O SEGREDO DO LIVRO - O dia seguinte

Cap. 3 – O dia seguinte

Bruno era um lindo rapaz, magro e alto, ao sorrir exibia seus dentes perfeitos. Fernando também era muito bonito, de uma beleza dócil; aguardaram ansiosamente o dia seguinte, era domingo, acordaram bem cedo, tomaram café da manhã e saíram ao encontro de seus amigos. Dessa vez quem faria o caminho alternativo eram os dois, pois haviam combinado de irem até a fazenda à procura do livro e com certeza queriam mais detalhe da história que Henrique e Augusto conheciam bem.

Foram andando bem rápido e pouco se falou sobre o assunto. Conversaram sobre a escola, cantarolaram algumas músicas, assobiaram algumas vezes e fizeram silêncio em outras. O caminho parecia mais longo... Encontraram no caminho dois senhores com vara de pescar que andavam mais vagarosamente e os passaram, deixando-os para trás, Mais adiante encontraram um homem e um menino montados a cavalo e por último avistaram meio distante do caminho que percorriam, um jovem casal, o rapaz levava uma enxada e a moça uma sacola, andavam tranquilamente, sem pressa. Do restante, avistaram muitos bois, alguns cachorros, passarinhos e viram também um tatu que logo se enfiou em um buraco no barranco. E por fim chegaram à fazenda. Seus amigos não estavam no lugar combinado, eles resolveram sentar e esperar, ficaram ali por alguns minutos e depois saíram a explorar o casarão abandonado. Tinha uma porta alta e estava encostada, a empurraram e entraram, tudo naquela casa estava deteriorado e muito sujo, algumas janelas haviam caído e parte do telhado também, o que permitia muita claridade nos cômodos, havia vários quartos e em alguns deles ainda tinham camas e cômodas velhas e quebradas. Sentiram um insuportável cheiro de carniça, provavelmente de algum bicho morto, deduziram eles. Na cozinha enorme, o fogão de lenha ainda estava lá, cheio de poeira e preto de carvão, uma mesa de madeira rústica e com um dos pés quebrado lhe fazia companhia.

Os rapazes olhavam tudo muito atentamente. Um deles encontrou um punhal no chão, estava sujo de sangue e ficaram assustados. Ao empurrarem uma porta que dava acesso a mais um cômodo do casarão, provavelmente uma dispensa, perceberam algo segurando, olharam pela fresta e viram um pé em decomposição. Empurraram mais a porta e puderam avistar um corpo e completamente horrorizados ameaçaram correr quando ouviram um barulho lá fora, imediatamente um dos meninos pegou o pé da mesa que estava solto e o outro se armou com o punhal, o barulho era cada vez maior e eles ficaram ali imóveis, com os olhos arregalados, ouviram passos e o ranger da porta da sala, os passos se distanciaram como se alguém fosse a um dos quartos, ouviram o barulho de um tilintar de ferro e depois os passos novamente se aproximando.

- Fernando, Bruno, vocês estão por aí...- chamou Henrique.

Entre o susto da voz e o alívio de ouvirem seus nomes, os dois soltaram suas armas e responderam com as pernas bambas.

- Estamos aqui. – A voz saiu trêmula.

Paulo Henrique e Paulo Augusto entraram na cozinha dando risada do susto que deram nos amigos. Os dois estavam transtornados. Mostraram o corpo que acabaram de encontrar , sem saber o que fazer decidiram enterrá-lo, tiveram medo que alguém pensasse que foram eles que mataram o homem. Depois decidiram que jogariam o corpo no estábulo, pensaram melhor e decidiram deixá-lo ali mesmo, afinal, já fazia alguns dias que o defunto estava naquele cômodo, percebia-se pelo avançado estado de decomposição que se encontrava. Resolveram iniciar as escavações nos prováveis lugares que poderia estar o livro. Estavam todos muito tensos e com medo, mas queriam muito o livro e não quiseram mudar de plano. Durante as escavações o assunto foi o defunto, conversaram sobre quem seria e o que estaria fazendo ali, seria uma morte por vingança, traição ou mesmo por herança, surgiam muitas histórias nas mentes criativas dos quatro amigos, entretanto o clima foi ficando pesado e resolveram parar de falar sobre o morto que causava arrepio só de pensar que ele estava dentro do casarão. Resolveram então, para distrair, falar sobre a história que havia sido interrompida no dia anterior:

- Quem vai continuar contando a história do coronel? – perguntou Bruno.

- Acho melhor não falarmos desse assunto aqui. – Disse Fernando.

