JANE

Eu a vi de longe: uma mulher linda chegou e sentou na terceira fileira dos bancos da igreja; cruzou as pernas e ergueu a cabeça para ver o casamento. Um amigo meu de infância estava se casando. A noiva tinha um véu comprido cheio de brilho e um adornado dourado, mas o tom da pele daquela mulher era mais radiante e capturou minha atenção.

- Ei psiu! O que foi? - perguntou um amigo meu, o Alex. Fomos convidados para ser padrinhos. Do lado direito estava meu par, Camila, outra amiga de infância também.

- Hum? O quê? Nada não.

- Com essa aliança eu me caso contigo - dizia o noivo.

Fiquei emocionado com o momento, porém me deu uma vontade grande de conhecer aquela moça e quando virei o rosto, ela estava limpando os olhos com um lenço - as lágrimas cintilavam no rosto. Ainda sim continuava linda! Alta, morena, esbelta e misteriosa. Como sendo daquele jeito não estava casada ainda?

- Com essa aliança eu o desposo; prometo ser fiel até a morte - repetiu a noiva.

Aquela mulher estava com um vestido vermelho, justo ao corpo evidenciava suas curvas, era o contraste perfeito com os longos cabelos castanhos, mas percebi algo estranho: estava emocionada mas, com muito pesar, olhos vazios de uma tristeza profunda. Eu até quis consolá-la.

- O que foi Diego? - indagou minha amiga. Olhou na direção em que eu estava olhando. - O que tem ali?

A voz dela carregava um tom ciumento.

- Nada demais - virei o rosto.

O padre os declara marido e mulher e os noivos se beijam; alguns aplaudiram e para os mais íntimos, assim como nós, assobiavam. Nós nos levantamos e quando olhei naquela direção novamente, ela havia sumido. Procurei por todos os lados, por cima nas galerias da igreja, por entre as frestas do pessoal e consegui um rastro: seus cabelos desaparecendo dentre a multidão. A igreja estava lotada.

Meu pé fez um passo involuntário para ir atrás, mas uma mão me segurou o ombro.

- Onde você pensa que vai? Ainda não acabou o casamento e você é meu par, lembra? - disse Camila.

- Oh me desculpe! Você tem toda razão - sorri envergonhado.

A saída dos padrinhos parecia uma eternidade; eu estava totalmente distraído e com certeza não me sai bem nas fotos. Imagino a minha cara em cada retrato de casamento, de completa apatia, um completo desastre! Camila me cutucou mais de três vezes.

Tudo o que eu queria era alcançar a moça e saber seu nome. E quem é esse amigo que diz ser amigo quando não nos apresenta as convidadas?

Durante toda a semana não conseguia tirá-la do pensamento e pior, meu amigo disse que não se lembrava dessa moça. E todas as pessoas que eu falei sobre o assunto também não souberam responder. Será que ninguém podia me ajudar?

Numa tarde de domingo alguém apareceu à minha porta. Eu morava sozinho em um apartamento de luxo numa das principais avenidas da cidade.

Como completo bobão, eu torci para que fosse a garota atrás da porta.

- Oi, sou a Jade. - disse a moça.

- Oi - contive minha decepção.

Ela era bem diferente daquela.

- Disseram-me que você morava aqui; eu estava a sua procura.

- Jura?

- Uma amiga minha me falou de você.

"Aposto que foi a Camila", pensei

- Quem?

- Jane; ela mandou dizer que te achou uma gracinha. Qual o seu nome?

- Me chamo Diego e olha só, eu não conheço nenhuma Jane.

- Ela disse que notou você no casamento.

Senti um frio na barriga. “Será que era aquela mulher?” pensei.

- Ela é alta, cabelos castanhos, pele morena e...

- Sim! Eu também a vi. Quis pegar o pegar o telefone dela, mas eu era padrinho de casamento, tinha um par e sabe como é né...

- Entendo. - Jade deu um meio sorriso.

- Você a conhece?

- Conheço a casa dela.

- Poderia me levar até lá? - perguntei ansioso.

Fomos a pé porque não era muito longe, fomos conversando. Jade parecia uma boa pessoa, tinha um bom papo, e pelo nome, parecia que Jane e Jade eram irmãs. A casa de Jane ficava distante do centro, a estrada sem asfalto, residência pequena ao lado de um poste sem energia.

