Floreios Carmim

A noite estava entediante e muito quente. O meteorologista da TV, naquela manhã, afirmou que a temperatura no final da tarde chegaria a trinta e um graus. O clima seco de verão fazia com que o ambiente se tornasse sufocante. César procurava o que fazer em frente ao ventilador. Esperava ter alguma idéia para depois sair da brisa refrescante. Não arriscava perder tempo pensando fora do vento. Já havia aberto praticamente todos os botões da camisa, mas, mesmo assim, continuava a suar. Quanto ao programa para aquela sexta-feira, resolveu assistir a uma fita antiga, talvez à entrega de algum Oscar. Possuía gravadas todas as premiações dos últimos seis anos e, a julgar pela sua paixão pela sétima arte, não iria deixar de gravar as próximas.

Começou a assistir a filmes quando ainda era garoto. Sua tia Faustemira o convidou para ver Highlander – O Guerreiro Imortal, um filme que acabara de sair em vídeo quando este ainda era um equipamento caro. Na verdade, ele estava curioso para saber como funcionava esse aparelho, para depois contar aos amigos que já havia assistido a um filme em um vídeo-cassete. Além dele, o único que tinha visto um equipamento desse era Weber, na sala de sua casa, para ser mais exato, afinal, ele tinha tudo o que o dinheiro poderia comprar. Mas, quando César viu os primeiros dez minutos da história, ficou perplexo. Começava ali sua paixão por suspense, mistério, ficção, magia, ocultismo, sobrenatural, terror... Depois disso, não saía mais da casa de sua, além de tia, melhor amiga.

Sem muitas opções, foi até o escritório e dirigiu-se para uma grande estante de madeira. Nela havia centenas de fitas VHS com gravações de filmes antigos, muitos deles nem lançados em vídeo. As grandes produtoras não investem para que o público comum possa adquirir seus filmes favoritos. Resta então vê-los pela TV. Várias emissoras possuem um acervo muito rico em produções cinematográficas antigas, mas só as exibem nas madrugadas afora. Talvez pelo simples fato de não dar tanta audiência quanto as mais atuais. O público para esses clássicos é mais restrito. Nele se inclui César, um cinéfilo inveterado que ficava a madrugada inteira acordado para poder gravá-los. Isso nos tempos difíceis. Agora ele já podia desfrutar de produções lançadas em DVD. Em sua coleção, encontramos pérolas como Gilda, O pecado mora ao lado, El Cid, Do mundo nada se leva, A felicidade não se compra, entre muitos outros.

Levou seu indicador até as fitas e o correu horizontalmente, título por título, até pousá-lo sobre o estojo Oscar 1997. Pegou-o e voltou até a sala. Sentiu um enorme alívio ao sentar novamente sob o foco do ventilador. A brisa balançou os cabelos em sua testa. Curtiu com os olhos fechados aquele momento refrescante.

Colocou a fita no vídeo-cassete e sentou-se esparramado no chão da sala como era costume fazer sempre que ficava em frente à TV. Após alguns segundos com a tela chuviscando, a imagem apareceu. Mais uma vez iria assistir à entrega do Oscar de 1997. Já era a quarta ou a quinta vez que isso acontecia. Já sabia de cor que Titanic ganhara o Oscar de melhor filme; Jack Nicholson e Helen Hunt o de melhor ator e melhor atriz, respectivamente, e o de roteiro adaptado tinha ido para Los Angeles – Cidade Proibida.

Era interessante vê-lo torcendo, para que os filmes e atores de sua preferência ganhassem em determinadas categorias, pois as premiações ocorreram anos atrás. Mas isso não era problema. O importante para César era vibrar de alegria e isso ele fazia até demais.

O tempo estava passando depressa como sempre acontece quando as pessoas se divertem, ainda mais com as peripécias de Billy Crystal, na figura de mestre de cerimônias do Oscar. Suas piadas e brincadeiras inteligentes faziam com que todos, tanto atores presentes no auditório, quanto telespectadores, gargalhassem. É claro que existem piadas que os intérpretes não conseguem traduzir e isso atrapalha a compreensão de quem não entende uma palavra sequer de inglês. Mas isso não era problema para César, porque dominava o idioma.

Já estava quase na metade da cerimônia quando percebeu que seus lábios estavam secos, bem como a garganta. Sentiu vontade de beber algo. Pausou a fita e levantou-se. Foi um choque térmico sair do vento e, de repente, sentir um enorme bafo quente por todo o seu corpo. Arrepiou-se. Precisava voltar rápido, pois não agüentaria muito tempo naquele calor. Correu para sua pequena adega localizada no armário da cozinha, em cima da geladeira. Pequena mesmo, já que só havia quatro garrafas. Sem hesitar, pegou uma de vinho e abriu a gaveta de talheres à procura de um saca-rolhas. Estava uma bagunça. Morar sozinho é muito difícil, ainda mais para um homem.

Sua casa era uma verdadeira balbúrdia. Havia roupas espalhadas por todos os cantos. A cama de casal não era arrumada havia três semanas, pelo menos. A pia estava sempre cheia de copos e pratos, afinal, ele só lavava algum objeto quando iria usá-lo. Não é difícil imaginar como é procurar alguma coisa nesse ambiente. O fato era que César, depois de revirar gavetas e dentro da pia, desistiu de procurar.

