III – A hora de fugir

Não aguentaria não sentir o que me cercava. Afinal, já me fazia parte. A tragédia se entranhara, carcomendo-me por dentro. Aquela era uma cruz, (an)dor de outro penitente que me entregaram para carregar. Se pudesse, eu devolveria tudo. Que ficasse com o frio e o cobertor. Ora, ora, mas que hora tão errada, meu Senhor.

Estava pronto para me deixar (uma das minhas partes) em algum lugar, e escapar com as sobras, como somente uma sombra sem corpo. Estava pronto para me deixar escapar, já sem qualquer claridade, sem espírito, sem fé. Minha consciência de nada valia, nem respondia. Reservada.

Comecei a me separar daquela velha-nova-angústia. Não me culpem. Compreendam que não era minha. Suportava outras cargas bem anteriores sobre minhas costas. Lembram-se? Meu desespero, andando pela mata, sem rumo, atordoado por cavalos do (mundo) cão. Quem achou por bem me endereçar mais essa?

Então, façamos de conta que nada aconteceu (façamos de conta que isso é possível). Sei lá, sei lá! Estou falando aos ventos, às luzes estroboscópicas das ambulâncias, aos ouvintes que nada ouvem, aos amigos, aos inimigos que invento, em voz alta, em voz baixa, sozinho, no meio da confusão. Meu vinho, cadê meu vinho?

O aparelhinho renitente voltou a tocar. Vibrando, abria uns braços tão luminosos e piscantes em apelação (que dava até dó). Queria me agarrar, acredito. Mas não tinha mãos, somente piscas alucinados, que imploravam: não, não, por favor não me desampare. Não me trate com indiferença, não faça de conta que não é da sua conta! Nem acreditava no que parecia ouvir de mim.

Esse negócio é sensitivo e programado. Imaginei. Apertei o botão verde; apertei o botão vermelho. Desisti. A segunda chamada seria imediata. Estampava-se no visor “não atender”. Então, se o dono da linha não desejava, por que eu o desejaria, meu caro? Outra fonte insistia: “não atender2”. Tocou, tocou, tocou. Bem ... Faria sentido bisbilhotar aquilo? Talvez. Caiu a ligação. E veio outra, na mesma balada: “o problema é a rima”. Com esses títulos tão sugestivos, eu atenderia somente para matar a curiosidade. Nenhum dos contatos estava identificado pelo nome. Que curioso!

Quem quer falar?

Boa noite, senhor; essa ligação será gravada para sua segurança...

Huuum...

Poderia me confirmar alguns dados pessoais, senhor?

Não. Somente se você explicar essa tal rima. Ou, então, ligue depois, por favor.

Virou festa. Mais uma chamada desconhecida. Chama, chama: “Sedutora!” Consegui ouvir. Que voz! Não seria para menos. Ela me saúda de um jeito todo especial, e me canta, quase me toca, sem pedir licença. Eu desliguei.

Ufa!

(...)

Aluísio Azevedo Júnior
Enviado por Aluísio Azevedo Júnior em 28/12/2013
Reeditado em 30/12/2013
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