As ondas batiam forte no casco (no navio invólucro da embarcação). A embarcação adernava (inclinação de uma embarcação) conforme era arrastada pela tempestade. A escuridão, neblina tornavam a navegação impossível. Todos os instrumentos de orientação acompanhavam a fúria dos ventos, seguindo sem mostrar ao certo o caminho para a tranquilidade. Raquel e Rogério se encontravam no convés (cobertura superior do navio), amarrados ao mastro do traquete (mastro principal). Cobrindo suas vestes uma grande capa de chuva de cor amarela os protegia da chuva, utilizavam salvas vidas que poderiam garantir a flutuação se necessário. Amantes, amados, enamorados, se aventuraram no barco de Rogério, mas com pouca experiência acabaram dentro de uma tempestade. Uma onda mais forte jogou a embarcação de encontro com arrecifes (formação rochosa submersa logo abaixo da superfície de águas oceânicas)
. A proa (parte da frente da embarcação) se rompeu lançando o casal no oceano em fúria.
     O casal flutuava, agarrados a um pedaço do barco, um destroço que mal cabia uma pessoa. O sol castigava. Depois de mais de vinte e quatro horas entre sol e vento a esperança se acabara, restava à fome e a sede. A noite chegou rápido e com ela o frio, sensação de abandono, desalento. Raquel reclamava de toda a aventura enquanto Rogério se mantinha calado, procurando economizar forças. Todos os problemas tornaram a situação insuportável, ambos choravam compulsivamente, seus corpos enfraquecidos começavam a entrar em colapso. Como o dia a noite passou como se em poucos minutos, então o casal pode ver o sol se erguendo na linha do horizonte – prenuncio de que viria o calor insuportável – lançando sua luz, calor num novo dia. Ao longe, subindo e descendo entre as ondas, uma imagem apareceu, se aproximando e crescendo conforme se aproximava. Não demorou e Rogério pode ver que se tratava de um bote, coberto por uma lona de proteção contra o sol. O casal se animou, um sorriso tomou a face cansada enquanto a pequena embarcação se aproximava. Quase ao lado da embarcação uma pessoa surgiu debaixo da lona. Em sua mão uma arma se evidenciava:
     - Vocês dois ai neste pedaço de pau, não adianta se animar, pois meu bote só cabe mais um. Se quiserem um dos dois poderá subir e continuar sobrevivendo.
     - Se for assim nós continuaremos nossa luta, sozinhos! – Gritou Rogério em desespero sem perceber que Raquel nadara para próximo do bote e embarcara.
       Rogério ficou solitário em seu pequeno pedaço de madeira enquanto Raquel o olhava visivelmente entristecida. O homem que chegara na embarcação olha para Raquel e atira em sua barriga. Rogério vendo o que ocorrera nada até o bote e inicia uma luta. Agarrados, entre socos e empurrões um tiro é disparado e Rogério se levanta e observa o agressor cair no mar e em poucos minutos ser cercado por tubarões. O sangue que jorrava da ferida atraiu os tubarões iniciando um frenesi de alimentação. Rogério olhou para Raquel que apertava fortemente a ferida causada pelo tiro:
     - Não se preocupe Quel, logo resolverei este problema. – Comentou Rogério enquanto pegava uma faca no estojo do quite de sobrevivência.
     Uma única facada, desferida no coração de Raquel foi o suficiente para tirar-lhe a vida. Rogério começou a vasculhar o quite de sobrevivência e conseguiu encontrar um saco de sal. Cortes sem muita precisão se iniciaram. Pedaços das nádegas, bochechas, barriga foram retirados, mergulhados em sal e deixados para secar ao sol. Os pedaços eram retirados entre lágrimas e soluços. O sangue que jorrava era imediatamente bebido. O restante do corpo foi lançado ao mar e devorado por tubarões. A embarcação foi lavada, Rogério se protegeu do sol, bebeu ferozmente a água que encontrou.
     Dois dias se passaram. O sol despontava no horizonte deixando um caminho de luz sobre o oceano que se não fosse pela fome e sede deixaria qualquer Rogério admirado com uma visão maravilhosa do cenário de beleza estonteante. Rogério acordava lentamente, seu despertar se precipitou pelo som de pássaros. Ao levantar, olhando para sua frente, pode ver a costa (linha que separa o mar da terra) se aproximando, rapidamente pegou os remos e começou a remar lentamente. Seus olhos começaram a marejar, suas forças eram poucas, mas conseguiria chegar à costa. Uma lembrança chegou à sua mente e as lágrimas cobriu-lhe o rosto, chegavam-lhe as imagens de Raquel:
- Meu deus se eu não tivesse jogado fora as pernas teria mais carne e mais forças para remar.
Fim