O Caso de Stanford Sam

Meu nome é Livingdale. Roger Charles Livingdale. Fui, durante muito tempo, encarregado do setor de crimes especiais da polícia da cidade de São Paulo. Em um certo período de minha vida fui enviado a uma estada de dois anos em Londres, onde tive oportunidade de conhecer um outro brasileiro, Thomas Hesterfor, que trabalhava na Scotland Yard. Tornamo-nos grandes amigos, pois tínhamos predileções em comum... entre elas, o gosto por nossa profissão. Depois de certo tempo acompanhando esse meu amigo em casos particulares, recebi uma carta que me informava que eu poderia retornar ao Brasil, pois minha presença estava sendo requerida. Consultei-o se ele não gostaria de me acompanhar de volta à nossa terra natal e mo ajudar a resolver alguns crimes sem solução. Meu pedido veio a calhar, pois Thomas estava mesmo precisando de novos ares. Os casos ingleses não estavam lhe requerendo seu verdadeiro potencial. O último caso em que me lembro ter visto ele tão estafado foi o caso do “Parlamentar Noturno”, um grande mistério que envolveu chantagens e conspirações na coroa britânica, em meados do ano de 1890.

Hesterfor logo aceitou meu convite e pediu suas contas da polícia britânica. Além dele, foram também para o Brasil sua mulher Lara e seu filho Clark, ambos europeus. Como não sabiam falar corretamente o português, ficavam geralmente numa comunidade inglesa em Pinheiros. Hesterfor logo se lembrou de suas aventuras quando jovem, em Angra dos Reis, cidade onde nascera. Não me contou muita coisa de sua juventude exceto alguns casos que resolvera e que o levaram a praticar a profissão de detetive quando adulto.

Hesterfor, ao que parece, cursou universidade particular no seu estado, não se destacando muito nos estudos. Cursava Direito a princípio, mas saiu no meio do curso para se graduar em Matemática alguns anos depois. Fez o doutorado na Inglaterra, pois como eu, era de descendência bretã. Lá conheceu Lara, uma bióloga dinamarquesa, com quem se casou e teve o pequeno Clark.

Se falo tanto de meu amigo é porque suas capacidades mentais me foram surpreendentes. Desde que o conheci ele se mostrou o melhor detetive que já tive oportunidade de conhecer. Tem um olhar tão apurado quando o personagem de Conan Doyle ou mesmo de Poe. Eu nunca imaginei que coisas como aquelas pudessem existir fora da literatura, mas Hesterfor me provou o contrário. O que eu disse aqui é tudo que sei sobre sua vida. O considero um gênio, embora nunca tenha dito isso a ele, pois ficaria imensamente constrangido com tal elogio. Pelo que conheço dele, não gosta de receber elogios. É recatado e de modos particulares. Sou, porém obrigado a narrar essas histórias que aconteceram em nossas vidas. Este caso que narro foi logo depois de nossa chegada de Londres e aconteceu na cidade de São Paulo. Na época ainda não tínhamos o nosso consultório particular e ambos trabalhávamos na polícia especial.

Estávamos cuidando da papelada rotineira, arquivando alguns casos resolvidos e examinando alguns outros. O inspetor Carmelão tinha nos dito que deveríamos ouvir um caso particular de assassinato e que não nos ausentássemos no final do expediente, pois este caso foi retirado das mãos da polícia federal e repassado para o departamento especial, de modo que nossas habilidades estavam sendo necessárias. É importante frisar que quando digo “nossas habilidades” refiro-me exclusivamente à competência de Hesterfor e ao seu senso impressionante de investigação. Embora eu fosse de uma patente superior no departamento, sempre o tratei como meu professor e nunca cheguei sequer a seus pés no seu modo investigativo. Nossa dupla funcionava bem porque Hesterfor resolvia os casos e eu cuidava de todos os pormenores que haviam, como perícia, mandados e arquivamento de provas, entre outras coisas.

Ao final da tarde, daquele mesmo dia, Hesterfor e eu fomos à sala de audiência para ouvir um homem que deveria nos contar a história do caso. Ficamos sabendo antes que um dos envolvidos era um chanceler alemão, que no momento era tido como desaparecido em seu país, embora seu corpo estivesse num necrotério tupiniquim.. Essa era a única informação que obtiveram e também o motivo da polícia e da imprensa serem afastadas do caso. A ordem era presidencial e clara, tínhamos quarenta e oito horas para resolver o caso. Ao chegarmos na sala, o comissário nos apresentou o sujeito.

“Este é Ricardo Mansual, amigo da vítima. Estava presente quando tudo aconteceu.”

Era um homem baixo, magro, mas de aparência muito jovial, embora já tivesse seguramente passado dos trinta e cinco anos. Trajava um sobretudo preto e uma camisa vermelha, que estava agora desabotoada. Usava um chapéu, também preto e sapatos marrons bem engraxados. Notava-se que era de descendência européia. Provavelmente italiano. Era calvo e o nariz era um tanto desproporcional ao seu rosto. Debaixo dos olhos mostrava contornos arroxeados, como quem não dorme já há alguns dias. Tinha um ar de quem não apreciava muito tomar banho, devido ao encardido de suas roupas.

“Qual a hora dos acontecimentos?”, perguntou Hesterfor.

“Duas e quinze, à tarde.”, respondeu o inspetor.

“Fazem três horas e três quartos, então”, observou Hesterfor, “tempo suficiente para perder uma pista”.

“Vejamos o que ele tem para nos contar”, disse eu.

“Comissário, inspetor, tenham a bondade de saírem por favor. Gostaria de ficar sozinho com este senhor e também com Livingdale.

Os dois homens saíram da sala. Um tanto constrangidos, pois eram todos oficiais, mas tinham recebido ordens expressas de obedecerem às excentricidades de Hesterfor, sejam quais forem.

“Muito bem, Sr. Ricardo” começou Hesterfor, “Conte-nos agora o que sabe sobre os acontecimentos ocorridos na tarde de hoje”.

O homem estava debruçado sobre a mesa, sentado numa cadeira e olhando fixamente para o espelho. Parecia não ter ouvido o que meu amigo dissera, tão compenetrado estava em pensamentos. Por várias vezes dirigia a mão ao ouvido e mexia-o numa espécie de cacoete nervoso. Embora estivéssemos no inverno, suava. Estava tenso, com certeza, e mostrava sinais de sua apreensão. Hesterfor parecia não ligar para isso. Esperou pacientemente e retirou do bolso algumas moedas, que ficou a passar de mão em mão. Por fim, falou.

“Livingdale, mande entrar novamente o comissário e o inspetor”. Não entendi patavinas do que ele pretendia, mas obedeci-lhe. Os dois entraram novamente na sala, com cara de dúvidas.

“O que descobriu, detetive?”, perguntou o inspetor, “Sua investigação é sem dúvida muito rápida”.

“Ainda não posso falar-lhes o que deduzi”, disse Hesterfor “mas gostaria que os senhores o interrogassem em minha presença para depois eu poder formular minhas hipóteses”. Ambos concordaram. Eu apenas observava e me perguntava, com uma curiosidade mórbida, o que iria sair de tal estranheza. O comissário então começou o interrogatório. Chamou-o novamente e desta vez o homem deu um salto na cadeira, como se tivesse sido despertado de um pesadelo. Estava ainda mais suado e retirou um lenço do casaco para limpar a testa.