- Para de ser medroso, agora que é legal contar, além do mais eu quero saber se o bebê no colo da mulher era mesmo o coronel.

- Você está me chamando de medroso e quase borrou as calças ainda hoje, eu vi sua cara assustada quando encontramos o cadáver e começamos a ouvir barulhos.

- Você também ficou com medo Fernando, ficou branco que nem papel e ainda tremendo que nem vara verde, aliás, está com medo até agora. – Desafiou Bruno.

- Pois eu não disse que não tinha medo, você que está dando uma de valentão. Ah! Quer saber de uma coisa, querem contar a história que contem.

- Terminaram a discussão? – Perguntou Henrique.- Posso começar?

- Pode! – Disseram juntos Fernando e Bruno.

- Pois bem, eu parei onde mesmo?

- O coronel estava desconfiado que ele fosse filho da babá - Disse Fernando.

- Da babá não “seu mula”, da patroa.- Corrigiu Augusto.

- Ah é, verdade...

- Pois bem – Continuou Henrique – quando sua tia disse o nome da mulher chique do retrato e a cidade onde ela morava, o coronel foi atrás, ele estava tão desesperado na sua solidão que nem pensou porque estava fazendo aquilo, simplesmente estava fazendo. Quando chegou à cidade, viu que era bem pequena e todos se conheciam e não demorou a dizerem a ele que a mulher havia se mudado com seu marido e a filha de dois anos, para lugar ignorado, estavam muito desesperados na época, pois a babá tinha roubado seu filho caçula, ainda um bebê e que isso havia ocorrido a mais ou menos uns dezoito anos, disseram a ele também que o casal era o mais rico da região. O rapaz ficou atordoado com tais informações, o que era uma desconfiança, naquele momento se tornara certeza.Ele era o filho roubado. Ele voltou para sua casa e não sabia onde procurar sua mãe, seu pai e sua irmã. Isso causou nele um grande sofrimento. Uns dias depois, ele começou a revirar uns baús velhos com roupas amarrotadas e encardidas, tinha esperança de encontrar mais alguma pista, encontrou um livro grosso, com capa de ouro, era uma espécie de caderno, pois dentro dele estava escrito à mão em vermelho com uma letra muito linda, dessas letras que se escreviam em pergaminhos. Ele sentou na cama e começou a ler o livro, era assustador. Tinha muitas receitas e dicas de bruxarias. É sério!

- Bruno pode continuar cavando, não é para parar...

- Eu estou cansado, faz um tempão que estamos cavando e aqui não tem nada, a minha enxada está cega, estou com sede, daqui a pouco é hora do almoço e estou ficando com fome. É melhor irmos embora.

- Bruno você esqueceu de dizer: e estou com medo...- disse Henrique dando risada. - Eu trouxe água e também trouxe lanche de mortadela para todos nós e o Augusto trouxe refrigerante e cigarro...

- Eu também trouxe cigarro, dois, peguei de meu pai, ele nem percebe, fuma que nem uma chaminé – Disse Fernando – E trouxe também um pouco de torta salgada, minha mãe mandou uma vasilha cheia, eu disse a ela que íamos fazer um passeio durante todo o dia.

- Eu não trouxe nada. – Bruno falou meio sem graça – Nem pensei nisso.

- Não tem problema, vamos fazer uma pausa e comer alguma coisa, me deu fome ouvir falar de torta e lanche de mortadela, afinal somos filhos de Deus, depois é melhor cavarmos perto do chiqueiro, aqui já cavamos muito. – Sugeriu Augusto.

Durante a pausa para o lanche, não se contou mais a história, falaram de outras coisas, deram muitas risadas, estavam animados e felizes,esqueceram do defunto, fumaram o cigarro e resolveram tirar uma soneca. Depois, quando acordaram, estavam todos preguiçosos, ninguém quis mais cavar, já passava das três da tarde e resolveram ir para casa, combinaram de ligar para a polícia e falar do corpo que estava no casarão e quando voltassem no domingo seguinte, não teria mais defunto lá, entretanto Paulo Henrique e Paulo Augusto tiveram que prometer para os dois amigos inseparáveis que durante a semana contariam mais um pedaço da história do coronel. E assim foram embora, cada um para sua casa naquele fim de tarde de domingo.