- Não é possível! – disse ele, segurando a garrafa com uma das mãos e coçando a cabeça com a outra – Onde foi que o coloquei?

Parou um momento e ficou imóvel. Jogava a garrafa de uma mão para outra. Parecia se esforçar para lembrar, mas foi interrompido pelo telefone que tocava na sala. Foi andando calmamente até lá. Pegou o telefone sem fio, que estava na base em cima da estante, e sentou-se novamente em frente ao ventilador. Sentiu o frescor da brisa mais uma vez.

- Pronto!

Era uma voz masculina do outro lado da linha.

- César?

- Sim, quem é? – perguntou, olhando inconformado para a rolha da garrafa.

- É o Gabriel!... Tudo bem...?

Era o vizinho que morava apenas a quatro casas acima.

- Oi, Gabriel! Tudo bem?

César pôde notar pela voz que ele estava um pouco nervoso.

- Tudo! ...César, será que eu poderia conversar um pouco com você?

O vizinho foi direto ao assunto, deixando-o curioso, pois nunca tiveram muita intimidade. Era só um oi simples quando se encontravam na rua. Os maiores contatos que tiveram foram durante as festas de fim-de-ano, quando todos saíam às ruas para se cumprimentarem uns aos outros.

- Por mim, tudo bem.

- Ótimo! Estou indo para aí agora.

Antes de desligar, o escritor gritou seu nome.

- Gabriel?!

- Oi? – respondeu, prontamente.

- Por acaso você tem um saca-rolhas para me emprestar?

Era a última esperança de se tomar vinho naquela casa.

- Claro! Eu vou levar.

Despediram-se e desligaram. César sentiu-se aliviado, já que não precisaria mais procurar na bagunça que ele próprio criou. Não demorou mais do que cinco minutos para que o vizinho gritasse o seu nome.

- Entre aí. – disse, com a cabeça para fora da janela – O portão está aberto.

Abriu a porta da sala e convidou Gabriel a entrar. Ele nunca havia estado na casa de César. Meio retraído, pediu licença. Quando entrou, sentiu um leve cheiro de mofo. César foi tirando as meias que havia jogado no sofá e ajeitando as almofadas.

- Sente-se aqui.

O convidado aceitou e se acomodou. Imediata e involuntariamente, notou a grande cicatriz no braço de César, nunca antes percebida. Preferiu não perguntar a origem da mesma.

- Aqui está o saca-rolhas que me pediu.

- Ah! Obrigado! Não sabe como isso me alegra.

Realmente, estava com a garganta seca.

- E então, Gabriel, o que é tão urgente? Confesso que fiquei até um pouco preocupado.

Enquanto César abria a garrafa, o vizinho tentava pensar na melhor forma para começar a falar.

- Bem, César, eu nunca tive muita intimidade com você, mas acho que é a pessoa certa para eu conversar.

- Por que eu? - puxou a rolha e ela saiu fazendo um som onomatopéico.

Suspirou.

- Preciso de alguém com a experiência necessária e que não seja do meu rol de amigos íntimos, para que eu possa me aconselhar; e porque você conhece muitas histórias e também as escreve. Pô meu! Você é um escritor!

Ele disse isso sorrindo, tentando quebrar o gelo criado por ele mesmo. Não percebeu, mas conseguiu a atenção de César só com aquela massagem no ego.

- Tudo bem. Prossiga.

- Bem, lembra-se de Carla, minha ex-namorada?

Não precisou forçar muito para lembrar, já que a moça era linda.

- Aquela que passava com você na rua de vez em quando?

- Isso.

- Sei. O que tem ela?

Puxou um suspiro do fundo do peito e continuou.

- Ela me deixou há três meses.

César agora pôde entender.

- Ah! Por isso ela sumiu do bairro.

Meio inconsciente, deixou escapar a leve admiração pela namorada do vizinho. O mesmo não percebeu, para alívio do escritor, e abaixou a cabeça meio triste.

- Do bairro e da minha vida.

- Lamento.

- Tudo bem. A pior parte já passou. É sobre isso que eu queria lhe falar. Quando ela terminou comigo, fiquei arrasado. Tudo o que eu queria era me isolar e lamentar. Cheguei a não querer sair da cama.

Enquanto ele falava, César pegou duas taças e as encheu com vinho. Ofereceu uma delas a Gabriel.

- Obrigado! Sabe, eu não agüento a solidão. Deixa-me profundamente triste.

O escritor ouvia atentamente a história do vizinho, sem saber aonde ele queria chegar. Bebia lentamente, saboreando cada gole. Para ele, vinho tinha que ser assim: tinto, suave e na temperatura ambiente. Detestava vinho seco e branco. Achava que não tinha gosto.

- Então, uma noite dessas, resolvi entrar na internet. Um amigo me disse que costumava conversar com muitas pessoas em salas de bate-papo e que era muito divertido. Era disso que eu precisava: conversar.

- Você nunca tinha entrado?

- Não. Nunca tive tempo, pois sempre estava com Carla. Deixei de fazer muitas coisas, só pelo fato de ela não poder ou não querer fazer junto comigo.

- Acha que se anulou todo este tempo em que esteve com ela?

Gabriel olhou fixamente para o escritor e se calou por alguns segundos.

- Muito. Acho que eu não a amava. Era obcecado por ela.

- Isso não é saudável.