“Sr. Mansual”, começou o comissário “relate-nos o caso, por favor”. Neste momento Hesterfor colocou uma moeda sobre a mesa.

“Bem”, disse o homem, “eu sou um grande amigo de Stanford Sam, nós sempre saíamos juntos quando ele vinha para o Brasil. Quer dizer, quando ele tinha um tempo e conseguíamos nos encontrar”. Hesterfor colocou outra moeda na mesa. “desta vez, assim que meu amigo desembarcou – ao menos foi o que eu soube, penso eu que ele não deveria estar na cidade durante muito tempo – me enviou uma carta dizendo em que hotel estava hospedado. Fiquei surpreso e muito alegre com o fato também. Fazia já muito tempo que não nos víamos, eu atarefado com meus afazeres de rotinas cheias de correrias e meu amigo mais ainda, homens de negócios o senhores sabem bem como são. Cada vez mais nos surpreendem, chegam nos momentos mais impróprios e mesmo assim, bem vindos como nunca. Ora, velhas amizades são como rixas, não seriam mesmo? Não há mortes para essas coisas, essas emanações da alma. Eu então enviei-lhe outra em resposta, marcando um encontro para a praça central à hora do almoço. Era um dia nublado e estava até agradável, se posso dizer assim. Encontramo-nos e saímos em caminhada pela região do centro. Paramos num restaurante bem rústico e comemos, se bem me lembro foi um espaguete maravilhoso, molho branco e essas coisas que deleitam o paladar. Ficamos por lá até cerca de um quarto depois da uma hora. Depois, como era de costume nosso, visitamos algumas casas de massagens e saímos com duas garotas. Levamo-las para um pequeno hotel no bairro japonês da Liberdade e ficamos nos divertindo até a hora fatídica. As garotas fizeram doces e nós bebíamos champanhe. Quando elas foram embora, eu saí para acertar a conta do hotel enquanto meu amigo se arrumava, ao retornar encontrei-o estirado no chão, com os lábios verdes e a língua enrolada. Ainda respirava, embora com dificuldade. Tentei conversar com ele, mas não me respondeu. Saí do hotel e liguei para a polícia. Voltei e esperei. Ele já não estava mais se movendo. Quando os policiais chegaram, ele havia morrido. Contei-lhes o caso e eles me levaram para a delegacia. Depois de um tempo me trouxeram para cá e aqui estou desde então”.

Ao término da narrativa, Hesterfor já havia colocado mais de dez moedas sobre a mesa. não disse uma só palavra enquanto o homem contava sua história. Perguntou-lhe algumas coisas assim que ele a terminou.

“Sr. Mansual, aonde o Sr. trabalha?”

“Sou dono de imóveis”, respondeu o homem.

“E como se iniciou essa sua relação com o Sr. Stanford Sam?”

“Nos conhecemos numa casa noturna, já faz muito tempo, uns quatro anos, mais ou menos”.

“Como eram as garotas que acompanhavam os senhores no hotel?”

“Eram duas meretrizes. Cabelos negros, olhos castanhos. Morenas com um sotaque do norte”.

“Onde está a carta que ele lhe enviou?”

“Não me lembro agora aonde a coloquei, mas posso procura-la”.

“Sim, faça isso. Ele já o levou para a Alemanha?”

“Não, já havia me convidado algumas vezes mas meus negócios nunca me deixaram ir”.

“Mas aposto como o senhor já viu algumas fotografias da Alemanha”.

“Sim, ele me mostrou muitas”, disse o homem um tanto constrangido.

“Tudo bem, era somente isso o que eu gostaria de saber por enquanto”. Ao dizer isso, saiu da sala. O inspetor e eu o seguimos. Quando estávamos fora o inspetor puxou-o num canto.

“Mas o que deu em você?”, disse ele, “Não vai fazer-lhe mais perguntas? Temos de resolver este caso em dois dias no máximo. Não temos pista alguma, precisamos interrogar este tal Mansual e saber tudo o que se passou naquele quarto de hotel”.

“Fique tranqüilo, inspetor”, disse Hesterfor, “Tenho o caso em meus domínios. Tudo que lhe peço é que verifique o passado deste homem, veja onde morou e se tem familiares. Verifique também as duas garotas que estavam com eles. Procure por garotas louras com marcas de agressão. Mande alguns homens rondarem a região, descubram onde eles almoçaram, onde fizeram massagens, qual hotel se hospedaram, em que lugar compraram champanhe e chocolates. Verifique também aonde está a chave do hotel onde estava hospedada a vítima. Tenho a impressão de que nosso amigo não se lembra do nome de nenhum hotel nem de nenhum restaurante... Faça isso e me entregue um relatório até amanhã bem cedo”. Dito isso o comissário saiu da sala e fechou a porta para que o homem não nos ouvisse.

“Mas esse homem é incrível”, disse ele com ar cansado, “não se lembra do nome de nenhuma casa de massagens ou restaurante por onde passaram. Disse que estava muito distraído conversando e não observou atentamente, mas se prontificou a refazer todo o caminho para ver se nota alguma coisa familiar”. Olhei para Hesterfor e vi que o inspetor estava mais assustado do que eu. Meu amigo despediu-se dos dois e voltando-se para mim, disse que resolveríamos o restante das investigações de casa. Despedimo-nos e fomos embora. No caminho, tomamos um bonde um tanto vazio e questionei-lhe sobre o caso. Ele me disse que esperasse até chegarmos em casa. Fiz como disse, e ao chegarmos, ele tirou os sapatos e colocou um roupão de inverno. Ascendeu um cachimbo que comprara na Inglaterra e sentou-se. Antes que eu pudesse questiona-lo de novo, ele começou.

“Meu caro Livingdale, os fatos são muito simples. De fato este é um caso que não nos tomará muito tempo. Tudo dependerá da colaboração dos envolvidos. As provas é que são o sistema que nos falta, mas eu hei de reuni-las no tempo certo. Por hoje, nada mais posso fazer enquanto não chegar o resultado das investigações que requis. Mas posso lhe assegurar que já tenho formado diversos conceitos e que as hipóteses caminham comigo”.

“Ora, conte-me então o que deduziu de tudo isso”, disse-lhe eu.

“No devido tempo. Antes gostaria de ouvir sua versão dos fatos”.

“Minha?, mas meu julgamento está muito cru”, respondi-lhe, “não posso ligar ainda uma coisa à outra”.

“Bem, eu aprecio seu julgamento, senão não teria aceitado trabalhar com você. Sempre é bom ouvir outra versão, pode ser que você me esclareça algo que me escapou”. Tendo em vista que não poderia ser diferente, concordei em lhe dar meu parecer. Comecei.

