Quarto 23

Acendeu um cigarro, talvez o décimo daquela noite. As mãos estavam visivelmente trêmulas. Nos olhos, um misto de medo e euforia. Deitou-se na velha cama rangente do hotel e consultou o relógio. Só depois deu uma olhada nas paredes e no teto. O cheiro de mofo daquele quarto entravam por suas narinas e invadia seus pulmões provocando-lhe um enjôo inconsciente. O estomago reclamava, mas o externo nem ao menos sentia. Estava anestesiado, em choque.

O telefone, ao lado da cama, berra ao seu lado em vão, Armando não cede ao chamado. Na realidade, nem nota que o telefone está tocando.

Da janela do terceiro andar quase não dava para ver nada. As poucas luzes que invadiam o quarto iluminavam os tacos quase descolados do chão e o velho espelho já manchado pelo tempo. A lua, mais cheia e clara do que nunca, flutuava e testemunhava sem saber que ali, naquele quarto, estava um homem de 47 anos decidindo o resto de sua vida.

Mas a decisão distanciava-se cada vez mais. As horas se arrastavam, denunciadas pelo relógio de pulso que Armando consultava a cada longos cinco minutos.

Parecia mais uma espera do que uma decisão. Até poder-se-ia dizer uma terrível decisão.

Levantou-se em súbito e foi até seus pertences que se encontravam recostados na cadeira de madeira escura no canto do quarto. Tirou os sapatos, as meias, em seguida, a camisa. Deu uma olhada pela janela e por um breve instante esqueceu-se de seu real propósito de estar ali. Começou a lembrar-se da vida fora daquele quarto e antes daquele dia. Era um homem solitário, que já fora muito bem sucedido. Hoje, sem esposa que o deixara por ganância, sem filhos, pois era estéril, vivia na ilusão das mascaras sociais. Achava que um dia ainda poderia reconstruir tudo aquilo que um dia perdera numa mesa de pôquer. Aparentemente feliz, tendo seu velho gato Bill como único confidente, por vezes se esquecia do seu triste destino. Sofria de uma grave doença nos pulmões.

Porque fora se lembrar disso agora? Sentia-se sufocar só de pensar em sua doença. Os médicos já haviam garantido apenas mais alguns poucos meses de vida. E ele tinha que se decidir antes de amanhecer.

Um choro compulsivo invadiu suas entranhas e tomou conta do seu semblante que agora era desesperador. Com as mãos suadas e a respiração ofegante, abriu sua maleta e dela retirou três objetos. Um bloco de notas, uma caneta e um revólver. Por alguns minutos, contemplou o ultimo objeto retirado da maleta com uma expressão insana nos olhos. Vidrado, repousou a arma na escrivaninha e apanhou os outros dois objetos. Parecia enfim ter se decidido. Rabiscou algumas poucas palavras. Foi até a mesinha de cabeceira onde estava o telefone e o cinzeiro imundo e apanhou um papel que ele mesmo deixara lá ao chegar. Deu uma breve olhada ao redor, e em seguida no papel. Ficou a contempla-lo por um breve momento. Titubeou. Tentou raciocinar mais um pouco, mas o impulso foi mais forte. Apressou-se até a janela, apanhou o bloco de notas, colocou o papel da cabeceira junto ao bilhete recém escrito e sem pestanejar, engatilhou o revólver e tirou a própria vida com um tiro no peito. Lentamente, caiu sobre o assoalho empoeirado. Seu sangue começara a se espalhar logo.

O dono do velho hotel, que ouviu o estalo da bala perfurando o peito do hóspede, chegou rápido ao quarto 23. Sabia que o som vinha de lá, pois naquele dia (como eram quase todos os dias) o hotel estava vazio. Deu três breves batidas na porta e não obteve resposta. Aflito, resolveu entrar assim mesmo. A porta estava apenas encostada. Ao ver a cena bizarra de um suicida, entrou em estado de pavor. Correu até ele para se certificar de que estava mesmo morto. Ao se aproximar, o bloco de notas em cima da mesa chamou sua atenção. Tomou-o nas mãos e mal podia conter o desespero misturado com alegria ao ler o bilhete:

“Não poderei gozar de tal privilégio. Você que me encontrou fará mais bom proveito disso do que eu! Antecipei minha morte e ao mesmo tempo sua alegria. Armando”

O papel junto ao bilhete confundiu ainda mais o dono do hotel. Não conseguia entender porque alguém se suicidaria por conta disso. Era contraditório. Ninguém, até hoje, nunca se matou ao ter nas mãos o bilhete premiado de uma loteria milionária. Mas Armando foi diferente.

Natalia Gregolin
Enviado por Natalia Gregolin em 30/03/2007
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