- Eu sei. E, de um certo modo, apesar de ainda sentir algo por ela, acho que foi muito bom que tudo tivesse terminado. Pude ver as coisas de outra forma.

- Sem dúvida. – César concordou.

- Mas vamos voltar ao bate-papo. Quando entrei, era necessária a escolha de um apelido. Pensei um pouco e resolvi entrar com o nome do meu escritor favorito: Stephen King.

- Você também gosta do Stephen? Puxa, eu adoro!

- Pois é, mas acho que ninguém gostava de literatura de suspense, pois não recebi sequer um oi. Ainda bem, pois não saberia como responder, afinal, era a minha primeira vez. Saí da sala depois de observar uma hora e meia. Achei uma experiência agradável.

- E aí?

- Voltei a me conectar na noite seguinte.

Ficou um pouco pensativo.

- Sabe, é engraçado, pois não vemos o rosto das pessoas. Só as conhecemos pelos apelidos. Então eu achei melhor escolher alguém que tivesse um que significasse alguma coisa, mas a maioria vem com aqueles nicks estranhos. Tinha um tal de Gato Sarado que estava louco para conversar com uma Morena Bronzeada. Parecia que estavam desesperados.

César percebeu que Gabriel estava suando, então colocou o ventilador de modo que girasse e o alcançasse.

- Eu queria algum que fosse criativo; que dissesse alguma coisa da pessoa com quem eu estivesse teclando. Foi quando Güinevere entrou na sala. Era esse o nick que eu estava esperando. Eu precisava teclar com ela.

O olhar dele ficou perdido.

(00:13 : 21) - Olá, Lady Güinevere!

(00:13 : 39) - Vejo que estou teclando com um perfeito cavalheiro.

(00:14 : 01) - E eu com uma perfeita dama. Como anda o reino de Camelot?

(00:14 : 17) - Oh, sabe o significado do meu nick?

(00:14 : 40) - Claro. Quem não conhece o nome da amada rainha do rei Arthur, Lady Güinevere?

(00:15 : 02) - Muita gente. Eu escolhi justamente este nick para que somente as pessoas que conhecessem o seu significado viessem conversar comigo. É uma forma de seleção.

(00:15 : 22) - Eu penso da mesma forma.

(00:15 : 39) - Mas preciso te confessar uma coisa.

(00:15 : 59) - O que é?

(00:16 : 20) - Já ouvi falar, mas não me lembro de onde conheço o seu nick.

(00:16 : 43) - (rs)

(00:17 : 01) - Não ria.......rs

(00:17 : 11) - Desculpe, mas é que sua sinceridade foi muito engraçada.

(00:17 : 57) - Tá bom, mas de onde conheço?

(00:18 : 33) - Já assistiu aos filmes Carrie – A Estranha, O Cemitério Maldito, O Iluminado, À Espera de um Milagre, Um Sonho de Liberdade, O Sobrevivente, Sonâmbulos, Na Hora da Zona Morta, Louca Obsessão?????

(00:18 : 54) - Nossa! Quantos Filmes! Gostei de todos. Adoro suspense. Só não assisti O Sobrevivente e Louca Obsessão. Por quê? Stephen King foi o diretor?

(00:19 : 13) - Quase. Estes filmes e muitos outros foram baseados em livros. Stephen King os escreveu.

(00:19 : 34) – Sério?! Nossa, que legal! Então tem o livro À Espera de um Milagre? Adorei esse filme. Vou procurar na livraria virtual.

(00:19 : 56) - Ah! Então você prefere ler?

(00:20 : 11) – Sim. Nos livros sempre há mais detalhes que não podem ser transportados para as telas. Quando lemos, nós somos os diretores do filme.

(00:20 : 32) - Parabéns!

(00:20 : 43) - Pelo quê?

(00:20 : 55) - Pelo ótimo português. Não é muito comum aqui na sala de bate papo.

(00:21 : 14) - Ah! Obrigada! É que eu não quero que você pense Ah, ela é legalzinha, mas é pena que não sabe escrever direito. ......rs

(00:21 : 31) - O que é isso? Eu jamais pensaria isso de você! (rs)

(00:22 : 00) - Vai dizer que não liga para umas letras a maisss, ou uma palavra escrita herrada, ou até mesmo umas abreviações, como tc, vc, tbem, blz?????? ......rs

(00:22 : 24) - Tá bom! Tá bom! (rs) Você me convenceu. Prefiro que diga teclar, você, também e beleza, ok? (rs)

(00:22 : 39) - Viu como um português melhorado impressiona? A propósito: o seu também é ótimo.

(00:22 : 58) - Pensei que não fosse dizer. Estou caprichando para te impressionar. (rs)

(00:23 : 17) - E está conseguindo......rs

(00:23 : 37) - Sério?! Nossa, eu sou bom! (rs)

(00:23 : 51) - E muito convencido......rs

(00:24 : 09) - Me diga uma coisa: você costuma entrar muito nesta sala de bate-papo?

(00:24 : 33) - De vez em quando, eu entro. Quando se consegue achar alguém legal, a conversa se torna agradável.

(00:24 : 54) - E já encontrou alguém legal antes?

(00:25 : 11) - Poucas vezes conversei mais do que dez minutos com alguém.

(00:25 : 32) - E por quê?

(00:25 : 53) - Porque os carinhas querem falar só de sacanagem. O que mais me chamou atenção em você é exatamente o contrário: você respeita não só a mim, mas a minha inteligência, já que conversamos de assuntos bem cabeça. Mas por que a pergunta?