“A meu ver, o Sr. Mansual é um homem de fino porte. Um pouco desleixado, mas isso pode ser sinal de afobação. Pelo que pude perceber, ele estava bem nervoso, isso é óbvio, se deve ao fato dele nunca ter colocado os pés numa delegacia antes, quanto mais numa sala de inquéritos. Me pareceu um homem simples, deve ter algumas posses, mas com certeza é de boa índole. Confesso que não apreciei muito seus hábitos, é um sujeito um tanto sujo, desleixado, como eu disse, o que me faz duvidar se eles tenham estado mesmo em uma casa de massagens. Podem até ter ido, mas não fizeram massagem alguma, ou ele estaria mais descontraído do que aparentava. E mesmo mais limpo, já que é comum tomar banho nesses lugares. Imagino que eles tenham ido na casa apenas para pegar as garotas, o que nos dá um espaço de uns quarenta minutos, que seria o tempo que eles ficaram fazendo a massagem, mas onde na verdade eles devem ter feito outra coisa. Quanto ao crime, é fato que foi envenenado. E é fato que uma das garotas, ou mesmo as duas tenham sido as responsáveis por isso. Não desconfio do Sr. Mansual por um único motivo... esse motivo o salva de qualquer suspeita”.

“E qual é o motivo?”

“Ele também comeu o chocolate e bebeu o champanhe, como lemos no primeiro depoimento que ele deu à polícia. Poderia ser mentira, sem dúvida, mas a perícia que examinou o quarto comprovou que ele de fato comeu o doce que as garotas prepararam e também bebeu o champanhe. E o fato de não haver suas digitais no copo de Stanford Sam, apenas de uma das garotas, me garantem que ele não tocou no copo do amigo em momento algum. Poderia então ele ter levado o veneno em outro lugar? Sim, e poderia ter jogado o frasco fora quando foi ligar para a polícia? Sim, mas então isso provaria que ele teria de ter preparado a cena do crime para que a perícia não o pegasse. Nesse caso ele teria, antes de ligar para a polícia, de mexer em várias coisas, pois o culpado, sabemos, sempre se preocupa com tudo. Se não tivéssemos encontrado nenhuma digital no copo do alemão, isso me preocuparia, mas havia digitais diferentes pela casa toda, quatro no total. E isso me tranqüiliza quanto a culpa de Mansual. Ele não preparou a cena do crime. Ele estava apavorado na delegacia. Ele mostrava sinais corporais que o inocentavam, como a distração antes do começo da conversa. E psicologicamente analisando, seu timbre de voz não se alterou para o agudo, como fazem os que estão mentindo diante da possibilidade de serem apanhados. Essas coisas me convencem da inocência deste homem. Ele era meu principal suspeito até eu ouvi-lo, mas agora estou convicto de duas coisas: uma, foram as garotas que fizeram isso, ou ao menos uma delas, mas é mais provável que as duas; e segunda, há alguém por trás disso. Uma mente que planejou tudo. Esta mente é a que tem motivos para ver Stanford Sam morto. Algum inimigo político. Algum antagonista ou mesmo alguém querendo vingança, seja como for essa pessoa é alemã. Veio até aqui quando soube que Stanford viria e planejou esse crime. Provavelmente já veio outras vezes e sabia da rotina dos dois amigos. Arquitetou tudo durante muito tempo. Se conseguirmos achar o hotel onde Stanford estava hospedado acharemos o culpado. Será só comparar a lista de hóspedes com a lista de passageiros do navio onde estava Stanford. Haverão somente dois nomes repetidos: Stanford Sam e o seu assassino. Se pudermos fazer isso amanhã, resolveremos o caso dentro do prazo”.

“Meus parabéns, meu amigo”, disse-me Hesterfor, “vejo que sua capacidade dedutiva ainda me serve muito bem. Gostei de seus argumentos, são sem dúvida coerentes. E ao que percebi nossas suspeitas no começo do caso estavam praticamente no mesmo caminho. Podemos ter tomado caminhos diferentes, contudo estamos avançando cada qual em seu território”.

“Quer dizer que tem opinião diferente da minha?”, perguntei, “gostaria de ouvi-la, como já lhe disse, e podemos então apresentar nossas soluções, embora eu ache que o caso está praticamente acertado, ao menos na questão do assassino. Mas é como você mesmo disse, o que nos falta são as provas. E é possível que o homem já tenha voltado para a Alemanha. E temos de estabelecer a conexão entre eles, mas se pudermos enviar um telegrama à polícia alemã, ela se encarregará disso, ao menos assim penso eu”.

“Bem, lhe direi somente que o caso está sem dúvida quase todo formado em minha cabeça. As provas virão com o tempo, se fizermos a coisa certa. Mas já que você quer ouvir a minha versão lhe apresentarei alguns fatos que penso estarem coretos. Os outros ainda são conjecturas. Posso lhe dizer com certeza que coloquei uma moeda na mesa para cada mentira que disse o Sr. Mansual”.

“O que?!”, exclamei um tanto espantado. Hesterfor nada disse, apenas dava suaves tragadas em seu cachimbo e me olhava enquanto eu saltava da cadeira. “Essa eu gostaria que me explicasse. Se bem contei, haviam mais de quinze moedas na mesa. E eu pensei que fosse uma mania nova ou algo assim”.

“Posso começar lhe dizendo que nosso bom amigo nem se chama Mansual nem é amigo de alemão algum”.

“Mas como é que você sabe disso, oras?”

“A dedução me mostra a verdade. O mundo é lógico. A lógica e a relação estão em todos os lugares exatamente por estarem em nós mesmos. Enxergamos o mundo logicamente, Livingdale, não há como escapar disso. Tudo o que vemos e sentimos, relacionamos com tudo aquilo que um dia havíamos já visto e sentido, e este exercício de relacionar uma coisa com a outra, de encaixar coisas coerentes no cérebro de modo que formem uma cadeia de respostas e acontecimentos é logicar, ou seja, usar da lógica simples e pura para chegar ao produto final da razão, que é o juízo pelo qual entendemos e expressamos o mundo à nossa volta. Esse processo é tão simples que o fazemos mesmo sem querer. E as respostas nos vêm exatamente por estarmos abertos a elas”.

“Explique-se melhor, Hesterfor. Me ajude a entender este seu raciocínio”.

“Melhor do que já expliquei? Impossível. No entanto posso lhe elucidar alguns pontos básicos que muito provavelmente você não reparou porque estava mais interessado no meu jogo com as moedas do que na história do indivíduo. Embora você tenha observado muito suas reações quanto às perguntas, não reparou em suas ações para provocar essas reações forjadas e para que você tivesse a reação que você teve”.

“Quer dizer que ele nos enganou o tempo todo?”