Cap. 4 – A Semana

Durante toda a semana, os amigos pouco falaram sobre o assunto, não que faltasse curiosidade da parte do Fernando e do Bruno, foi uma semana de muitas provas e eles precisavam estudar nos intervalos de uma aula e outra e não saíram muito de casa, E ainda tinha o assunto do morto, que souberam que a polícia havia ido até lá e retirado o defunto, mas não conseguiram saber quem era, foi enterrado como indigente. O punhal ficou com Bruno, que exibia para todo mundo aquele belo objeto de prata. Na sexta –feira tiveram mais tempo livres e se reuniram no recreio com mais alguns colegas que acabaram participando da conversa, meio sem saber muito o que se passava, mas acharam interessante o bate-papo. Esses colegas eram: Regiane, Verônica, Edson, Lindomar e Marcos.

- Por favor, me diga o que foi que o coronel fez com o livro que ele achou? Perguntou Bruno dirigindo-se a Henrique.

- Ele fez bruxaria para encontrar seus pais... – Disse Augusto que estava do lado dos dois – Ele matou um gato preto num ritual satânico...

- Ele fez essa maldade com o pobre do gatinho? – perguntou Regiane, que estava ouvindo.

- Fez, e algo muito medonho lhe apareceu, ele quase morreu de medo, reconheceu que era o próprio “cão chupando manga” e pediu a ele uma criança. O rapaz saiu correndo gritando, entrou no seu casebre e fechou-o, naquela noite ele não pregou os olhos, tão desesperado que ficou, pensou em mil coisas. Quando amanheceu o coronel pôs logo em prática uma ideia que teve, foi à cidade e comprou um lindo e gorducho leitãozinho rosado, os porcos dele estavam todos grandes e não serviam; levou-o para casa, matou e tirou algumas partes deixando deitado numa caixa. À noite o enterrou e o coisa ruim não apareceu novamente e passado uma semana o coronel já havia esquecido o ocorrido, percebeu que tudo era uma besteira e resolveu tocar sua vida adiante,

- Nossa! Que história sinistra, cara – Falou Lindomar – E o que aconteceu com ele depois?

- Ele resolveu voltar à cidade de seus pais verdadeiros e procurar alguma pista, nem que fosse para chegar e falar com cada morador, alguém deveria saber para onde foram. Quando chegou lá, parou em uma pousada para descansar. Antes de subir ao quarto, conversou com o senhor de idade que o atendeu na recepção, tudo indicava que aquela casa era dele e ao comentar a que estava ali, o velho soltou uma divertida gargalhada. Sem entender, o coronel ficou olhando para a cara dele, sério e ele disse alegremente – “Meu rapaz, você tem mesmo sorte, pois eu não via o compadre há quase dezoito anos e olha ele ali” – e apontou para um senhor de meia idade sentado em uma das poltronas da sala, lendo jornal - " você se parece muito com ele, aliás, é ele por escrito quando mais jovem, se o filho dele não tivesse morrido eu até diria que você é o filho dele"... concluiu.

- Pessoal, vamos, bateu o sinal para entrar na sala de aula. – chamou o servente da escola.

Todos estavam tão compenetrados ouvindo Augusto que nem deram conta do sinal. Subiram todos correndo para suas respectivas classes.

Na saída da escola lá estavam todos reunidos querendo saber o que aconteceu. Logo rodearam os dois Paulos que conheciam melhor a história, Paulo Henrique impaciente falou:

- Eu vou resumir essa história, poderia passar a vida inteira contando, mas já cansei. O coronel encontrou seu pai que o reconheceu, sua mãe já havia falecido e sua irmã estava no exterior, ele ficou muito rico com a herança que recebeu, comprou a melhor fazenda da cidade onde ele morava e casou-se com a moça da janela, não tiveram filhos, pois ela tinha problemas e perdia a bebê quando engravidava...

- Espera aí, assim não tem graça. – Corrigiu Bruno – Eu quero saber os detalhes, por exemplo, como foi o encontro dele com seu pai e como foi o encontro dele já rico com a moça da janela...

- Quem é essa moça da janela, eu quero saber? – Perguntou uma das meninas.

- Eu também quero saber – Disse a outra amiga.

- Dã!... E você acha que nós sabemos os detalhes... Nós estávamos lá, por acaso?- Disse Augusto.

- Pois saiba que eu estava, Bruno, eu inclusive segurava o lencinho para enxugar as lágrimas do coronel quando se encontrou com o pai...- Ironizou Henrique.- É sério...

Todos riram...

- E vocês que pegaram o bonde andando, um dia eu conto o começo da história, agora eu quero ir para a casa descansar, vamos Augusto.

- Domingo nós vamos voltar lá na fazenda, amanhã a gente combina – Disse Augusto.

Todos se despediram e foram embora.

(continua...)

Raquel Delvaje
Enviado por Raquel Delvaje em 21/06/2013
Reeditado em 22/06/2013
Código do texto: T4352431
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