(00:26 : 17) - Só curiosidade.

(00:26 : 33) - E você?

(00:26 : 47) - Eu o quê?

(00:27 : 09) - Costuma entrar nesta sala de bate-papo?

(00:27 : 26) - Para falar a verdade, esta é a segunda vez. A primeira foi ontem, mas eu não conversei com ninguém! Estava meio novo.(rs)

(00:27: 43) - Me dei conta de uma coisa.

(00:28: 01) - O quê?

(00:28: 10) - Que já estamos teclando há quinze minutos e eu nem sei o seu nome....rs... Geralmente essa é a primeira pergunta que fazem, né?

(00:28: 22) – Nossa, é verdade!( rs) Nem vimos o tempo passar! Você vai ter que sair?

(00:28: 41) - Não. Amanhã é sábado e eu não trabalho.

(00:28: 58) - Eu também não. O que você faz?

(00:30: 15) - Güinevere? Você está aí?

(00:31: 04) - Sim. Desculpe. O mouse caiu no chão. Eu trabalho em uma empresa de telecomunicações na Av. Paulista.

(00:31: 31) - Nossa! Que legal! Sabe, que tal se fizéssemos um ping-pong para nos conhecermos, afinal, não sabemos nem mesmo o nome do outro, né?

(00:31: 52) - Tudo bem. Quem começa?

(00:32: 02) - Um de cada vez. Você começa.

(00:32: 12) – Certo. Nome?

(00:32: 23) – Gabriel.

(00:32: 34) - Nossa, que bonito!

(00:32: 43) - E o seu?

(00:32: 59) – Bárbara.

(00:33: 22) - Bonito é o seu. Aliás, bonito e forte.

(00:33: 33) - Ah! Obrigada! Minha mãe colocou esse nome em mim em homenagem à Barbara Eden, a Jeannie do seriado Jeannie é um Gênio. Mas, e sua idade?

(00:33: 57) - Tenho 23 anos.

(00:34: 13) - Nossa! Que coincidência! Eu também tenho 23 anos!

(00:34: 35) - Você é novinha. Pensei que tivesse uns 28 pelo papo-cabeça.

(00:35: 03) - Você vive me elogiando, né?! ......rs ....Também pensei que você fosse mais velho.

(00:35: 15) - Espero que seja pelo mesmo motivo. (rs)

(00:35: 33) - Fique sossegado, é por esse motivo, sim......rs

(00:35: 46) - Agora eu pergunto.

(00:36: 03) - Vá em frente.

(00:36: 16) - Como você é?

(00:38: 32) - Bárbara?

(00:39: 07) - Oi? Desculpe! Minha mãe apareceu no meu quarto me perguntando a que horas eu iria dormir.

(00:39: 23) - Precisa sair?

(00:39: 37) - Não. De maneira alguma.

(00:39: 46) - E então? Vai me responder?

(00:40: 24) - Claro! Bem, sou branca, tenho 1,65 m, 55 kg, cabelos compridos, castanhos e encaracolados, olhos castanhos. Quer saber aquilo também?

(00:40: 36) - Aquilo o quê?

(00:40: 50) - Aquilo que todos os homens reparam nas garotas?

(00:41: 06) - Ah! Seios e bumbum? Se quiser....(rs)

(00:41: 27) - Seios médios e bumbum também! Gostou? ......rs

(00:41: 41) - É! Até que você é bonitinha! (rs)

(00:42: 00) - Olha como você é cachorro!!!! Você é melhor, é?

(00:42: 22) - Vamos ver: sou branco, descendente de italianos, tenho 1,80, 65 kg, cabelos curtos e castanhos. Uso cavanhaque no estilo Johnny Depp.

(00:42: 39) - Johnny Depp? Pretensioso, não?

(00:42: 56) - Eu falei do cavanhaque. (rs)

(00:43: 13) - ......rs

(00:43: 31) - Isso mesmo. Ria muito. Se divirta.

(00:43: 52) - Ah! Não fique nervoso.

(00:44: 12) - Eu não estou nervoso. Pelo contrário: estou me divertindo muito. Já falo com você como se a conhecesse há anos.

(00:44: 51) - É verdade. Acho isso o máximo!

(00:45: 27) - Escuta, você quer que eu te envie uma foto minha pelo seu e-mail?

(00:45: 40) - Eu quero. Mas eu não tenho nenhuma scanneada para te passar.

(00:46: 09) - Que pena! Mas vou te mandar agora. Qual é o seu e-mail?

(00:46: 26) - barbie@skynet.com

(00:46: 39) - Barbie?!?!??

(00:46: 51) - É sim, por quê?

(00:47: 10) - Não, por nada. É por causa da boneca?

(00:47: 26) - Deve ser. É meu apelido desde pequena.

(00:47: 41) - Acabei de enviar. Daqui a pouco você abra a sua caixa de mensagens para ver se chegou.

(00:47: 57) - Legal! Estou ansiosa para ver a sua foto.

(00:48: 11) - Eu também estaria se você tivesse uma para me enviar.

(00:48: 28) - Ah, me desculpe! Prometo que scanneio uma foto só para te mandar.

(00:48: 39) - Nossa! Que honra!

(00:48: 52) - Gabriel, você tem namorada?