“Não. Quero dizer que ele lhe enganou o tempo todo. Eu estava bem atento. Veja só. Começarei pelo início, quando chegamos na sala para entrevista-lo. Pude notar que não havia anel em sua mão, não era casado ou noivo. Suas olheiras, porém revelavam que ele passa muito tempo acordado. Em seus olhos podia-se notar muitos pés de galinha, o que me leva a crer que essas noites insones não são coisas raras. Possivelmente ele troca o dia pela noite constantemente. Creio que tem alguma espécie de negócios à noite. Seu cabelo mostrava sinais de tingimento oleoso, que é uma característica de homens que querem esconder a idade constantemente. Há aqueles que tingem o cabelo de vez em quando e esses compram uma tinta especial, à base de Lauril éter sulfato de sódio, muito mais adaptada para os cabelos, porém muito dispendiosa, mas àqueles que tingem constantemente necessitam não gastar muito dinheiro e acabam com tintas de base oleosa, mais barata. A menos que a pessoa tenha muito dinheiro, ela não comprará a tinta mais cara. E este é o caso de nosso amigo. Reparei que ele tinha uma pequena cicatriz em sua mão esquerda, mas estava muito longe para ver de qual natureza era o machucado, então tive a idéia das moedas. A cada moeda que eu colocava na mesa eu me aproximava o suficiente para analisar sua mão. Pude ver que era um corte vertical, na parte inferior da palma. Não era feito por faca, visto que uma faca, quando nos cortamos acidentalmente é sempre na parte superior. E o corte começava raso e terminava um pouco profundo, o que me levou a pensar que foi um machucado feito com qualquer instrumento não muito afiado e que também foi impactuoso, pois as laterais de seu machucado estavam um pouco inchadas. O corte seguia uma linha, desde o raso até o profundo, como se tivesse corrido por uma superfície ou objeto que a princípio não é cortante mas nesse caso atuou como tal. Depois de umas duas ou três observadas pude concluir que pela extensão do machucado e pela profundidade adquirida no decorrer do corte, que ele somente poderia ter feito aquilo com a mão a uma certa velocidade, e não era pequena. Calculei que o corte deveria ter entre uma e meia e uma e dois quintos de polegada de comprimento; e de profundidade, no início um quarto e no final meia polegada. Colocando isso em números posso deduzir que a velocidade que ele fez esse corte foi mais ou menos de sete milhas e meia. Pude então deduzir que ele havia provavelmente dado um tapa em alguma coisa. E pelos fatos apresentados essa coisa deveria ser uma das garotas, e ele possivelmente cortou a mão no brinco. Para dar o tapa de mão esquerda, e alcançar essa força, ele deve ser canhoto. E para dar esse tapa ele deveria ter motivos. De alguma forma penso que houve discussão antes ou depois da morte do homem. Ao chegarmos na sala, ele estava absorto em alguns pensamentos. Já por suas roupas pude notar que ele era um homem elegante, mas isso me durou um segundo, quando vi que, de modo algum, aquelas roupas largas podiam ser dele. Além do mais, estavam encardidas, como se estivessem sido raspadas n’algum chão bem sujo. O que me levou a crer que ele trocara de roupas com a vítima. Usava também seu chapéu, que identifiquei como sendo alemão, embora ele tivesse o cuidado de arrancar o selo, meu olho já se deparou com muitos desses em minhas andanças pela Europa. Pelo que lemos, Stanford foi achado somente de camisas e calças abertas, o que levou a perícia a afirmar que ele estava numa orgia com as garotas, mas ninguém teve o cuidado de abotoar a camisa ou a calça para ver se correspondiam de fato ao morto. Outra peculiaridade que pude notar é que ele usava sapatos muito novos. Os sapatos foram a única coisa que ele não retirou do defunto, obviamente por serem grandes ou pequenos demais. Além disso os sapatos estavam muito bem polidos, o que mostra uma preocupação com limpeza, que pude notar em seus hábitos. Ao contrário do que você disse, ele não é um homem de hábitos pouco higiênicos. Limpava a orelha o tempo todo, tanto que já se tornara um cacoete. Também notei as unhas extremamente bem limpas e podadas, o que ressaltou ainda mais minhas convicções. Ao fazer isso notei que ele não usava relógio algum. Como você sabe, em Londres todos usam relógio e peguei a mania de reparar nas pessoas que não têm esse hábito. Nosso amigo porém deu muitas vezes a hora exata em que se encontrava em tais e tais locais, o que me faz pensar que estava mentindo, desconfirmando assim sua tese de que ele teria tempo de sobra para passear com o amigo. Quanto ao seu nome, deduzi que não era o que ele dissera quando entrei na sala e o chamei. Ele não me olhou e sequer mostrou sinais de que fosse com ele que eu estivesse falando. Somente depois de algum tempo é que foi me olhar quando retirei as moedas do bolso e os detetives entraram. Em seu depoimento, observe que o seu suposto amigo alemão o avisa por carta que chegou ao Brasil e ele lhe responde por carta também. É muito fácil se livrar destes empecilhos dizendo que perdera as cartas ou não se lembra onde colocou. Repare que com isso ele fica livre de dizer que foi ao hotel onde Stanford estava hospedado, escapando assim de irmos pegar um depoimento dos porteiros e esses dizerem que nunca o viram. Esses foram os primeiros fatos que me fizeram duvidar que o Sr. Mansual chame realmente assim e que ele tenha uma amizade com o alemão assassinado. Isso sem contar o deslize que ele deixou escapar quando disse que a vítima tinha desembarcado, o que significa que ele sabia que o sujeito tinha vindo de navio, contudo ele não poderia saber disso, pois mansual veio de carruagem até São Paulo. Segundo penso, ele mente, o que significa que ele não teve contato nenhum com o alemão e mesmo assim sabe da sua chegada por mar no Rio de Janeiro. Esperaremos os telegramas amanhã e logo que chegarem iremos à cena do crime para analisarmos o que aconteceu. Talvez possamos passar no necrotério para analisarmos o corpo, mas as teses estão tão corretamente encaixadas que pode nem ser necessário. Em todo caso, discutiremos isso amanhã. Por hoje, nada mais analisarei e irei dormir cedo. Aconselho que faça o mesmo, Livingdale”

Naquela tarde, Hesterfor saiu para um passeio e eu fiquei ponderando sobre o caso, mas nada consegui encontrar de mais evidente. Ao começo da noite ele se dirigiu ao seu quarto e não mais saiu, enquanto eu fiquei ainda por muito tempo observando a noite fria que descia do céu junto das estrelas. No dia seguinte Thomas Hesterfor saiu de casa muito cedo. Uma fina neblina ainda cobria os telhados quando eu fui apanhar o jornal na porta de sua casa. Esperei-o por algum tempo ouvindo o noticiário pelo rádio. Não se falava nada sobre o assassinato. Provavelmente a inteligência secreta havia abafado o caso. Apenas mais algumas prostitutas envolvidas em roubos e crimes. Cotidiano fatídico de uma grande cidade. Fazia muito frio aquela manhã de modo que preparei um chá e fiquei lendo o jornal. Algum tempo depois Hesterfor chegou de volta. Estava envolto em um cachecol bordado e tinha o costumeiro cachimbo na boca.

“Oh, Livingdale, esperava encontra-lo já de pé. Tive de sair antes do sol raiar, é imperativo que este caso termine hoje antes da meia noite”.

“Se suas conclusões estiverem corretas, disse eu, penso que será possível seguir a pista certa, mas nesse caso as provas ainda inexistem, só o que você tem são suposições, não há muito a se fazer além de esperar as investigações sobre a vida de Mansual”.

“O que eu tenho são deduções lógicas, não meras suposições”, disse Hesterfor enquanto preparava uma chávena de chá, “ademais, é bem possível que ainda esta noite encontremos todas as provas que nos faltem. Dei uma passada no departamento. As conclusões deles foram exatamente iguais às suas, isso me foi de grande ajuda, pois o Sr. Mansual está em liberdade e ficou de passar aqui em casa ainda hoje, antes da hora do almoço, para que possamos conversar”.

