escutou gritos dos vizinhos, as janelas permaneceram imperturbáveis, não houve tempestade, as corujas desapareceram.
Incrível!
Houve momentos, porém, que a tranqüilidade
da madruga foi interrompida.
Dulcinha às vezes gemia bem alto, não resistindo às intensas bingoladas do seu esposo e Pedrinho não conseguia conter as gargalhadas relendo minhas piadas.
Tais barulhos não incomodavam os outros membros da mansão, que puderam desfrutar um sono bastante reparador sem nenhuma preocupação ou ansiedade.
 
No dia seguinte Edgar apareceu com um novo cachorrinho.
Vovó Maroca gostou, no entanto logo percebeu que o cãozinho apenas realizava o Au! Au! o qual todos os cães fazem.
Ela recordou o Au! Au! Au! especial do saudoso Rex.
Edgar também trouxe um papagaio, um gatinho e galinhas.
Era importante prevenir.
Com um grande número de eventuais “viajantes” irracionais, a Senhora Morte, voltando à mansão, teria outras opções antes de escolher levar um ser humano.
Esse raciocínio parecia bem inteligente.
 
Seu José pediu a Dona Diana que costurasse algumas calças para Tio Macedo.
Pedrinho não desgrudava dos meus textos e saiu espalhando minhas piadas nas redes sociais.
Edgar e Dulcinha decidiram aproveitar a bela noite bingolando.
Dona Josefa anunciou que faria uma feijoada na terça para celebrar a vida.
 
Naquele final de segunda-feira o jardim da agradável mansão parecia mais florido e perfumado.
Maroca ficou horas contemplando a lua deslumbrante.
Quando ela escutava o Au! Au! do novo cãozinho, ainda sem nome, a doce vovó sorria.
 
Dessa forma, meus estimados leitores e queridas leitoras, eu concluo o nosso conto.
 
E todos seguiram felizes para sempre...
 
... Até uma nova visita da Senhora Morte.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 17/04/2013
Reeditado em 17/04/2013
Código do texto: T4244751
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