(00:49: 13) - Nossa! Na lata, hein?!

(00:49: 24) - Desculpe, mas eu estava com isso entalado na garganta para te perguntar há uns 20 minutos.

(00:49: 58) - Não, Barbie. Não tenho.

(00:50: 12) - Me chamou de Barbie! Que bonitinho!

(00:50: 28) - É o seu apelido meigo, não é? (rs)

(00:50: 54) - Está me gozando, é? ......rs

(00:51: 19) - Desculpe, mas eu não podia deixar essa passar. Mas e você? Tem namorado?

(00:51: 38) - Também não.

(00:51: 51) - Vejo que somos dois solitários. Por que está só?

(00:52: 43) - Já encontrei o rei Arthur, um homem bom, mas que eu não amava. Tive que deixá-lo. Não podia enganá-lo e enganar a mim mesma. Agora procuro um Sir Lancelot, um homem bom de coração, que ao mesmo tempo seja um ótimo amante para que eu possa viver um romance eterno.

(00:53: 14) - Você leva a sério mesmo esse negócio de nick, hein?!

(00:53: 38) - ......rs ....Mas deu para entender, né?

(00:53: 43) - Deu! (rs)

(00:53: 55) - E você, meu escritor? Por que está só?

(00:54: 32) - É uma longa história, mas eu vou resumir, ok?

(00:54: 41) - Ok!

(00:55: 23) - Por eu ser tímido, sempre tive dificuldades para arrumar namoradas. A única que eu realmente consegui namorar mesmo, me largou há alguns meses. Ficamos juntos mais de um ano. Eu fazia de tudo por ela, mas acho que ela não gostava. Demorei para perceber que ela era uma pessoa que precisava ser compreendida com um pouco mais de calma. Mas tudo bem. Águas passadas não movem moinhos.

(00:55: 46) - Nossa! Pensei que a sua conexão houvesse caído, pelo tempo que demorou para digitar. Que história, hein?

(00:55: 59) - Pois é. Eu te disse que era longa.

(00:56: 28) - Deve ser muito triste para você. Vamos falar de coisas mais alegres?

(00:56: 39) - Vamos. Gosta de cinema?

(00:56: 58) - Adoro, apesar de não ir muito. Assisto aos filmes mais em vídeo.

(00:57: 15) - Qual é o gênero que mais gosta?

(00:57: 31) - Suspense e terror.

(00:57: 57) - E não conhecia Stephen King?

(00:58: 23) - Eu só não tinha ligado o nome à pessoa, Gabriel. Agora que você falou, me lembrei que na maioria das capas dos filmes vem escrito baseado na obra de Stephen King. Bem, pelo menos Um Sonho de Liberdade vinha escrito.

(00:58: 53) - Tá! Já assistiu Ressurreição – Retalhos de um Crime?

(00:59: 18) - Acho que não.

(00:59: 35) - Já assistiu Seven – Os Sete Crimes Capitais?

(00:59: 49) - Esse já. É excelente!

(01:00: 02) - O filme Ressurreição segue a mesma linha dele.

(01:00: 21) - Sério?!

(01:00: 49) - Sério! É assim: um lunático acha que é um descendente de Judas e, para se redimir da traição de seu antepassado, resolve reconstruir um novo corpo de Jesus Cristo usando pedaços de corpos humanos. É muito legal!

(01:01: 12) - Pronto! Agora não preciso mais assistir.

(01:01: 33) - É a sinopse, bonequinha. Tem muito mais do que isso no filme.

(01:01: 49) - Barbie, sim! Bonequinha, não!..... Pensando bem, até que bonequinha não é tão ruim!!!!! ......rs

(01:02: 15) - De onde você está teclando, Bárbara? Esqueci de te perguntar.

(01:02: 26) - Do Tatuapé. Fica na Zona Leste.

(01:02: 39) - Eu conheço. Eu moro na Penha. Que coincidência, não?

(01:02: 47) - Muita.

(01:03: 05) - Que tal se a gente conversar pelo telefone?

(01:03: 26) - Pelo telefone?

(01:03: 47) - É. Não se preocupe: eu lhe dou o meu número e você me liga. Quando achar que deve, você me passa o seu. Combinado?

(01:04: 56) - Bárbara?

(01:05: 24) - Tudo bem. Qual é o número?

(01:05: 37) - 555-2797

(01:05: 59) - Certo. Já anotei.

(01:06: 22) - Me ligue amanhã na parte da tarde. O meu e-mail já chegou?

(01:06: 38) - É mesmo. Esqueci de olhar. Espere aí.

(01:07: 36) - Uau! Você é super gatinho! Onde tirou essa foto?

(01:07: 54) - No parque do Trianon. Meu cabelo era comprido na época.

(01:08: 29) - Ficou muito legal.

(01:08: 43) - Estou esperando a sua.

(01:08: 52) - Certo.

(01:09: 12) - Então me liga amanhã?

(01:09: 33) - Depois das 4:00 h, tudo bem?

(01:09: 49) - Legal! Não vai furar, hein?!

(01:10: 03) - Eu ligo.....rs

(01:10: 17) - Certo. Um beijo, então.

(01:10: 35) - Pra você também.

(01:10: 49) - Tchau!

(01:11: 07) - Tchau!

- E foi assim que a conheci!

