21 GRAMAS

Cleintinho acordou. Todos dormiam ainda, passou por cima dos irmãos que estavam deitados no colchão no chão, com todo cuidado para não acordar eles. Era um cômodo só, 7 metros por 5, cinco crianças, ele e a sua mãe. Se arrumou e alimentou o pintassilgo – gostava muito desse pássaro que pesava 21 gramas. Tinha uma fita a fazer, saiu sem ninguém ver.

Neide, coroa enxuta, era muito vaidosa, não aparentava mãe de sete filhos. Seus filhos nunca passaram fome, mas quando tinha um dinheiro sobrando gastava consigo – cosméticos, roupas e cabeleireiro. Dava motivo para as fofocas “seus filhos andam como menino de rua e ela gastando com besteiras”. De certa forma era uma verdade, seus filhos foram criados na rua, “a deus dará”. Mas é ser simplista colocar a culpa nela, fazia de tudo pelas crianças. Todo dia a mais-valia para padrão a esgotava, se não é o “risca-faca” uma vez por mês para aliviar o estresse, já tinha chutado “o balde”.

Cleintinho esticou 21 gramas, enquanto o parceiro arrumava a nota, estavam prontos.

Neide nunca teve sorte com amor, cada relacionamento terminava quase do mesmo jeito, homem sumido de uma hora para outra e deixando uma prole. Traz consigo uma amargura que inquieta as suas noites - seu primeiro filho foi assassinado, em frente de sua casa, treta por droga, tentou mandar o menino para morar com a tia, mas não deu tempo. Dificilmente falava desse assunto com alguém, nunca foi de reclamar da vida.

Cleintinho tinha adquirido o passarinho na feira do rolo, trocou por um celular ching-ling 4 chips. Sua mãe via vários coisas chegar em casa, questionava a origem, o rapaz dizia que tinha feito rolo. Sabia que ele não era santo, mas não fazia noção do que andava fazendo na sua ausência. Sua mãe não poderia ofertar as suas necessidades, tinha que correr atrás.

Neide tava de folga e acordou varias vezes na noite assustada, pressentimento ruim. Olhou para chão, faltava um. Do lado de fora o passarinho amanheceu morto na gaiola.

Cleintinho estava envolvido em umas fitas erradas. O parceiro veio dar a noticia.

Neide ficou estática. Não derramou nenhuma lágrima, embora um tsunami desaguava por dentro. No inicio do século 20 o Dr. Duncan MacDougall disse que a alma pesava 21 gramas. Estava desgastada com toda obrigação e sofrimento que a vida ofertou. A sua alma tava carregada, a perca de mais um filho fazia com que sua alma pesasse uma tonelada. A maquiagem era como um escudo, não mostrava o que realmente sentia no cotidiano. Ela não era de demonstrar a tristeza. Pai e mãe ao mesmo tempo ela não poderia transmitir franqueza. Soluçava na cama na madrugada quando todos estavam dormindo.

Até nessa hora tem buchicho: “Nossa, nem chorou no enterro do filho!”

Danilo Góes
Enviado por Danilo Góes em 23/04/2013
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