“Você acha que ele poderá falar alguma coisa ainda?”

“O Sr. Mansual fala sem saber. Analisaremos o sujeito. Enquanto isso, deixe-me coloca-lo à parte dos telegramas que recebi hoje. A chave do quarto de Stanford Sam desapareceu, ninguém a encontrou nem no hotel, nem com o morto. E parece que Mansual tem mesmo algumas propriedades em seu nome”.

“Ora essa, então alguma coisa de verdade ele contou. Verificaram se o nome era falso?”

“Não mandei que verificassem. Não quero que deixem Mansual sob custódia. Isso somente atrasaria o caso e não nos daria o tempo exato para resolve-lo”.

“Mas como sabe que ele não irá fugir?”, perguntei.

“Porque ele pensa que não desconfiamos dele, entre outras coisas”.

“Que coisas?”

“Irrelevantes para o momento. O importante é que acharam algumas mulheres que poderiam estar presentes na cena do crime”.

“Isso é bom”, comentei, “Você pensa em procura-las?”

“Ao tempo certo. Por enquanto apenas aguardaremos o Sr. Mansual. Se ele for pontual chegará em menos de cento e vinte minutos”.

Nada mais Hesterfor falou sobre o caso. Ficamos lendo os jornais e fumando, concentrados no caso durante muito tempo. Deitei a cabeça na poltrona e fechei os olhos para repousar. Depois de um tempo Hesterfor falou comigo.

“Já fui ao hotel onde ele estava, não se preocupe”.

Olhei para ele com um salto que quase me derrubou da poltrona. Fiquei alguns instantes em silêncio vendo ele me fitar com olhar muito calmo.

“Como é que adivinhou o que eu estava pensando?”, perguntei pasmado.

“Por acaso você nunca leu aquelas histórias de Poe, ou de Doyle onde os detetives usam desse recurso para saber o que a pessoa está pensando?”

“Já li sim, mas nunca pensei que fosse possível. Além do mais, eles tinham todo um trabalho de dedução para adivinhar, coisas como olhares e gestos e nesse caso eu estava de olhos fechados e bem quieto”.

“Sim, mas seus pensamentos me foram claros como a luz do sol. Explicarei como cheguei a esta minha conclusão. Eu estava lendo quando você colocou sua xícara de lado e deitou na poltrona. Vi que batia os quatro dedos da mão direita em seqüência”.

“Sim, meu único gesto”.

“Mas o bastante para eu deduzir que estava com pressa de alguma coisa. Logicamente essa pressa seria para ver o Sr. Mansual o mais rápido possível. Você imaginava se ele viria mesmo ou não. Deste pensamento cogitei que passara para a hipótese de a sua tese estar correta e não a minha. Se a minha estivesse correta, ele viria, se a sua estivesse correta, ele viria também por não temer nada, logo ele viria de qualquer modo e isso o acalmou, por conseguinte você deixou de bater os dedos na cadeira. Pensei então que você deu asas á sua tese e que acredita que Mansual é inocente e para provar isso pensava em ir atrás das mulheres que eles pegaram como companhia naquela tarde. E uma boa prova de inocência também seria encontrar no quarto do falecido alemão a carta que Mansual lhe enviara. Para isso deveria passar no hotel e busca-la no seu quarto, imaginando que a perícia ainda não tivesse pego a tal carta. Foi nesse ponto que interrompi seus pensamentos dizendo que eu já fui no hotel. E se não me engano seu próximo pensamento seria ir até o necrotério para verificar o tipo de veneno usado e aonde é encontrado, se no Brasil existe ou somente na Alemanha. Lhe digo que já tomei estas providências”.

“É bom saber que você sabe o que eu penso a todo momento”, eu disse ao levantar-me, “Nem mesmo uma soneca eu posso tirar tranqüilamente”.

“Não se preocupe, Livingdale, isso é um exercício que exige tempo e dedicação, e não fico a todo momento fazendo isso, somente por distração, uma espécie de hobby, você há de entender”.

“Tudo bem”, respondi-lhe. A princípio fiquei incomodado por ele ter aplicado essa habilidade em mim, mas depois isso fascinou-me a tal ponto que eu admirava toda vez que ele fazia uso dela.

“Você ouviu isso, Livingdale?”, perguntou-me Hesterfor dando um salto da cadeira.

“Ouvi o que? Acho que não ouvi nada”.

“Nesta esquina abaixo de nós existe uma pedra solta beirando a sarjeta. Toda vez que passa uma carruagem da Linha B, que têm as rodas de madeira, elas fazem um barulho particular. O Sr. Mansual me disse que sairia do Jabaquara mais ou menos meio dia, pois deveria cuidar de negócios pessoais, e estaria aqui ao meio dia e um quarto. Somente podemos concluir que para estar aqui em um quarto de hora ele teria necessariamente de tomar uma carruagem, visto ele não possuir uma. E como daquele ponto da cidade até aqui somente passam carruagens da linha B, é necessário que ele tenha tomado esta linha. Note que já são quase meio dia e um quarto e que nessa hora é raro que carruagens da linha B passem por aqui. Então logicamente é o nosso amigo que desembarcou. Agora, pelo seu tamanho posso calcular o tamanho de sua passada e a sua velocidade. Dado a distância que existe entre a esquina e nosso sobrado e a escada onde ele deverá subir, além do tempo que eu gastei para lhe explicar isso, posso dizer em números que ele baterá em nossa porta daqui a doze segundos”.

Feito isso, Hesterfor dirigiu-se para porta e postou-se ao lado dela com um relógio na mão. Fiquei em silêncio e ao se passarem doze segundos, ele abriu a porta e lá estava o Sr. Mansual com a mão erguida pronto para bater a aldrava.

Hesterfor olhou para mim e com a cabeça eu o cumprimentei pelo raciocínio. Mansual entrou e sentou-se numa poltrona, a mando de meu amigo. Servi-lhe um chá e tomei seu sobretudo. Estava com pressa e não quis retirar o paletó. Usava o mesmo sobretudo que vestira na véspera. Hesterfor disse-me depois que o homem sequer havia tomado banho, certamente havia acontecido algo de muito grave para um maníaco por limpeza não exercer sua mania, mas Hesterfor já sabia o que ocorrera antes mesmo do homem abrir a boca.

“Mr. Hesterfor”, começou o Sr. Mansual, “sinto-me terrivelmente cansado e afoito com este caso todo. Não sei o que esperar de tudo isto e confesso que me sinto em perigo, pois não sei qual foi o motivo da morte de meu amigo. Seu convite para que eu viesse aqui hoje encheu-me ainda mais de preocupações”.

“Não se aflija Sr. Mansual”, disse Hesterfor em um tom calmo, “sei que o senhor estava se sentindo assim, todos estávamos apreensivos com este caso, mas isso já é passado, não há mais motivos para se preocupar”.

“O que o senhor quer dizer com isto, Mr. Hesterfor?”, perguntou nosso visitante, ajeitando-se na cadeira.

“Digo que o assassino está muito bem esclarecido. Não há mais dúvidas de minha parte. Eu sei quem é o assassino e porque o fez”.