- Chegamos! Você está preparado?

- Como assim? - respondi; não entendi, mas algo me dizia que seria inacreditável.

Ela bateu palmas e o que parecia ser a mãe da Jane apareceu nas grades do portão. A senhora simpática nos recebeu e pediu para que entrássemos, ofereceu água e nos sentamos.

- Como vai Dona Julieta? - começou Jade.

- Indo né, minha filha. - seus olhos pareciam sorrir embora na voz escondesse certo sentimento. - Quem é esse rapaz?

- É o Diego, conhecido meu.

- Como vai, Diego?

- Bem. - tentei conter minha ansiedade para ver sua filha, que com certeza estaria no quarto se arrumando por causa da visita.

- A senhora está sozinha hoje? - perguntou Jade.

- Sim, meu marido saiu para procurar um emprego.

- E a sua filha? A Jane? Cadê ela? - interrompi.

As duas me encararam. Dona Julieta começou a chorar incontrolável. Jade esfregou a mão na cara e me olhou balbuciando um não nos lábios.

- Ela era uma boa filha... - respondeu soluçando.

- Como assim era? Eu a vi domingo num casamento!

- Diego! - Jade me repreendeu.

Fiquei péssimo em ter feito a senhora chorar, por sorte o marido não estava, se não eu seria expulso a pontapé da casa. Mas eu fiquei muito confuso.

Aquela senhora puxou um celular nokia antigo e mostrou uma foto de papel de parede.

- Ela era assim?

- Sim. - o rosto da Jane era saudável e o sorriso, o mais lindo que eu já vi.

Mexendo mais um pouco, a dona Julieta me mostrou outra foto: um carro completamente destruído numa estrada conhecida.

- Um caminhoneiro irresponsável - soluçava - completamente bêbado, bateu de frente com o carro da minha filha!

- Meu Deus! - fiquei perplexo. - Foi ontem?

- Há 2 anos.

Gelei por imediato! Um arrepio intenso da nuca até a planta dos pés. Meu coração acelerou, faltou a voz, minhas mãos tremiam… Então, quem foi que eu vi no casamento? Foi a Jade? Não. Eu queria jurar que...

- O sonho da minha menina era o de se casar; - Dona Julieta chorava muito - ela já havia juntado dinheiro, tinha emprego, tinha um apartamento no centro mas só faltava um rapaz...

Um flash dos olhos tristes e vazios da moça passou como uma cena de filme na minha cabeça. Senti um aperto na barriga, um nó na garganta, eu não sabia como reagir. De repente, eu vi uma estranha silhueta se formar atrás da Dona Julieta.

- Calma; ele vai ficar bem. Foi só uma queda de pressão. - escutei uma voz bem longe.

Eu tinha apagado; a queda de pressão me fez desmaiar.

- O que aconteceu?

- Foi apenas um susto. - Jade me acalmava, mas eu já estava recobrando a consciência.

- Eu tenho que ir embora, tenho que voltar para casa...

Perguntei se você estava preparado, lembra Diego? Olha só, vou ser bem direta: eu sou uma médium e me comunico com os espíritos. Jane quer fazer contato com você, não se preocupe, ela não quer lhe fazer mal e...

- Eu… eu estou vendo… Ela está aqui… Ja-Jane... - olhei para o lado, vi Jane olhando fixamente para mim, com uma mão no ombro da Jade, usava o mesmo vestido do casamento. Seus olhos eram grandes buracos negros.

- Sim, posso senti-la. - Jade sorriu.

- O que você quer de mim? - engoli seco.

Jane sorriu, veio em minha direção e quis me abraçar, eu fechei os olhos apertando com força e senti um vento gelado passar pelo meu corpo. No mesmo instante, houve um silêncio profundo e o sussurrar do vento que trazia chuva lá fora.

- Ela me disse que queria saber o seu nome também; vocês eram vizinhos. - respondeu Jade pausadamente.

Bom, estou a três noites em claro. Não consigo tirar Jane dos meus pensamentos, ela ficou impregnada em mim e não quer sair da minha cabeça. Meus amigos disseram que tenho me comportado de maneira estranha. E não desejo tão cedo ir a um casamento.

Nefer Khemet
Enviado por Nefer Khemet em 01/06/2014
Reeditado em 30/01/2021
Código do texto: T4827765
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