César, a essa altura, já havia acabado com a garrafa inteira de vinho e nem havia se dado conta disso, tamanho era o seu interesse na história.

- E aí? O que aconteceu?

Gabriel continuou a falar.

- Fiquei muito impressionado com aquela conversa. Mal consegui dormir, tão ansioso estava para que o sábado chegasse. Não me sentia bem assim há um bom tempo. De qualquer forma, ele chegou. Quero dizer, já era sábado quando começamos a teclar, mas as pessoas só consideram que já é outro dia, depois que acordam. Esperei a tarde toda para que chegassem logo as quatro horas. Olhava o relógio: eram duas horas. Passava uma eternidade. Olhava de novo: eram duas e dez. O tempo não rendia. Aquelas horas foram muito exaustivas. Finalmente o ponteiro pequeno alcançou o quatro e o grande o doze. Fiquei com o coração na mão. Ela poderia ligar a qualquer momento. O telefone tocou. Meu coração apertou. Fiquei tremendo. Não tinha coragem para pegar o fone. Tocou pela segunda vez. Se eu demorasse muito, ela poderia achar que não tinha ninguém em casa, então tomei coragem e atendi.

- Alô!

Uma voz respondeu:

- Oi, Biel?!

Reconheci na hora e um sentimento de decepção tomou meu corpo. Só uma pessoa me chamava de Biel.

- Oi, tia Dirce?! Tudo bem?

- Tudo, filho. A mãe está aí?

- Espere só um minuto que eu vou chamá-la.

Levei o telefone sem fio, correndo.

- Mãe, estou esperando uma ligação. Dê um jeito de dispensar a tia Dirce de qualquer forma.

Minha mãe riu.

- Só se eu fizer um milagre. Ela fala mais do que a boca.

Quase implorei, então ela concordou em dar uma desculpa. Fui para o sofá e fiquei esperando impaciente o fim da conversa. Dois minutos depois, minha mãe conseguiu o que parecia impossível: ficar ao telefone com minha tia por menos de uma hora. Bastou ela apertar o botão para que o telefone tocasse novamente. Levantei imediatamente e corri até a cozinha. Cheguei na hora em que minha mãe perguntou:

- Quem gostaria de falar com ele?

Fiquei torcendo para que fosse ela.

- Só um momento, Bárbara. – entregou-me o telefone.

Não sabia o que dizer, então, resolvi jogar tudo pra o alto e falei somente um oi. Foi quando a voz mais doce do mundo invadiu os meus ouvidos.

- Gabriel?

- É ele.

- Oi! É a Barbie,..... quero dizer, a Bárbara!

Lembro-me como se fosse hoje daquela gaguejada com os nomes. Achei muito engraçado.

- Tudo bem?

- Tudo! Nossa, como sua voz é bonita!

- A sua também é. Parece de uma menininha de quinze anos.

Ela riu.

- Até você? Escuto isso todos os dias.

Conversamos por, pelo menos, duas horas. Falamos de música, filmes, viagens, perfumes e muitas outras coisas. Não sabia que tínhamos tanto para falar logo de cara. Infelizmente ela precisou desligar. Disse que sua mãe não gostou muito que ela monopolizasse o telefone.

- E aí? Prossiga.

César estava impressionado com seu poder de narração. Era muito detalhista.

- Bem, conforme os dias passavam, nossas conversas iam se estendendo cada vez mais. Gostávamos de conversar. Até trocávamos presentes. Uma vez ela me deu um CD do Guns N’Roses, só porque eu disse que estava a fim de comprá-lo. Mandou-me, via sedex, junto com um cartão muito bonito. Eu também dei um presente a ela. Mandei aquele livro do Stephen King pelo qual ela havia se interessado. Escrevi uma dedicatória especial. Nem havia visto o seu rosto, mas já estava apaixonado por ela. Como isso era possível?

- Isso é um perigo. – disse César, colocando os copos e a garrafa dentro da pia e voltando ao chão da sala.

- É claro que eu não falava nada, afinal, como eu disse, ainda não poderia me comprometer sem, ao menos, ver o seu rosto. O meu ela já conhecia, pois a primeira coisa que eu fiz foi mandar a minha foto via e-mail. Está certo que era antiga, mas ela, pelo menos, tinha base de como eu era. Na foto, eu estava de cabelos compridos e sem cavanhaque, ou seja, o oposto do que sou agora, mas o conteúdo é que importa.

Começou a ficar importante saber como ela era fisicamente. Já fazia um mês e meio desde a primeira vez em que conversamos e eu ainda não sabia como era a sua fisionomia. Era estranho conversar com uma pessoa sem rosto. Sua voz me lembrava muito a da atriz Débora Secco, assim, meio rouquinha. Então era o rosto da atriz que eu imaginava. Isso era um tremendo perigo, já que eu sabia que não era a Débora que estaria me esperando. Eu precisava do rosto da dona da voz. Foi o que eu fiz: pedi uma foto.

- Uma foto? Mas eu não te falei que eu não tenho scanner?

- Sim, mas é mais fácil me mandar pelo sedex, como o CD.

Ela estava um pouco preocupada pelo telefone, aliás, eu só a conhecia pelo telefone, então, eu tinha me acostumado com o seu jeito de falar. Poderia saber se estava triste ou alegre, só pelo tom da sua voz.

- É tão importante para você?

Eu estava arriscando. Ela poderia pensar que eu só me interessaria pela sua aparência. Mesmo assim respondi que sim. Ela suspirou.