O homem estremecera na cadeira. Vi pela sua expressão que não estava em seu melhor estado mental, quase pude ouvir o ribombar de seu coração, prestes a saltar do peito. Essa reação me fez pensar que meu amigo talvez estivesse com a razão, mas não mo convenceu totalmente.

“O senhor descobriu... o assassino?”, gaguejou Mansual.

“Sim. Foi fácil, seus motivos eram muito aparentes. Digo até que era amador. Mas não é necessário pânico Sr. Mansual. O assassino está neste momento a caminho da Alemanha. Ao que parece ele veio ao Brasil somente para matar seu inimigo e retornou rapidamente para seu país. Foi só conferir as listas de passageiros nas docas de Santos e Rio de Janeiro e encontrei um alemão em comum. Seu nome consta nos arquivos policiais. Ele será preso tão logo chegue à Lisboa”.

O Sr. Mansual voltou a ajeitar-se na cadeira e olhou para Hesterfor por um longo e demorado minuto, depois explodiu em uma gargalhada afoita e afrouxou o nó de sua gravata.

“Mas isso é esplêndido, Mr. Hesterfor, o senhor é realmente brilhante. Eu não imaginava que pudesse resolver esse caso tão rapidamente assim. Era um mistério total para mim. Eu lhe agradeço de todo meu ser, sinceramente. O senhor retirou um fardo de meu peito que até agora custo acreditar que tudo tenha acabado dessa forma”. O homem levantou-se e pegou seu sobretudo. “Espero que não se importe de eu sair assim tão apressado, mas tenho compromissos inadiáveis para o almoço. Espero poder retribuir adequadamente numa outra ocasião”.

“Está tudo certo, Sr. Mansual”, disse Hesterfor, “em breve o senhor poderá ver-nos novamente”.

Mansual cumprimentou-me e saiu apressado. Hesterfor olhava pacientemente para o relógio e parecia não ligar para o mundo à sua volta.

“Mas que história é essa de alemão viajando em navios?”, perguntei-lhe, “de onde diabos você tirou isso? Você não disse que tinha ido à polícia e ao hotel hoje de manhã, que foi isso de docas?”, Hesterfor não me respondeu a princípio, apenas continuou olhando o relógio. Depois, levantou-se de súbito.

“Venha, Livingdale, não há um segundo mais a perder”, dizia ele enquanto pegava nossos casacos. Em um instante estávamos na rua e víamos o Sr. Mansual subindo em uma carruagem. “Bem na hora, de acordo com o calculado. Essas carruagens são muito pontuais”. Ao dizer isso acenou para um cabriolé que estava parado à espera de passageiros. Disse ao cocheiro que seguisse à quarenta jardas a carruagem de Mansual.

“Mas o que pretende você agora?”, perguntei-lhe.

“Ora, é óbvio, meu caro Livingdale”, disse-me ele ascendendo o cachimbo, “se Mansual tem algo para contar para alguém ele o fará agora. É nesse momento que, se o seguirmos, ele nos levará ao cabeça de toda essa trama. Ele mesmo não pode ter esquematizado todo esse plano, embora eu o considere um homem inteligente. Ele é bom para mentir e imagino que foi por isso que seu chefe o escolheu para tomar parte neste caso, e ele tem um chefe eu lhe asseguro. Muito próximo, se minhas suspeitas estiverem corretas. Infelizmente o Sr. Mansual não conseguiu se controlar da forma como um cavalheiro deveria fazer. E também subestimou, ou ele ou seu mentor, uma das principais virtudes do detetivismo”.

“Qual virtude é essa?”, perguntei-lhe.

“Ora, adivinhe. Que lhe parece que Mansual fez de tão errado que o sacamos assim que colocamos os olhos nele? Qual foi o ponto, a isca que ele mesmo jogou para si?”

“Bem eu imagino que ele tenha falado que estava em lugares onde não estava de fato”.

“Bravo, Livingdale, quase lá. O primeiro mandamento do mentiroso é nunca dizer que estava com outras pessoas que podem negar esse fato”.

“E Mansual fez isso? Mas com quem ele disse que estava e que negou sua presença?”

“O Sr. Stanford Sam, ora essa”.

“Mas o velho está morto, como poderia ele...”

“Morto, sim é verdade. Mas as pessoas não sabem disso. Bastou um simples telefonema meu se passando pelo alemão para o hotel onde ele estava hospedado e eu pude descobrir que não há um amigo com as descrições de Mansual. Não houve sequer correspondência para o Sr. Stanford Sam, mas isso só confirmou minhas suspeitas”.

“Que suspeitas?”, perguntei, mas Hesterfor não respondeu, ao invés disso olhava demoradamente para fora. O condutor avisou que a carruagem havia parado. O pagamos e saímos do carro. Estávamos numa rua longínqua. Bairro residencial, não se viam prédios em lugar algum. Na placa lia-se o nome da rua. “Rua Elba”, comentei, “não sei aonde nos encontramos agora”.

“Moinho Velho”, disse Hesterfor enquanto observávamos Mansual caminhar à nossa frente. Era um bairro com muitas árvores e a rua ziguezagueava sem parar. Caminhamos por cerca de vinte minutos quando nosso homem entrou numa casa de aspecto velho e decaído. “Já temos o endereço dele, Livingdale, meu caro. Número noventa e quatro. Peço-lhe agora que retorne à delegacia e traga o Inspetor e alguns homens. Eu ficarei de guarda. Nos encontraremos exatamente naquele ponto”, e apontou um agrupamento de pequenas árvores que se encontrava cobrindo a parte norte de um palacete, “estarei à sua espera, não demore. Caso eu não esteja lá, encontrará um bilhete com instruções para serem seguidas, mas isso significará que houve algum imprevisto, o que imagino que não acontecerá. Retorne em menos de três horas que tudo estará de acordo com os planos, mais do que isso não posso garantir”. À essas palavras vi-o dirigir-se ao agrupamento de árvores. Voltei à cidade o mais rápido que pude. Tomei a carruagem para o distrito, mas não encontrei o inspetor. Esperei por alguns instantes, contudo não apareceu e não sabiam informar seu paradeiro. Já haviam se passado quase duas horas quando o homem chegou. Expliquei-lhe a situação e juntamos cerca de cinco homens o mais rápido possível. Tomamos o carro policial e quase em cima da hora estávamos de volta, devia ser quase quatro horas da tarde, não havia viva alma na rua naquele momento. Não encontramos Hesterfor nos arbustos, o que nos tornou ainda mais apreensivos. Não havia sinais de nenhuma carta, procuramos por toda a parte. Certamente havia acontecido algo de grave. Ficamos observando a casa por cerca de uma hora, sem ainda nos decidir quanto ao que fazer. Quando, por fim, tínhamos decidido entrar na casa, vimos Hesterfor saindo pela porta da frente e ascendendo seu cachimbo. Corremos em sua direção.

“Mas o que aconteceu, detetive?”, indagou o inspetor, “Aonde está o Sr. Mansual? Livingdale nos informou que o senhor suspeita do homem, e agora vejo que estava a interroga-lo”.

