Nascendo para a vida eterna

Estava andando por uma rua escura, ouvi um barulho e me voltei. De repente vejo sair de uma sombra, que a árvore deixava ainda mais enegrecida, mais macabra, uma pessoa. Quis virar-me e apressar o passo, mas antes que meu cérebro pudesse comandar aquela retirada, a lua, que naquela noite tinha um brilho fosco, ousou tocar aquele rosto, paralisando minhas intenções. Era um belo semblante, pálido e cheio de mistério, os olhos claros penetraram minha alma e congelaram meus músculos, a boca carnuda brilhava um vermelho intenso, o que me encheu de desejo. “Eu quero possuí-lo”. Foi isso que minha mente escutou, fazendo com que eu não quisesse mais fugir apavorado. Seus passos eram contados como em uma dança, seus longos cabelos negros também dançavam, em companhia do vento. Era um vestido longo de mangas compridas, tão negro quanto a própria noite, que cobria seu belo corpo esguio. Ela chegou até mim, fixou seus olhos nos meus, e percebi que ela me via por baixo da pele. Eu sabia o que estava para acontecer, e tremia de medo e excitação. Sua mão, ela colocou sobre meu peito, e foi subindo até meu pescoço, de onde ela tirou mechas do meu cabelo que escorria. A boca foi abrindo, e pude ver os caninos se alongando em presas. Beijou-me a boca com seus lábios frios, antes de em meu pescoço cravar seus famintos dentes. Meu sangue era drenado para fora do corpo, e eu sentia um grande vazio se apossar do meu interior, fui perdendo a lucidez, parecia-me estar ficando ébrio, mas eu não queria que ela parasse, pois aquela sensação era muito boa. Estava eu para morrer, quando ela cessou a sucção. Deitou meu corpo naquela calçada imunda e ficou a me observar, como a pensar, se eu merecia ou não a maldição, a eternidade. Ela mordeu seu próprio pulso, rasgando o suficiente para o sangue fluir, agachou-se e me fez sorvê-lo. Eu senti como se inúmeros insetos adentrassem minhas veias, e eles estavam em constante peregrinação, até que chegaram ao meu coração. Então um fogo intenso abrasou meu corpo todo. Eu queria sair de mim para não sentir aquela dor, mas a única coisa que saiu de mim foi um enorme urro, como um bebê chora quando nasce, eu urrei quando renasci para a vida eterna. Agora eu ouvia os passos dos transeuntes que vagavam há quadras dali, como se pisoteassem em minha cabeça. O ar tinha um cheiro próprio, como nunca eu tinha inalado antes, era a podridão da cidade que me infestava a narina. Minha sensibilidade de um modo geral se aguçou, e então percebi que aquela linda mulher estava me deixando, mas antes ela falou com minha mente novamente, ensinando-me a me alimentar corretamente, e como viver sem penúria, naquele novo mundo que nascia para mim. Então não se assustem se corpos começarem a aparecer, sem vida, sem sangue. Este serei eu, a beber suas doenças e loucuras, alimentando-me dessa raça ultrapassada de humanos medíocres, para poder viver em paz minha vida eterna.

Juliano Rossin
Enviado por Juliano Rossin em 04/09/2005
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