- Tudo bem. Vou mandar amanhã.

Senti-me um pouco mal. Pareceu-me que ela não gostou muito do pedido. Na verdade, do jeito que eu falei, assim, um pouco desesperado, se eu fosse ela, também não iria gostar. Deu a impressão de que eu estava com medo de sua forma física ou que eu estava achando que ela estava mentindo. Senti-me péssimo, mas era necessário. De qualquer forma, o mistério durou apenas dois dias. A caixa do sedex chegou no início da tarde. Continha um outro CD, desta vez do Pearl Jam, outro que eu estava louco pra comprar. Fiquei muito feliz com o presente, mas o que mais me interessava era o que ainda estava dentro da caixa. Era um envelope pequeno, de cor salmão. Estava escrito à caneta Vai matar a curiosidade agora!!!! Me ligue depois!!!! com uma letra redonda e caprichada. Abri bem rápido. Era uma foto tipo passaporte, de tamanho cinco por sete. Fiquei pasmo. A menina era simplesmente fantástica. Linda mesmo. Havia me tirado um peso da consciência. Fiquei admirando-a por alguns segundos. Tentava ligar a voz à pessoa da foto e então corri para o telefone. Precisava falar com ela o quanto antes.

Nem ao menos falei alô. Assim que ela atendeu...

- Adorei o seu presente!

- Nossa! Deve ter gostado mesmo! E a foto?

- Gostei ainda mais. Você é linda!

- Ah, obrigada!

- Quer casar comigo?

Ela riu e eu acompanhei. Não sabia o que dizer, então comecei a brincar.

- Eu lhe dou casa, comida, roupa para lavar, quero dizer, lavada!

- Ah! Então pretendia me enganar, é?

Conversamos por mais 40 minutos, foi quando eu disse outra coisa que ela não gostou.

- Por que não me mandou aquela foto que você tirou com o seu cavalo no haras?

Ela ficou muda por alguns segundos.

- Mas ela é antiga. Não tenho nenhuma foto recente com o cavalo.

- Tudo bem! Esta serve. Você me manda?

Ela suspirou.

- Tudo bem, eu te mando pelo correio.

Achei estranho quando ficou séria de repente. Era a segunda vez que estava acontecendo, coincidentemente, quando eu lhe pedi outra foto. De

qualquer forma, conversamos no dia seguinte sem tocar neste assunto.

Preferi esperar o envelope chegar. Como ela havia colocado como carta simples, demoraria um pouco mais. Nesse meio tempo, conversávamos sempre que ela voltava do trabalho. Era ela quem ligava. Sexta-feira chegou e, com ela, a carta de Bárbara. A foto que me enviou realmente era antiga. Datava de cinco anos atrás. Ela estava montada no cavalo, muito belo por sinal, trajada com roupa de hipismo. Montava desde pequena, mas dizia que o trabalho não deixava mais tempo livre para cavalgar. Era uma pena.

- E o que ela fez com o cavalo? – César perguntou.

- Bem, ela teve que vender. Não dá para manter um cavalo quando não se tem tempo de montar. Saber como ela era fisicamente era o que faltava. Depois disso, algo louco me passou pela cabeça. Já estava mais do que na hora de nos encontrarmos, então, por que não bolar algo romântico? Escrevi um cartão e comprei um buquê de rosas vermelhas. Nada mais apropriado. Peguei o endereço que estava na caixa do sedex e me aventurei pelos lados do Tatuapé. Como era sábado, Bárbara não iria trabalhar. O plano era o seguinte: iria até a sua casa, me passaria por entregador, daria as flores e veria a sua reação. Estou diferente da foto que enviei, portanto ela não iria me reconhecer. Por fim, eu me apresentaria. Mas se me reconhecesse, melhor ainda. Seria um sinal de que pensava em mim a ponto de lembrar como é meu rosto. Era um plano perfeito.

Cheguei à casa dela e apertei a campainha. Uma senhora apareceu na porta.

- Pois não?

- Vim entregar estas flores para Bárbara Rossi.

A senhora, que, mais tarde descobri ser a sua mãe, perguntou se precisava assinar alguma coisa. Eu disse que devia entregar em mãos.

- Nesse caso, eu vou abrir o portão.

Dois minutos depois, lá estava eu entrando pelo corredor da casa de Bárbara. Era uma grande emoção.

- Espere um minuto. Eu já vou chamá-la.

- Fique à vontade. – respondi.

A casa, apesar de, aparentemente, ser muito bonita, não deu para eu observá-la por muito tempo, visto que a senhora voltou.

- Ela está vindo.

Virei-me para a porta da sala. O sorriso que até o momento eu ostentava esvaiu-se lentamente. Ela vinha com dificuldades naquela cadeira. Parecia não ter sido feita para ela. Realmente não tinha. Quem conversava com Bárbara pelo telefone, jamais iria imaginar que aquela garota cheia de vida, não conseguia caminhar pelas próprias pernas.

- Oi! Estas flores são para mim? – disse, sorrindo com ar de inocência.

Ela não me reconheceu. Fiquei meio sem reação. Disfarcei a voz.

- Sim. Queira assinar, por favor. – entreguei uma ficha falsa feita em meu computador.

Ela assinou feliz da vida. Ficou mais feliz por saber que eram flores mandadas por mim.