“De modo algum”, respondeu Hesterfor, “se os senhores tiverem a bondade de me acompanhar até aquela casa verão que o caso está resolvido e nada mais há a acrescentar ao mistério”. Dito isso acompanhamos meu amigo até a casa. Ao chegarmos no destino encontramos Mansual algemado ao lado de um homem de igual estatura e cabelos um tanto grisalhos, que Hesterfor nos apresentou como sendo o Sr. Caetano. Também estavam presentes na cena duas mulheres, as duas loiras e de corpos magros. Uma delas, a mais alta, apresentava marcas de agressão no olho direito.

“Aqui estão os irmãos Trazom”, disse Hesterfor, “Alcides e Caetano Trazom. Alcides era mais conhecido pelo nome de Ricardo Mansual, o antigo proprietário do Hotel Salamanca, no bairro da Liberdade”.

“Mas quem são essas mulheres? E o que significa tudo isso que o senhor está dizendo, detetive?”, gesticulava o inspetor, “o comissário vai exigir um relatório completo sobre isso. O senhor tem provas do que está falando?”

“Quanto ao relatório, inspetor, tenho certeza que o senhor terá imenso prazer em redigi-lo esta noite. E às provas não se preocupe, tenho as confissões dessas senhoritas e também os papéis necessários para provar a falsificação de nomes, mas antes deixe-me contar a história toda. Preste atenção, inspetor,” alertou Hesterfor enquanto o inspetor olhava e remexia os objetos da casa, “precisará de todos os detalhes para o relatório e eu não a repetirei, de modo que se o senhor perder alguma parte, terá de refazer toda a investigação e eu sei que, como o senhor está pensando em como eu detive esses homens e encontrei as provas, gostará de me escutar”.

“Eu não estava pensando exatamente isso”, disse embaraçado o inspetor.

“Tem razão, exatamente não, o senhor pensava isso antes de se distrair com o belo trabalho artesanal da toalha que está em cima daquela mesa e então pensar em como foram improdutivas suas últimas férias, quando sua mulher insistiu que não queria sair de São Paulo”.

“Mas como você sabe que eu estava pensando isso?” pulou o inspetor.

“Adivinhei”, disse Hesterfor dando uma longa baforada com o cachimbo no canto da boca.

“Ora, então adivinhe o que eu estou pensando agora”, desafiou-lhe o inspetor. Hesterfor, visivelmente desapontado com o comportamento infantil do inspetor, olhou para ele, que o encarava com um ar triunfante.

“Em nada”, disse Hesterfor.

“Incrível”, disse o inspetor sentando-se no sofá, “como o senhor faz isso?”

“É simples, inspetor, eu apenas analiso a capacidade mental da pessoa em questão a ser analisada e tiro uma conclusão elementar lógico relacional, e no meu caso eram dez a um a meu favor”.

“Oh”, balbuciou o inspetor, “Muito interessante, detetive, que métodos intrigantes, o senhor disse lógico o que...?”

“Não importa-nos neste momento, meu caro inspetor, deixe-me apenas contar-lhe o ocorrido e larguemos que a lei se encarregue de fazer o restante do trabalho”.

“Pois sim, prossiga, detetive”.

“Bem”, começou Hesterfor visivelmente empolgado, “a princípio devo me desculpar com meu amigo Livingdale por tê-lo colocado em tão desconfortante situação. Eu sabia que ao chegarem nos arbustos e não me encontrarem iriam procurar pela carta e não encontrando-a, esperariam e tomariam uma decisão. E este tempo era exatamente o que eu necessitava para executar meus planos. Se vocês repararem, daqueles arbustos é possível observar pela janela da casa, e exatamente naquela ângulo conseguimos ver quase todo o interior da sala, de modo que se eu precisasse de ajuda, iria me locomover para lá, mas como eu já havia previsto, não foi necessária, embora todos concordem, eu deveria me precaver. O segundo ponto é quanto ao caso. Não se preocupem se não os avisei de nada, eu apenas quis evitar as complicações da lei e para isso necessitava que Mansual – ou Alcides – estivesse em liberdade. Naquele dia em que entramos na sala para inquiri-lo eu já sabia que ele estava mentindo e tinha alguma coisa a esconder, a princípio não sabia o que era esta coisa, mas uma tarde de reflexão me trouxe à tona que provavelmente ele estaria escondendo alguém, e como eu já imaginava que Mansual não fosse seu nome recorri aos arquivos da polícia civil. Enviei um telegrama requerendo todos os Masuais que moravam em São Paulo e suas devidas impressões digitais. Naquela mesma tarde ainda visitei algumas casas de meretrizes e avistei a garota que procurava, aquela ali, Helena. Expliquei-lhe a situação e disse a ela que Mansual já havia confessado tudo, de modo que se ela não confessasse a pena iria ser maior, porém se ela resolvesse me contar o que de fato ocorrera eu poderia alivia-la da prisão. Assustada, ela me contou toda a história e se prontificou a ajudar-me. Na manhã seguinte fui ao hotel onde estava hospedado o alemão e conversei com os porteiros e camareiras. Dei-lhes a descrição de Helena e de Alcides. Todos eles reconheceram Helena, embora nenhum tenha se lembrado de ter visto Alcides. Depois me dirigi à delegacia e peguei os nomes dos Mansuais, não demorou muito para que eu identificasse todos os Ricardos, pois haviam apenas dois. Um deles morrera há quase cem anos e o outro tinha uma propriedade na Liberdade, um hotel que servia, entre outras coisas, para casa de meretrizes. A impressão digital, porém, não era a que eu coletei no copo onde Alcides bebera água. Isso me fez ir disfarçado até o hotel, onde confirmei que este senhor, Caetano, estava trabalhando. Pude notar imediatamente que eram irmãos, pois como os senhores podem ver claramente, eles são muito parecidos, especialmente no timbre de voz. Meu passo seguinte foi contatar Alcides na delegacia e dizer-lhe para que passasse em minha casa hoje, pela hora do almoço, e também informei as senhoritas que deveriam vir à casa de Alcides no mesmo horário e dizer ao seu irmão que tudo estava já resolvido e a polícia abandonara o caso. Eu sabia que Caetano se encontrava em casa na hora do almoço, pois pelo que pude deduzir, Alcides fazia o turno da madrugada e seu irmão o da tarde, o que explica porque ele sofre de insones olheiras e tem esses olhos profundos. Pude notar que Alcides é um grande apreciador de hábitos higiênicos e que nesta tarde ele ainda não havia tomado banho, de onde deduzi que ele passara a noite toda no hotel e ao invés de ir para a casa foi, com certeza procurar as senhoritas para lhes dizer que eu o havia procurado e que, se algo saísse errado eles deveriam todos fugir levando o produto de seus furtos, que explicarei daqui a pouco. Pude deduzir isso de duas maneiras: uma – que Alcides estava armado quando foi me visitar, pois ao se sentar na poltrona, não parou de se mover nas direções que menos o incomodavam, o que me levou a imaginar que estivesse com uma arma de médio porte na parte de trás da calça; e a segunda – o fato de que ele não tirou o casaco. Provavelmente iria atirar em mim caso eu tivesse descoberto a farsa toda. Com sorte pude esquivar-me desse destino. Ainda não expliquei como Alcides tomou para si o nome falso de Mansual. Como disse, esse senhor Ricardo Mansual era mesmo proprietário de um hotel na Liberdade. Era um senhor idoso e sem herdeiros. Verifiquei as antigas listas de empregados na prefeitura e pude constatar que neste hotel, há muito tempo, trabalharam dois irmãos, Caetano e Alcides. Um deles ficou no hotel, enquanto o outro saíra do emprego. Penso que os senhores poderão arrancar-lhe as informações do método que se fizer mais necessário, mas de algum modo, o verdadeiro senhor Mansual está desaparecido, enquanto Alcides se apoderou de todos seus documentos e propriedades. Isso deixarei com a polícia comum, visto não necessitar de minha ajuda. Continuando o caso, nosso falecido alemão tinha muitas propriedades tanto em São Paulo como na Alemanha. Sempre que ele visitava o Brasil a negócios, ele saía com as senhoritas Helena e Márcia, que estão logo ali. Para evitar suspeitas, ele as recebia em seu hotel, porém apenas como visitantes. O ato sexual se dava em hotéis obscuros no centro da cidade, onde sua pessoa não poderia ser reconhecida por algum eventual magnata. Por acaso ele acabou freqüentando durante algum tempo o hotel de Alcides, que logo se aproximou das senhoritas, velhas conhecidas da região, e induziu-as a tramar um plano contra o ingênuo alemão. No início, disseram-me as garotas, ele somente queria dinheiro, mas com as constantes vindas do alemão e com a amizade que crescia com as garotas, ele revelou-lhe fatos de sua vida íntima. Mostrou-lhes, como deduzi de um homem apaixonado, fotos de seus filhos e filhas, e por essas mesmas fotos, Alcides pôde observar toda sua riqueza, estampada na forma de propriedades e jóias que seus familiares portavam. Como me disseram as senhoritas, nessa fatal e derradeira viagem, o alemão havia dito que traria para que elas vissem o Estrela do Oriente, famoso diamante europeu que estava em sua família já há cento e vinte anos. Com essa informação, Alcides decidiu que estava na hora de agir. Instruiu as garotas a colocarem um poderoso sonífero à base de éter em sua bebida. As meninas, contudo exageraram na dose e acabaram por matar o homem. Alcides ficou completamente descontrolado, pois poderia ser pego em sua falsa identidade e ser acusado de assassinato. Agrediu-as e as convenceu da história que inventara. A melhor alternativa foi se passar por um amigo da vítima e negar tudo até o fim. Caso fosse indagado sobre o hotel, este estava em seu nome, Mansual, e ele tinha certeza que não seria investigado, pois se passaria por vítima e não por suspeito. E de fato foi o que todos pensaram. Colocando a suposta culpa em meretrizes e dando-nos uma descrição errada de suas características, pensava que nos confundiria e nos deixaria de fora da verdadeira pista. Quando, por fim, chegou à minha casa hoje e eu lhe disse que tudo apontava para um suspeito alemão, ele desistiu obviamente de me matar e ficou tão feliz por seu plano ter dado certo e tão aliviado que pensava já não precisar mais ter cautela. Veio então contar tudo ao irmão e nos trouxe direto para sua condenação. Assim que Livingdale partiu eu me aproximei da casa e esperei até que eles se encontrassem. Depois chegaram as senhoritas e eles comemoravam com o grande diamante nas mãos quando eu entrei de arma em punho e os rendi. Quando Alcides tentou sacar sua arma, enfrentei-o corpo a corpo e coloquei-o a nocaute. Assim fiz também com seu irmão. Infelizmente durante a briga o diamante desapareceu. Procurei-o inclusive fora da casa, caso tivesse voado pela janela, mas penso que Caetano escondeu-o enquanto eu brigava com seu irmão, pois ele demorou a prestar ajuda e não vi o que fazia enquanto gladiávamos. Assim que eles acordarem os senhores poderão esclarecer onde está a peça para que possamos envia-la de volta à Alemanha juntamente com o corpo de Stanford Sam. Bem, senhores, minha participação neste caso termina aqui. Espero que vocês possam esclarecer as evidências que faltam, mas as provas estão todas em sua mesa inspetor. Enviei-as pelo correio hoje de manhã, os documentos que provam que Mansual é na verdade Alcides e as fotos das impressões digitais de ambos comparadas com aquelas encontradas no quarto, além dos depoimentos das senhoritas. Dito isto, estou de partida e deixo-os em suas mãos”.

