Conto do Absinto

Não! Não preciso do tolo sentimento dos apaixonados para compor estes versos já que neles não há amor nenhum. Tudo o que sinto é o pleno vigor da vingança em mistura com o absinto que estou bebendo neste momento em que escrevo esta carta. Aliás, foi esta fada verde já apresentada quem me ajudou a concretizar meus planos.

Ah, agora entendo por que Wilde dava tanto valor! Já conto a vós como tirei a vida de Marie depois que ela arrancou de mim a minha também, deixa-me primeiro gozar do sabor de minha bebida e das visões que ela me traz. Ah... Nunca fui muito bom com as palavras e não sei nem por onde iniciar, então simplesmente exteriorizei da minha forma.

O relógio da praça soava 12 horas quando o corpo dela foi coberto pela primeira camada de terra. Eu estava do lado uma tímida lágrima escorreu do meu olho esquerdo. Esta vinha não só dos meus olhos, mas do meu corpo todo. Era uma lágrima não de tristeza e sim de vitória, de honra. Ah, como amei aquela mulher, como quis eu ter filhos, família, com este cadáver. Entretanto, ela desfilava por aí, com o olhar dos orgulhosos, dos debochados, dos ruins de alma, e eu achava aquilo tudo lindo.

O erro de Marie foi ter me dado esperanças. Um dia, em uma confraternização na casa do ilustre Senhor Prefeito, a encontrei inebriada com as bebidas fortes oferecidas. Ela, então, achegou-se a mim e disse que a fada verde a havia enviado para me dar prazer. Oh, quão inocente era eu naquele tempo! Pensei que ela falava a sério e, que por ser moça de família, não mentia. Ela dizia-se apaixonada por mim e também que foi tão forte quanto as bebidas que experimentara.

Como bom moço, disse-lhe que não era bom fazermos nada, que ela não estava em seu juízo e poderia depois arrepender-se. Ora, não é que meteu-me uma bofetada na cara e pôs-se a gritar, mandando que eu a respeitasse, perguntando se eu não tinha escrúpulos, olhando para todos os rostos presentes e afirmando que eu tivera a audácia de propor-lhe que saíssemos dali e fossemos para um lugar mais reservado para que eu conhecesse sua intimidade! Todos os olhos acusaram-me e foi mais que rapidamente que me puseram para fora do recinto. Enquanto andava, envergonhado, tentava ainda entender porque ela faria aquilo.

Abrindo a porta de casa, deparei-me com o brasão de minha família e com a antiga escritura de meu tataravô no móvel de mogno abaixo do símbolo familiar.

“Tua honra é teu tesouro. Jamais deixeis que mão alheia te tome e te guie ao ridículo. E não perdoes, não importa ser Deus ou o diabo, ser um amor ou um inimigo, extinga a vida dele e trata de que se arrependa antes de ti, que se arrependa do ato cometido contra ti. E nem na hora de tua morte lamentarás o teu ato de honra, pois se caso lamentares, desonrará toda a tua antecedência e envergonhará ta descendência. August Montrè”. Estes eram os versos escritos por meu tataravô e, ao lê-los, ergueu-se em mim uma fúria tão selvagem que parecia capaz de explodir em todos os cantos do meu corpo. Subitamente, um plano articulou-se em minha mente e resolvi que o colocaria em prática. Viajei para a França, meu país natal, e por lá fiquei ao todo de cinco anos. Estudei, aperfeiçoei-me em psicologia e regressei a fim de concretizar o plano que várias fadas verdes me ajudaram a idealizar. Encontrei uma Marie casada com um prefeito velho, mesmo prefeito que me expulsou como um cão de sua casa. Eu também o desonraria da pior forma que um homem pode ser desonrado. Como passara um tempo longe e como a alta sociedade fizera questão de excluir-me de suas mentes devido o acontecido, passei a ser visto como o belo moço francês que chegara à cidade. Essa notícia logo chegou aos ouvidos da jovem primeira-dama, que fez imensa questão de me “recepcionar”. O prefeito divulgou que faria uma confraternização em sua casa para que eu pudesse receber todo o calor de sua cidade – certamente queria que eu trouxesse meu título para que eu votasse nele na próxima eleição. Marie me encarava, com aqueles olhos grandes de cigana, como diria Bentinho de sua Capitu, e eu os encarava daqui.

Logo, um sorriso esboçou-se em seu rosto e ela retirou-se dali para a varanda. Dessa vez, fiz oposto do que foi feito em tempo passado. A segui e quando pus o pé no ambiente, ela puxou-me e nos trancou. Ela me olhou, mordendo já os lábios e eu a beijei. Levantei as roupa, abaixei a minha e ali mesmo dominei aquela mulher. Quando vi que ela estava a ponto da explosão, puxei seus cabelos para trás e a afastei de mim, deixando-a amolecida no canto da parede.

Vesti-me mais que depressa e quando ia me retirar, senti que ela me segurava e gemia, dizendo querer mais.

“Nem tudo o que se quer se consegue”, eu disse.