- Não falei que eram dele, mãe?

Pegou o buquê, agradeceu-me e voltou para a sala, deixando-me sozinho com a sua mãe. Ainda estava atônito. Virei-me e vi como a mulher olhava a filha. Percebi uma lágrima escorrer. Quase que minha voz não saiu, mas era muito importante saber.

- Desculpe perguntar, minha senhora, mas como ela ficou assim?

Ela suspirou.

- Caiu de um cavalo, meu filho. Já faz três anos. Quebrou uma vértebra e não pode mais andar.

Percebi a grande emoção da mãe ao tocar naquele assunto, mas ela disse algo que me deixou mais perturbado.

- O pior você não sabe: já faz uns dois meses que ela conheceu um rapaz na internet e ficam conversando pelo telefone. Foi ele quem mandou as flores. Ela está empolgadíssima. Parece que renasceu.

Senti uma angústia apertar-me o peito e um calafrio percorrer meu corpo. A senhora continuou.

- Nenhum amigo dela vem mais aqui. – pausou – Ela não pode se encontrar com ele.

- E por que não?

Eu tinha que perguntar isso.

- Porque ela tem medo de rejeição. Não é todo mundo que compreende uma situação dessas. Ai! – levou as mãos ao rosto - Estou com tanto medo que se magoe! Ela não tem nem com quem conversar.

Comecei a me sentir um lixo. Conversei mais uns minutos com a mãe e me despedi. Fiquei pensando muito no que Bárbara e eu conversamos nesses dois meses. Compreendi porque não queria mandar as fotos; porque assistia a muitos filmes em vídeo; porque comprava livros pela internet. Ela não podia sair de casa. Não podia sair de casa e atravessar a rua sem o auxílio da cadeira. Toda aquela história de trabalho era mentira. César, este encontro aconteceu há dez dias e eu não sei o que fazer! Não faço a mínima idéia.

César estava perplexo com a história e sua resposta foi involuntária.

- Ligue para ela.

- Não posso. Eu não conseguiria falar. – Gabriel levou as mãos à cabeça - Todas as vezes que ela me liga, eu peço para que minha mãe diga que eu não estou.

- Por que faz isso?

- Eu não estou preparado. Quero casar, ter filhos. E com ela isso não é possível.

César também tinha sonhos de casar e ter filhos. Nunca passou pela sua cabeça deixar estes planos de lado. O escritor, apesar de ter achado a história interessante, sabia como o amigo estava se sentindo.

- Certo. E o que quer de mim?

Gabriel levantou e foi até a estante. Ficou de costas por alguns segundos e, subitamente, virou-se.

- Ligue você.

César não esperava que fosse isso.

- Eu!?

- É. Eu quero que você diga que eu tive que me mudar às pressas, ou algo assim. Eu não conseguiria continuar falando com ela sabendo que é paraplégica. Eu sei que parece cruel, mas vai ser melhor para nós dois. Vamos lá! Você é criativo. Vai conseguir pensar em alguma coisa

César ficou calado, olhando para Gabriel, que estava com um ar de desespero. Sua curiosidade foi mais forte. Não podia perder a oportunidade de falar pessoalmente com a personagem principal dessa história.

- Ok. Eu farei isso, mas deixo claro que não acho certo.

- Valeu! Vou discar.

Pegou o telefone e discou o número. Quando começou a chamar, entregou-o a César. Esperou tocar algumas vezes e desistiu.

- Só chama.

- Tente novamente.

Ele apertou um botão para dar linha e outro para a rediscagem automática. Quando colocou o fone no ouvido novamente, escutou o barulho de chamada. Esperou que alguém atendesse. Era uma voz de mulher mais velha.

- Alô? Por gentileza, eu gostaria de falar com a Bárbara.

Seguiram-se alguns momentos de um silêncio desconcertante.

- Alô? Minha senhora?

- Quem queria falar? – perguntou uma voz trêmula.

César não sabia o que dizer. Foi pego de surpresa. Mas Gabriel tinha razão quanto a sua criatividade.

- É um antigo colega de hipismo.

O escritor percebeu que tinha sido feliz em sua justificativa e ficou mais calmo.

- Ela está?

- Ela ...não pode atender.

- Ela está ocupada? – insistiu César.

A linha permaneceu muda por alguns segundos

- Ela...faleceu. – respondeu a voz, agora chorosa.

César olhou de canto de olho para Gabriel e continuou.

- Mas, como?!

A voz foi saindo aos poucos e com dificuldades.

- Ela foi descer a escada que dá para o porão, nos fundos da casa... A escada é muito inclinada e ela... não se segurou. A cadeira de rodas... caiu da escada e ela fraturou o pescoço...

- Mas como isso foi acontecer?

- Você não entendeu? Ela se matou! ... Se matou por causa de um desgraçado que ela, nem sequer viu pessoalmente!

Depois disso desligou. César estava atônito. Foi baixando o telefone lentamente e se virou para Gabriel. Olhou-o com os olhos arregalados.

- E aí, César? O que houve? Por que desligou o telefone tão rápido?

Colocou a mão no ombro do vizinho e apertou.

- Acho que você não vai querer saber!

CONTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO LIVRO "MANSÃO KLAUS E OUTRAS HISTÓRIAS"

Edson Rossatto
Enviado por Edson Rossatto em 25/03/2007
Código do texto: T425514
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