“Meus parabéns, Mr. Hesterfor”, disse o inspetor, “sem o senhor este caso jamais haveria de ser solucionado. Seu olho clínico não deixa escapar fragmento algum e tenho certeza de que temos muito a aprender com o senhor”.

Os guardas levaram as garotas e os dois irmãos para o carro policial e após mais algumas dezenas de elogios o inspetor embarcou também e se foi com os outros. Eu e Hesterfor ficamos observando a carruagem que se afastava pelas curvas da bela Rua Elba. Hesterfor ascendeu o cachimbo e deu algumas baforadas. Ficamos em silêncio durante algum tempo.

“Um lugar tranqüilo, hein Livingdale”, disse Hesterfor, “Talvez eu compre esta casa num futuro próximo e estabeleça aqui um consultório particular”.

“Bem aconchegante, mas pensemos nisso na hora certa. Por hoje, gostaria de saber por que você não me contou tudo logo de começo, poderíamos ter resolvido isso mais cedo, talvez”.

“Eu lhe contei o que estava pensando, coube a você acreditar em mim ou não. A partir do momento que você confia no que eu digo, o caso se esclarece por si só para você e para mim, não sendo necessário nos comunicarmos pela linguagem”.

“E há outro modo?”

“Há tantos quantos queiramos que existam. Mas se eu sei de algo e você sabe desse mesmo algo, porque perdermos tempo falando isso de um para o outro enquanto poderíamos estar aproveitando melhor esse tempo? Não penso que as pessoas dizem para as outras o que elas gostariam de dizer”.

“Não entendi”.

“Aí está exatamente o que quero dizer. O ponto todo consiste em que você ouve o que quer ouvir, de acordo com sua representação de mundo e de acordo com o que você compreende do que digo. Isso não é uma escolha sua, quando digo ‘quer’ quero dizer ‘pode’, ou seja, você entende o que pode entender, não mais, não menos. A assimilação de uma frase ou de uma teoria por uma pessoa depende do que aquela pessoa vê, entende e conhece do mundo, por isso tantos lêem um livro e produzem tantas teorias quanto há leitores, pois cada um absorve diferentemente aquilo que ali está expresso, embora o autor tenha feito essa expressão a seu modo e as palavras sejam as mesmas para mim, para você ou para qualquer outro, a compreensão é sempre difusa. E isso, meu caro Livingdale, me faz pensar se quando dizemos alguma coisa, estamos mesmo querendo dizer aquilo no final das contas, já que essa coisa será entendida de milhares de jeitos diferentes tanto quanto houverem interlocutores para ouvi-la ou lê-la”.

Acabei por concordar com Hesterfor, em parte por ter me convencido, em parte pelo fato de o simples mencionar de sua teoria já ser o suficiente para prova-la, pois se eu a aceitasse, estaria comprovando-a e se eu a negasse, idem. De qualquer modo, fomos caminhando durante muito tempo pela bela Rua Elba, enquanto Hesterfor brincava com o Estrela do Oriente por entre seus dedos mágicos.