Ela replicou dizendo que já havia conseguido, que tinha me seduzido e me levado para lá porque ela quis e eu não poderia resistir, ninguém nunca resistiu.Debati dizendo que eu fui porque quis e que antes que ela pensasse, eu já havia dominado e que quando eu quisesse novamente, eu a procuraria.Virei-me e saí.

Encontrei o prefeito e disse estar muito lisonjeado com a recepção, mas que agora precisava ir para casa. E, no momento em que ela se aproximava, ainda desamassando o vestido, disse que procuraria alguma companhia para passar a noite, para ir me familiarizando com a cidade. O prefeito pôs-se a rir muito e eu respondia sua risada rindo também, mas no íntimo debochava da expressão de Marie, que foi da surpresa à fúria num relance. Dias se passaram e não me permitia mais nenhuma aproximação daquela mulher. Mas, chegou um dia em que a encontrei no parque. Ela ficou surpresa quando me aproximei e a pedi que me acompanhasse em um passeio. A conduzi até um lugar escondido no parque. Ali, baixei sua blusa de modo que seus seios ficassem aparentes. Depositei-lhes um beijo e um bilhete. Saí logo em seguida.

No bilhete eu havia lhe dado instruções de onde me encontrar. Às sete da noite, ela apareceu no local marcado. Ofereci o absinto, pois queria ter certeza da forma que reagia a ele. Dali em diante são os detalhes da noite que tivemos e que para deixar-vos na curiosidade, não explicitarei, só afirmarei que ali tive a certeza de que aquela mulher sentia por mim justamente o sentimento que eu queria que ela sentisse. Outros dias se passaram e todas as noites Marie inventava de ir à igreja quando estava mesmo era em meus braços.

Uma noite, ao dar-lhe doses extras de bebida, a mais do que a mente da pobre poderia aguentar, a fotografei em posições que ela mesma fazia desinibidamente, ao ver a lente. Aquela noite montei nela como em uma égua e fotografei nossas partes íntimas, sempre mostrando o rosto dela e omitindo o meu.Ao amanhecer, despachei-a e como ela estava atordoada com a bebida, foi-se. O prefeito, a este ponto, já desconfiava de tanta devoção da mulher. Ela disse-lhe que havia rezado a noite inteira, por pedir a Nossa Senhora que garantisse a vitória de seu marido nas próximas eleições. Disse também que estava exausta, e, como o marido ficou orgulhoso da devoção não só a santa, mas a ele também, disse-lhe para repousar.Mandou preparar um banquete dos deuses para que ela comesse ao acordar. Enquanto isso, eu revelava as fotos daquela senhora e preparava um bonito cartão para o senhor prefeito. Mandei-lhe as fotos e o cartão na hora de seu jantar. Criados me disseram que marido e mulher estavam sentados frente a frente quando o envelope pousou sobre a mesa. Ele abriu, olhou as fotos sem dar pistas a mulher que olhava para ele e sorria e leu meu cartão.

“Agora eu posso confirmar o que todos os rapazes da cidade dizem”.

O prefeito levantou-se rígido e chamou a mulher para o quarto. Ali, tirou-lhe a roupa e disse que a queria. Ela reclamou que ainda estava exausta da noite perdida e ele só confirmou, já sabendo o que ela havia feito à noite. Terminou de arrancar-lhe as vestes e, puxando-a pelos cabelos, levou-a nua até a praça da cidade.

Os cidadãos, estupefatos com o comportamento do prefeito, amontoaram-se, querendo entender o que se passava. Logo, o prefeito gritou o que estava escrito no bilhete e disse à cidade que sua mulher havia adulterado com vários e que, como era sem-vergonha, deveria ser mostrada para todos como a maioria já a havia visto. Sacou então uma arma e disse que também não poderia mais viver com o peso de ter sido fiel àquela vagabunda e que ambos teriam as vidas findadas ali.

O prefeito mirou entre as pernas de sua mulher, que soluçava e negava incessantemente com a cabeça, e atirou, dizendo que o primeiro tiro seria ali, na causa de sua morte. Depois, mirou entre seus próprios olhos, amaldiçoando-os por ter sido cegos, e atirou.

Logo a polícia apareceu para acalmar a multidão e eu aproveitei para chegar perto de Marie e disse-lhe:

“Quão vergonhoso é ser acusado de um ato publicamente, morrer sem honra alguma, para ser lembrada como alguém sujo. Você me envergonhou uma vez, quando te amava, e lançou-me injúrias que fizeram a cidade escolher a esquecer-me por ter sido tão desrespeitoso e depravado. Eles me esqueceram, mas de você lembrarão. A diferença entre mim e você é que eu não cometi o erro e fui acusado injustamente, já você cometeu o erro várias vezes e continuou impune. Somente até agora. Morra, imunda!” E com um último suspiro, Marie se despediu de mim.

Ao voltar enterro, a primeira coisa que fiz foi pegar o absinto, sentar-me junto à mesa de mogno abaixo do brasão e escrever a história de como lavei minha honra. E ainda aqui me encontro, cercado de fadas verdes que aplaudem enquanto fecho o grosso livro de capa dura e vermelha dos Montrè.

Rayanne Correia
Enviado por Rayanne Correia em 13/01/2014
Código do texto: T4647852
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